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Cultivando Branchonetas
 
Marcio Luiz de Araujo - Cultivando Branchonetas



Dendrocephalus brasiliensis

Conhecida como camarãozinho, brancneque ou artemia de água doce, a branchoneta (lê-se "branconeta"), é um microcrustáceo que surgiu espontaneamente e em grandes densidades nos viveiros da Estação de Piscicultura de Paulo Afonso - BA, a partir de 1989, ao mesmo tempo em que sua ocorrência também já era notada em outras estações localizadas no Médio e Baixo São Francisco.
Classe:
Branchyopoda
Subclasse:
Sarsostraca
Ordem:
Anostraca
Família:
Thamnocephalidae
Gênero:
Dendrocephalus
Espécie:
Dendrocephalus brasiliensis


Devido a sua preferência alimentar fitoplanctófaga, a princípio, sua presença foi encarada como um inconveniente intruso a ser combatido, uma vez que, ao utilizar vorazmente o alimento natural, num curto espaço de tempo, "empobrecia" os viveiros, causando sensíveis prejuízos ao processo de alevinagem.


Mais do que problemas, a branchoneta trouxe, também, soluções para a popularização das técnicas de propagação artificial de peixes carnívoros, servindo como alimento vivo para as fases iniciais de larvicultura e alevinagem. Tendo em vista a grande importância desses peixes para a execução de programas de repovoamento de grandes reservatórios e também para utilização na própria piscicultura intensiva, tem sido constante a busca de microorganismos de água doce com características semelhantes à artemia franciscana (salina), tais, como: fácil obtenção, grande atratividade e que atenda os requerimentos nutricionais de espécies como surubim, dourado, niquim, tucunaré entre outras (inclua aí os Betta splendens).


Como conseqüência de observações mais acuradas sobre o ciclo de vida desses animais, estudos vêm sendo desenvolvidos na Estação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco e os resultados parciais obtidos com o aproveitamento de Dendrocephalus brasiliensis na piscicultura, sinalizam para um grande avanço tecnológico nesse campo, uma vez que a espécie atende, praticamente, a todas as exigências anteriormente descritas.



Branchonetas, foto de Fábio Correia.



Conhecendo as branchonetas:


A branchoneta apresenta sexos separados e de fácil identificação. Seu corpo é cilíndrico, variando de tonalidade verde claro a branco, para os exemplares machos e um pouco transparente, para as fêmeas, cujas caudas são avermelhadas. As fêmeas são também, facilmente identificadas, pelo ovissaco com ovos que carregam próximo à cauda (fica dirigido para cima à 45° do corpo) e os machos apresentam apêndice vertical, o qual é fundamental para a identificação da espécie (tem a forma de artemia salina).


Em condições ideais, as branchonetas crescem mais de 1 mm ao dia, depois do 3º dia de vida. Este animal alcança dimensões de até 30 mm, quando adultos (por volta dos 50 dias de vida), podendo até ultrapassar, se o ambiente estiver bastante favorável. Em termos médios, os adultos situam-se em torno de 20 mm.



Branchoneta macho, foto de Márcia R. Fernandes.



Branchoneta fêmea, foto de Márcia R. Fernandes.


Sendo a branchoneta essencialmente filtradora, num curto período de tempo, deixa um tanque rico em plâncton, completamente "limpo".


Com referência à ingestão de zooplâncton, observou-se, tanto nos viveiros, como em aquários, que a branchoneta não lhe dá maior preferência.


A espécie possui ainda uma forte tendência à agregação, formando conglomerados, nadando em todas as direções. Os indivíduos nadam sobre o próprio dorso com os filopódios para cima, direcionados à luz ou claridade do ambiente em que se encontram (telotaxia ventral).


Ao mesmo tempo em que nada, a branchoneta vai se alimentando do material em suspensão, filtrando com seus apêndices: bactérias, algas, protozoários, metazoários e restos de matéria orgânica. Todavia, logo fica caraterizado sua tendência fitoplanctônica, uma vez que o zooplâncton praticamente não é consumido. Portanto seu hábito alimentar primitivo seria predador e, a alimentação filtradora uma especialização. Uma predação mais intensa somente é exercida em anostracos que alcançam grandes dimensões como Branchinecta giga e Branchinecta ferox.


Com uma semana de vida, já é possível encontrar formas jovens de branchoneta com ovários em formação. Aproximadamente oito dias após a eclosão, elas já são adultas e começam a liberar os cistos, que têm cor escura e forma oitavada. Uma análise preliminar revelou que, por postura, cada fêmea libera de 100 a 230 cistos.


O ciclo de vida das branchonetas é de aproximadamente 90 dias, período correspondente ao de alevinagem de várias espécies de peixes carnívoros.


Trata-se de uma espécie prolífica, reproduzindo continuamente, durante todo o ano, com exceto no período de inverno, quando as temperaturas caem. Constatou-se uma proporção sexual predominante de fêmeas da ordem de 60%.


As fêmeas realizam posturas diárias, estimuladas pelo estresse da superpopulação e/ou iminência de estiagem. Seus cistos, por serem mais pesados que a água, vão para o fundo, onde se depositam, misturados aos resíduos, e ai ficam.


Os cistos só nascerão se esse material do fundo, o substrato, for secado, e posteriormente hidratado.


Se for mantido sempre com água não haverá nascimentos dos cistos (precisam passar obrigatoriamente por um período de diapausa seca). As vezes, até pode acontecer o nascimento de algum cisto que tenha ficado em região que por evaporação, tenha secado.



Cistos


Os cistos da branchoneta, a exemplo dos demais Anostracos são resistentes e asseguram a sobrevivência durante condições ambientais extremamente adversas como ressecação e congelamento.


Após a completa drenagem dos viveiros eles permanecem no fundo, mesmo expostos ao sol até por várias semanas. Uma vez o viveiro sendo cheio, eles eclodem rapidamente, ocorre um crescimento individual e populacional rápido e, aos quatro dias de vida, as formas jovens em tamanhos apropriados para utilização na dieta de alevinos já podem ser colhidos. Aos oito dias de vida as formas adultas já podem ser colhidas com redes, caso se queira fazer produção em laboratório ou usá-las na alimentação de peixes.


Geralmente você recebe uma pequena porção de substrato (lama de fundo do tanque de cultivo), contendo, em meio aos resíduos, os cistos. Como os cistos são pesados, vão ao fundo, dificultando sua separação.


Tanque de grandes proporções para cultivo de branchonetas
Substrato de tanque de cultivo de branchonetas, com cistos
Tanque de grandes proporções para cultivo de branchonetas
Substrato de tanque de cultivo
de branchoneta, com cistos


Eclodindo os cistos de branchonetas:

  1. Prepare um recipiente pequeno, de 500 ml, no máximo, transparente e bem limpo para fazer a semeadura dos cistos.

    É importante que você faça desta forma, para conseguir enxergar os náuplios que nascerem e não acabar jogando tudo fora, pensando que os cistos não vingaram.

  2. Coloque 200 ml de água limpa e isenta de cloro (previamente fervida, resfriada e agitada para repor o oxigenação).

  3. Providencie uma cobertura de tela para evitar que mosquitos ou pernilongos, consigam chegar até a água para efetuar a postura de ovos.

  4. Acomode o recipiente, de preferência, um local ao sol. Mas cuidado, pois pode haver excesso de aquecimento.

  5. Hidrate os cistos, semeando o substrato nesta água. Apenas uma pequena parte dele, para evitar perder todos os cistos em uma semeadura errada. Depois que você dominar o manejo, arrisque-se semeando lotes maiores de substrato.

    Para melhor aproveitamento dos cistos adquiridos, de tempos em tempos, vá semeando novos lotes, para dar continuidade a produção. Quando acabar os cistos adquiridos, você poderá se valer dos cistos produzidos na sua própria cultura.

  6. Não requer aeração forçada (pedra porosa), mas se for aplicada, deve ter um borbulhamento bastante suave.


Se a temperatura da água estiver na faixa de 27-30 °C e o pH variando entre 6.5-7.2 (parâmetros referênciais), as branchonetas começam a nascer em 24 horas depois de hidratadas, mas os nascimentos continuam por vários dias. Isto é um artifício, porque na natureza, se nascessem todas de uma vez, após uma pequena chuva que não fosse suficiente para manter a poça cheia por muito tempo, elas acabariam morrendo, sem chegar a se reproduzir, ao passo que nascendo aos poucos, elas garantem a perpetuação da espécie. De início apresentam cor preta e com forte semelhança às artêmias salinas.

Atenção!: O fato dos náuplios de branchonetas nascerem, não significa que você obteve sucesso total. É comum, de repente, ocorrer a morte de todas sem motivos aparentes, em qualquer fase da vida, portanto sempre semeie substrato com cistos aos poucos e acompanhe o desenvolvimento.


Olhando o pote contra a luz, ficará fácil visualizar os náuplios das branchonetas. Elas podem ficar por 3 dias neste pote, sem alimentação. Após este prazo, devem ser transferidas para um tanque de crescimento e engorda.


Preparando um tanque de crescimento e engorda para as branchonetas:

  1. Preparar uma caixa baixa e larga (com mais ou menos 15 litros de água limpa e isenta de cloro (previamente fervida, resfriada e agitada para repor o oxigenação).

  2. Coloque no fundo do tanque uma camada fina de areia de rio (2 cm), bem lavada e preferencialmente fervida e resfriada. Este será o substrato da sua cultura, onde serão feitas as posturas de ovos.

  3. Providencie uma cobertura de tela para evitar que mosquitos ou pernilongos, consigam chegar até a água para efetuar a postura de ovos.

  4. Acomode-a, de preferência, um local ao sol. Mas cuidado, pois pode haver excesso de aquecimento.

  5. Este tanque, se possível, deve ficar num lugar alto, para favorecer as as sifonagens da água para coleta parcial ou total de substrato, contendo os cistos.

  6. Não requer aeração forçada (pedra porosa), mas se for aplicada, deve ter um borbulhamento bastante suave.


Transferência dos náuplios de branchonetas para o tanque de crescimento e engorda:

Você deve seguir os procedimentos de praxe para adaptar estes náuplios de branchonetas à água deste tanque de crescimento e engorda. Adaptar os náuplios à temperatura e pH da água para onde eles serão transferidos:

  1. Coloque este pote boiando no tanque de crescimento e engorda, por 30-40 minutos, para a equalização da temperatura da água.

  2. Em seguida, vá adicionando água do tanque de crescimento e engorda, dentro do pote, em pequenas doses, até dobrar o volume de água original. Isto deve acontecer de forma muito lenta, para que os náuplios se adaptem com segurança ao pH da água do tanque de crescimento e engorda. Não tenha pressa, se possível aplique 6-8 horas neste processo.

  3. Solte os náuplios no tanque de crescimento e engorda.


Alimentando as branchonetas:

  1. Elas podem ser alimentadas com algas verdes1 (sem predadores2),  spirulina, infusórios, fermento biológico (de padaria), levedura de cerveja, ração fininha para peixes, leite em pó, farinha de trigo ou qualquer alimento que fique em suspensão na água.

    Prefira a algas verde. Alimentos como: leite em pó, levedos, farinha de trigo podem ser utilizados com muita cautela. Comece “testando” quantidades bem reduzidas, até encontrar o “ponto ideal”.

    As Branchonetas se alimentam muito, “filtrando” a água com grande rapidez, deixando tanques infestados de algas verdes (não filamentosas), rapidamente translúcida (24 a 72 horas normalmente, dependendo do volume de água e da quantidade de indivíduos introduzidos). Para tanto, mantenham sempre culturas de algas verdes de “reserva”.

  2. Lembre-se que o excesso de alimento mata mais que a falta (igual aos peixes) principalmente se usar alimentos industrializados (água verde pode ser a vontade, e colocada sempre que a água perder a turbidez, mesmo que parcialmente).


Coleta de cistos:


Você pode deixar sua cultura produzindo cistos, até a quase extinção dos adultos (vários meses), ou então dependendo da pressa em obter cistos, pode-se, após a maturidade sexual dos indivíduos, transferí-los para outra caixa as branchonetas adultas (isto não é aconselhável, porque na fase adulta, elas sentem as mudanças no padrão da água, podendo até morrer). Daí então, secar o substrato. Os cistos podem ser estocados à temperatura ambiente, mas sem umidade, por muito tempo.

Atenção: A secagem em época de chuvas é bem mais problemática, devido a alta umidade do ar, e ai pode ser usado o recurso de um ventilador.


Você pode optar por esperar todos os adultos morrerem na caixa de desenvolvimento e engorda, pela idade, e só então efetuar a coleta do substrato, aspirando ou deixando evaporar o excesso da água, deixando secar o sedimento.


Outra opção é, de tempos em tempos, coletar por aspiração os resíduos do fundo, filtrando em filtro descartável de coador de café e colocando para secar.

Este processo tem o inconveniente de se perder muitos cistos que ficam nas entranhas do filtro, mas pode ser semeado com o papel do filtro junto.


Você também pode deixar a água e o material coletado descansando para sedimentar em um recipiente alto e estreito (garrafa pet cortada), e depois de sedimentado, aspirar de novo o excesso de água, para deixar secar por evaporação, o substrato.


Coleta e oferecimento aos peixes ornamentais:

  1. Aos quatro dias de vida, já é possível coletar formas jovens em tamanhos apropriados para utilização na dieta de larvas de Bettas e outros peixes.  Use puçá de filó ou organza, com trama pequena.

  2. Aos oito dias de vida, já é possível coletar formas adultas com puçá de filó ou organza com trama média, para alimentação de peixes juvenis.

  3. Aos vinte dias, quando você perceber que tem um bom número de branchonetas adultas, fazendo posturas diárias no seu substrato, há algum tempo, é chegada a hora de começar a colocá-las na cadeia alimentar dos seus peixes adultos. Use puçá de filó ou organza, com trama grande.


Ofereça aos peixes em quantidades compatíveis ao tamanho de sua voracidade, mas sem exageros, para não distender demais o abdome dos seus peixes.


É evidente que se você precisa de quantidades grandes de bio-massa para alimentar diariamente, todos os peixes da sua estufa, você vai precisar montar vários tanques de crescimento e engorda de branchonetas e talvez pensar em mantê-las em uma ou mais piscinas infantis, por exemplo, aumentando consideravelmente a escala de produção.


Uma vez dominada a técnica e geração local e abundante de cistos, seus limites se ampliam consideravelmente.



Os náuplios e as branchonetas adultas se alimentam de algas unicelulares (aquelas que deixam a água verde), não de algas filamentosas.

Cuidados especiais tem que ser tomados no inicio com predadores de náuplios (Ciclops, por ex.) e quando adultas são predadas por larvas de libélula (Odonata sp.).






Branchonetas, foto de Fábio Correia.


Fontes:

  • Betta Brasil (Grupo de Discussões), link abaixo.
  • LOPES, José Patrocínio; GURGEL, Hélio de Castro B.; GÁLVEZ, Alfredo Oliveira; PONTES, Cibele Soares. Produção de cistos de "branchoneta" Dendrocephalus brasiliensis (Crustacea: Anostraca). 2007.
  • LOPES, José Patrocínio; SILVA, Antonio Lisboa da; SANTOS, Athiê G. dos; TENÉRIO, Rui A. Branchoneta, uma notável contribuição à larvicultura e alevinagem de peixes carnívoros de água doce. Mania de Bicho OnLine.
  • LUCAS, Max Wagner Sanches. Cuidados para cultivar as branchonetas. Sunshine Piscicultura.
  • MOLINA, Marcelo. Procedimiento de cría de Branchoneta, Dendrocephalus brasiliensis (Crustacea, Anostraca, Thamnocephalidae). Killirium. 2005.
  • VIANNA, Wilson. Branchoneta, a artêmia de água doce. Mania de Bicho OnLine.

Agradecimentos:

Ao queridos amigos José Teixeira Filho e Max Wagner Sanches Lucas, que apresentaram informações relevantes sobre o tema, para enriquecê-lo.





Agradecimentos a Marcio Luiz de Araujo, do portal   Betta Brasil  , por permitir o uso do material e fotos.

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