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Paludário de Caranguejos do Mangue
 
Breve artigo descrevendo a minha experiência com um paludário salobro de Caranguejos do Mangue


Paludário de Caranguejos do Mangue


Texto e fotos de Walther Ishikawa



Introdução


O hobby de manutenção de pequenos caranguejos ornamentais em aquaterrários tem uma longa tradição na Alemanha e em alguns outros países europeus. Entretanto, é uma atividade pouco conhecida nos demais países, inclusive naqueles onde o aquarismo tem grande desenvolvimento, como os Estados Unidos e países asiáticos. No Brasil, é praticamente desconhecido, chegando a causar estranheza quando alguém comenta que possui caranguejos de estimação.

Sempre tive um grande interesse por invertebrados aquáticos, especialmente crustáceos, e depois de fuçar bastante a internet, consultando fóruns alemães e artigos científicos, em 2011 resolvi me aventurar na montagem de um aquaterrário. Criei diversas espécies de caranguejos de manguezais, num período de quatro anos. Este breve artigo tem como objetivo passar a minha experiência nessa aventura. 

 

 




Paludário de Guaiamuns e outros caranguejos do mangue no Aquário de Ubatuba, em Ubatuba, SP. Foi a principal inspiração para a montagem do meu paludário.



Terrário, aquaterrário, paludário ou vivário?


         De forma geral, costuma-se chamar vivário algum recipiente (em geral transparente) cujo conteúdo reproduz um ambiente natural, geralmente com o objetivo de criação / observação de animais e plantas. Aquários são um tipo de vivário, preenchidos por água.

         Ao menos informalmente, entre criadores de animais, sempre que ao menos uma parte do seu conteúdo é seco, é chamado de terrário (embora alguns prefiram usar esta denominação somente para aqueles vivários totalmente sem porção aquática).

         Se o conteúdo é misto, com uma parte emersa e outra submersa, é chamado de aquaterrário ou paludário. Um terceiro termo que se confunde é ripário.

 






Alguns caranguejos no paludário. Leptuca thayeri e Pachigrapsus transversus na primeira foto, Sesarma rectum e Cardisoma guanhumi na segunda e terceira, Minuca mordax e Neohelice granulata na quarta, e Armases rubripes e Sesarma rectum na última. Note os Sesarma se alimentando na última foto, e o pratinho com comida.


Aspectos legais da coleta e manutenção destes animais


Um equívoco bastante comum é considerar a atividade de coleta e manutenção em terrários destes animais como sendo ilegal. Muitos citam a lei 9605 de 1998 que considera como sendo crime ambiental a coleta e manutenção em cativeiro de qualquer espécie da fauna brasileira. Porém, deve-se lembrar que a legislação sobre animais aquáticos é outra, por serem considerados recursos, e não fauna, e estão sob responsabilidade do Ministério da Pesca. Maiores detalhes sobre a legalidade podem ser vistos neste artigo. Não há restrição para coleta e manutenção em cativeiro de animais aquáticos, exceto em períodos reprodutivos, ou aquelas espécies que constam em listas de animais ameaçados. Embora semi-terrestres, a legislação destes caranguejos é a mesma.

Em relação a esta lista vermelha do IBAMA (2014), vale destacar que o Guaiamum consta como espécie ameaçada, e algumas outras espécies (Uçá, dois Violinistas e o Catanhão) constam como “quase ameaçadas”, e não devem ser coletadas. Eu criei três destas espécies no paludário, mas a lista atualizada foi publicada na época que desmontei o paludário. A lista anterior não mencionada estas espécies como ameaçadas (somente o Catanhão, mas na lista estadual do RS). Atenção também ao local de coleta, lembrando que todos os manguezais são APAs, mesmo que não sinalizados.



Guaiamum (Cardisoma guanhumi), fêmea ovada, encontrada em Caraguatatuba no dia da coleta. Este exemplar não foi coletado, somente fotografado.



Gostaria de lembrar somente que a nossa responsabilidade como aquaristas ultrapassa a esfera legal. Uma coleta e manutenção responsável destes animais é mais do que esperada, sempre realizada atentando-se a impactos ambientais, evitando a coleta de fêmeas ovadas, um número excessivo de animais, ou a modificação desnecessária do habitat destes seres. Toda rocha deslocada deve ser colocada na posição original. Armadilhas e lixo não devem ser abandonados no ambiente, e assim por diante. Um artigo sobre a observação de caranguejos em manguezais pode ser visto aqui.

 

 

O único episódio de predação que presenciei, e até consegui registrar: Sesarma rectum se alimentando de um pequeno Armases rubripes.



Espécies de Caranguejos, e sua coleta


As espécies de caranguejo escolhidas são todas semi-aquáticas, que vivem em estuários e manguezais. Todas são onívoras com tendências herbívoras. Quis montar um tanque comunitário, com várias espécies diferentes de caranguejos, mas sempre respeitando suas necessidades ambientais, o que demandou um tempo bem longo de pesquisa. Foi uma opção até arriscada, a maioria dos criadores sugere tanques dedicados mono-espécie. Tentei escolher também espécies pacíficas, evitando também aquelas espécies com tendências carnívoras, como Siris e Aratu-vermelho. Desde a montagem, tive algumas surpresas desagradáveis, como um episódio de predação que presenciei, e o desaparecimento de pequenos Violinistas, mas, no aspecto geral eles conviveram bem, apesar da grande diferença de tamanho.




 

 


Estuário do Rio Santo Antônio, Caraguatatuba, durante a maré baixa.





 

 


Alguns dos caranguejos coletados, fotografados no local. Leptuca thayeri, Armases rubripes e Minuca mordax.



Os caranguejos foram coletados em maio e junho de 2011, em três ocasiões, todos em Caraguatatuba (litoral norte de São Paulo). Em Indaiá, Praia do Centro, próximo do estuário do Rio Santo Antônio, bem no meio de uma região residencial. Um local bastante degradado por ação humana, muito lixo e entulhos, mas sem poluição. Recebia a água drenada das calhas das ruas residenciais da região, mas não recebia esgoto.

Escolhi um horário de maré baixa, e procurava caranguejos escondidos debaixo de troncos e pedras. Como esperado, algumas espécies foram coletadas junto à linha d´água, outras distantes, em terra firme. Cavei algumas tocas, para coletar Violinistas, e em algumas tocas perto de um morro de terra, encontrei o Guaiamum.

Coletei doze caranguejos na primeira expedição. Nas duas outras o número foi menor, procurei especialmente Violinistas de diferentes espécies. Queria encontrar também algum Aratu-marinheiro, mas não tive sucesso.
 




Os caranguejos coletados na primeira expedição, fotografados ainda em Caraguatatuba.




Caranguejos da segunda expedição, fotografados ainda em Caraguatatuba.



O aquário, e equipamentos


Tive a sorte de conseguir um aquário usado grande (500 litros, com 100x60 cm de base), adaptá-lo para um aquaterrário não foi difícil. Era um aquário excessivamente alto, talvez seu único defeito. O tamanho pode parecer um exagero, mas uma das inspirações foi o Aquário de Ubatuba, onde vi um Guaiamum enorme num aquaterrário. Quis manter essa espécie que cresce bastante (atingem até 30 cm de envergadura das pernas), por isso o aquário enorme. Lembrando que, mais importante do que o volume em si, a área de fundo irá determinar a real capacidade do tanque para caranguejos.





 

 
O aquário ainda vazio, com a divisão entre as porções seca e aquática. Rochas e troncos colados com cola de silicone formando a divisória entre os dois ambientes, que não deu certo.



Planejei inicialmente um ambiente predominantemente terrestre, com uma pequena área aquática lateral isolada. O plano inicial era separar estes dois ambientes, impedindo que a água da porção aquática atingisse a porção seca. Usei troncos e rochas coladas com silicone para criar a barreira entre os dois ambientes, que não deu certo. Não consegui evitar vazamentos, sempre havia a passagem de água para a parte seca, no final terminei arrancando estes troncos e rochas. Se fosse fazer de novo, acho que usaria uma barreira mais confiável, como uma faixa de vidro.





 

 
Já com o substrato e os animais, ainda com a tentativa de divisão entre dois ambientes. Ainda estava revendo o layout e a posição dos troncos. Toda a escavação na areia junto ao tronco maior à direita foi feita pelos caranguejos.



Em relação à filtragem, o plano inicial era um filtro biológico de fundo na porção aquática, onde o substrato seria de cascalho. Com os problemas que tive na divisão dos ambientes, terminei adaptando um filtro modular interno. Pelo próprio tipo de ambiente, a filtragem é bastante demandada, necessitando de limpezas bastante frequentes. Felizmente são animais bastante robustos, suportando nitrogenados e variações ambientais grandes.




 

 




Os dois habitats já misturados, com alguns meses de evolução. As últimas fotos mostram o FBF.



Não planejei plantas, então aproveitei a iluminação simples que já havia na tampa do aquário, com lâmpadas fluorescentes. A finalidade era simplesmente estética, só ligava a luz quando queria ver os animais. Não havia termostato, mas fiquei preocupado com o inverno rigoroso daquele ano (a coleta foi no inverno), e coloquei um aquecedor infravermelho para répteis, ligado somente em dias de muito frio (daí a cor avermelhada de algumas fotos).




 

 

 
Mais algumas imagens panorâmicas, ainda com o FBF.



Como mencionei, a porção aquática teria cascalho de rio como substrato, para facilitar a manutenção, e por conta do FBF. Com os problemas que tive no isolamento dos dois ambientes, no final, todo o paludário acabou ficando com areia de piscina como substrato. Mantive muitos troncos e pedras, escolhendo aqueles com depressões e buracos.

 



Já com o filtro modular interno. Algumas fotos pouco após colocar folhas novas de brinco-de-pricesa chinesa (Abutilon) para alimentação.



Água doce ou salobra?


A grande maioria das espécies de caranguejos semi-terrestres que podem ser criados em aquaterrários necessita de água salobra. As únicas exceções parecem ser as duas espécies de Armases (angustipes e rubripes), e provavelmente alguns Violinistas, como os Minuca mordax e rapax.

O valor ideal de salinidade varia de espécie para espécie, mas em geral são animais tolerantes a pequenas variações, como regra geral, podem ser mantidos numa salinidade média de cerca de 8%o. Talvez seja importante destacar duas espécies de Violinistas que necessitam de águas mais salinas, o Uca maracoani e o Leptuca leptodactyla. Para a obtenção de água salobra, deve-se misturar água doce à água salgada. A salinidade da água do mar é de cerca de 35%o. Desta forma, para uma salinidade de 8%o, devem-se adicionar três partes de água doce para uma parte de água salgada. Não se deve utilizar sal de cozinha, mesmo os chamados “sais marinhos”. Todo sal usado na alimentação é acrescido de Iodo, numa concentração bastante elevada, tóxica para estes animais. Deve-se utilizar água do mar, ou sais específicos usados para aquarismo marinho. A qualidade da água não é crítica, desta forma, uma opção interessante é usar a água que seria desprezada de TPAs de aquários marinhos.









Violinista Minuca mordax, uma espéie de baixa salinidade, e Pachygrapsus transversus, uma espécie de alta salinidade.



No meu caso, comprei algumas dezenas de litros de água salgada para aquários marinhos numa loja de aquarismo, e deixava guardada num galão. Usava nas TPAs, lembrando que a reposição de água evaporada deve ser feita com água doce. Apesar do aquário grande, a quantidade total de água no meu paludário era pequena, cerca de 20 litros.

Não fazia testes, felizmente são animais bastante resistentes, habituados a grandes e rápidas variações de parâmetros na natureza.

 

 


Os caranguejos, recém introduzidos no paludário.



 

 







 
Armases rubripes, os menores caranguejos do paludário neste início de montagem. Bastante ativos, ficavam tanto na parte emersa quanto submersos. Interagiam bastante entre si, a primeira foto mostra machos percutindo o tronco com as quelas para se comunicar.




 

 


Sesarma rectum fêmea, sem uma das quelas, aventurando-se na porção aquática. Esta fêmea regenerou a quela, e reproduziu-se várias vezes no paludário.






Macho de Leptuca thayeri, o maior violinista neste início de montagem. Infelizmente morreu em alguns meses, talvez pela salinidade abaixo do seu valor ideal.






Um pequeno Catanhão (Neohelice granulata), bastante robusto e ativo. Na primeira foto, escondido debaixo do grande Guaiamum.




Caranguejo-da-Bromélia (Armases angustipes), preferia locais secos sempre que possível. saía poco, passando boa parte do dia escondido. Este primeiro exemplar não viveu muito tempo, talvez tenha sido um animal debilitado ou doente. Os que foram coletadas na segunda expedição se adaptaram bem ao paludário.







Guaiamum (Cardisoma guanhumi), embora bem maior do que os outros caranguejos, trata-se de um juvenil, ainda com suas cores bem vivas. Depois construiu uma toca em um dos cantos do paludário e vivia sempre por lá. Coletei ele sem uma das quelas, que se regenerou após a ecdise.






O trio de Sesarma explorando o paludário, escolheu o tronco com muitos buracos da primeira foto como residência.






Pachygrapsus transversus, uma espécie mais encontrada em litorais marinhos. Também não se adaptou bem ao paludário, provavelmente devido à salinidade. Uma pena, um animal com uma linda padronagem.




 



 

 

 
Uçá (Ucides cordatus), outra espécie que vive boa parte da sua vida na toca. Depois que escavou sua toca perto de um dos troncos, era muito raramente visto.



Alimentação e rotina de manutenção


Quase que a totalidade destes caranguejos é onívora, aceitando diversos tipos de alimentos, de origem animal ou vegetal. Entretanto, cada grupo têm uma tendência alimentar, podendo ser classificados em caranguejos de tendências herbívoras, carnívoras ou detritófagas.

Os Violinistas são os melhores exemplos de caranguejos detritófagos, utilizando suas garras menores para coletar as camadas mais superficiais do substrato, e filtrando detritos usando seus aparelhos bucais. Em cativeiro, podem ser alimentados com a mesma ração usada para peixes ornamentais, eventualmente complementadas com Spirulina, dentre outros. No caso destes tanques comunitários, nem há a necessidade de alimentação específica.






Sesarma se alimentando de pedaços de melão. Note o pratinho improvisado, para facilitar a retirada de restos de alimentos. Usei uma tampa de sorvete.






O Guaiamum se alimentando de um pedaço de queijo fresco. O pratinho com frutas e outros alimentos pode ser visto adiante.



A grande maioria dos demais caranguejos que vivem no mangue têm tendências herbívoras, se alimentando de folhas em decomposição e frutas. Desta forma, em cativeiro, é interessante se manter um estoque de folhas em decomposição na porção aquática, dando preferência para folhas mais duras e grossas de árvores, como amendoeira, que comprometem menos a qualidade da água. Aceitam bem também verduras, frutas e legumes, devendo se atentar bastante à presença de agrotóxicos.

Raras são as exceções de caranguejos com tendências carnívoras, do nosso interesse, o destaque é para o Aratu vermelho (Goniopsis). Por este motivo, é desaconselhável a manutenção desta espécie com outros caranguejos menores, pelo risco de predação.






Uçá alimentando-se de folhas em decomposição próximo à entrada da sua toca. O pratinho com alimentos pode ser visto à direita.



Quanto à alimentação, eu forneço folhas de árvores e arbustos que coleto perto de casa, misturando folhas duras (caquizeiro, ameixa, lichia, laranja) e folhas moles (ameixa, brinco-de-princesa), e deixo se decomporem na porção aquática. Na TPA, retiro as folhas mais macias já em decomposição, mas deixo as folhas mais duras. Forneço também várias frutas e verduras, além de carne de peixe, ração de peixes ornamentais e ração de jabutis. Aceitam também queijo fresco e ovos cozidos. Coloco estes alimentos sobre um pratinho para facilitar a limpeza. Forneço alimento a cada 2 ou 3 dias, e retiro os restos no dia seguinte.





 

 

 
Alguns caranguejos na porção submersa do paludário, em água salobra. Minuca mordax, Sesarma rectum e Armases rubripes.







Veja a segunda parte do artigo aqui.

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