Os caranguejos chama-marés
(também chamados caranguejos-violinistas) são pequenos caranguejos semi-terrestres
que habitam zonas costeiras, bastante comuns em manguezais, marismas e
estuários. Pouco mais de cem espécies já foram registradas, amplamente distribuídas nas regiões tropicais, subtropicais e temperadas do
mundo. Destas, dez espécies ocorrem na costa brasileira.
Até há pouco tempo
todas pertenciam ao gênero Uca,
divididas em 12 subgêneros. Porém, em 2016 foi realizada
uma cuidadosa revisão da família Ocypodidae por Shih e colaboradores, baseada
em dados moleculares, combinando informações nucleares (28S rDNA) e mitocondriais
(16S rDNA e COI). Este trabalho trouxe
algumas importantes modificações na sistemática dos chama-marés.
O gênero Uca foi invalidado, todos os subgêneros passando a ganhar status de gênero. Desta forma, o único
chama-maré brasileiro que mantém o gênero Uca
é o U. maracoani, já que pertencia
previamente ao gênero Uca, subgênero Uca. Todos os demais devem ser
designados como Minuca rapax, Leptuca uruguayensis, e assim por
diante. Porém, é provável que os chama-marés continuem sendo chamados
popularmente de "Ucas" por algum tempo.
O antigo gênero Uca mostrou-se parafilético, pertencendo
a dois clados amplamente divergentes. Desta forma, a família Ocypodidae passa a
ser classificada da seguinte forma: O antigo subgênero Uca (e um gênero africano) agrupam-se com os caranguejos
maria-farinha (Ocypode), constituindo
a subfamília Ocypodinae, mas este agrupamento ainda é motivo de debate. Todos os demais chama-marés conhecidos são
monofiléticos (inclui as demais nove espécies brasileiras), e agrupam-se na
subfamília Gelasiminae. Os Uçás (Ucides)
voltam a pertencer a Ocypodidae, constituindo a terceira subfamília, Ucidinae.
Também chamados de
“caranguejo-violinista”, devido à sua pinça (quelípede) assimétrica e grande,
quando realiza pequenos movimentos com sua pinça menor ao se alimentar
realmente parece que está tocando um violino. Possui vários outros nomes
populares regionais, como “caranguejo cavador”, “chama-maré”, “chora-maré”,
“catanhão-tesoura”, “sarará”, “ciecié”, “maracauim”, “siri-patola”, “tesoura”,
“vem-cá” e “xié”.
Curiosidades
históricas
A primeira menção a um
caranguejo chama-maré data de 1648, e foi
feito pelo naturalista Jorge de Marcgrave no Brasil, na obra Historia Naturalis Brasiliae. São duas ilustrações, mostrando duas espécies diferentes, identificados com seus nomes populares, "Maracoani" e "Ciecie Ete".
Porém, a
descrição científica formal mais antiga que se tem notícia é uma ilustração
feita por Albertus Seba, em 1758, na obra naturalista Locupletissimi
rerum naturalium thesauri accurata descriptio, et iconibus artificiosissimis
expressio, per universam physiees historiam. Nesta obra, há a
ilustração de um caranguejo que claramente é um chama-maré, identificado como Cancer uka
una, Brasiliensibus. Hoje acredita-se que seja a ilustração de uma espécie africana (Uca tangeri), o invés de brasileira.
Historicamente,
a origem do nome "Uca" vem desta
ilustração. Porém, é interessante notar que se trata de um erro de soletração,
e também um erro de identificação. A primeira referência a uma outra espécie de
caranguejo, o Uçá (Ucides cordatus), também
foi feita por Marcgrave em 1648. Nela, o autor cita a designação guarani de “uça-una” para esse caranguejo, mas
escrita de forma errada, como “uca-una”, talvez por uma limitação gráfica. Seba
perpetuou o erro na sua ilustração, além de identificar a espécie errada de
caranguejo.
Houve
algumas tentativas de se modificar o nome do gênero, a mais conhecida feita por
Latreille em 1817, rejeitada. Hoje, o nome Uca
para os caranguejos violinistas (recentemente invalidado, mas presente inserido nos gêneros válidos, como "Lept-Uca" e "Min-Uca") está bem consagrado, apesar do duplo erro.
Páginas
do Historia Naturalis Brasiliae, de Jorge de Marcgrave (1648). Na
primeira imagem, o desenho de um “Uçá” (Ucides
cordatus), identificado como “Uca Una”, o erro ortográfico que gerou o nome
Uca. Nas duas outras ilustrações,
dois caranguejos chama-marés verdadeiros, identificados como “Maracoani” (Uca maracoani) e “Ciecie Ete” (Leptuca thayeri). Obra de domínio público, disponibilizada
pelo Google Books (digitalizado a partir do exemplar da Universidade
Complutense de Madri).
Página do
Locupletissimi rerum naturalium thesauri,
terceiro tomo, de Albertus Seba (1758). Um caranguejo chama-maré, identificado
como Cancer uka una, Brasiliensibus. Obra de domínio público, disponibilizada
pela Pomeranian Digital Library (Pomorska Biblioteka Cyfrowa), da Gdańsk University of Technology.
Tamanho: a
maior espécie brasileira é o U. maracoani,
cuja carapaça mede até 6 cm
de largura, e a menor é o L. leptodactyla,
que mede até 1,3 cm.
Identificação e dimorfismo sexual: Cefalotórax alto, de forma quadrada.
Coloração bastante variável. Olhos compostos na extremidade de longos bastões, os
quais são retráteis, se amoldando em fendas na borda anterior do cefalotórax. As
órbitas ocupam toda a borda anterior da carapaça externamente à fronte. Desta
forma, quanto mais larga a fronte, mais curtos são os pedúnculos oculares. O
dimorfismo sexual é evidente, as fêmeas possuem os quelípodos pequenos e
simétricos, os quais se prestam às atividades alimentares. Os machos possuem um
dos quelípodos bastante desenvolvido, desproporcionalmente grande, o qual é
utilizado no processo de corte, interações com outros machos e defesa do
território; o outro quelípodo, menor, é utilizado para alimentação. Em algumas
espécies, a garra maior pode representar 75% da massa total do animal. Além
disso, semelhantes aos demais caranguejos, o macho possui abdômen estreito, e a
fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos.
Valores de salinidade das diferentes espécies brasileiras de caranguejos chama-marés. A barra vertical estreita mostra a Moda (o valor mais frequente de salinidade encontrado). A faixa larga mostra um desvio-padrão em torno da Média (maior concentração de dados da distribuição). As barras verticais indicam espécies mais adaptadas a valores mais altos ou baixos de salinidade. Adaptado de Thurman (2013), dados de mais de 7000 animais coletados ao longo da costa brasileira.
Ecologia geral das diferentes espécies brasileiras de chama-marés, baseado no tipo de substrato e salinidade. Adaptado de Thurman (2013), dados de mais de 7000 animais coletados ao longo da costa brasileira.
Local de construção de tocas das diferentes espécies brasileiras de caranguejos chama-marés, o que representa a humidade ambiental ideal destas. Espécies mais à esquerda constroem tocas mais próximas do limite da maré, ou seja, locais mais alagados. Espécies mais à direita habitam terrenos mais secos e continentais. veja que há também animais que preferm locais mais abertos, e outros, mais sombreados.
Habitat:
Os
manguezais apresentam uma rica fauna residente de caranguejos semi-terrestres,
dos quais os caranguejos chama-marés são os
representantes mais numerosos. Muitas vezes podemos ver espécies diferentes de
caranguejos chama-marés co-habitando o mesmo
manguezal, porém, uma análise mais cuidadosa revela que na realidade estas
diferentes espécies se distribuem em nichos ambientais específicos, de acordo
com características locais de salinidade, substrato, etc. Desta forma, cada uma
das espécies de chama-maré se especializou
num determinado tipo de ambiente, e o conhecimento destas características é
importante para a correta manutenção destes animais em cativeiro.
Todos eles vivem em ambientes
semi-aquáticos, na zona transicional de marés de litorais marinhos ou
manguezais. Habitam locais descobertos durante a maré baixa, onde se alimentam
e escavam suas tocas.
As
diferentes espécies ocupam seus nichos de acordo com a salinidade basal daquela
região do estuário, assim como sua capacidade de tolerar variações na salinidade.
Desta forma, existem espécies mais adaptadas a águas de maior ou menor
salinidade, assim como espécies que podem ou não tolerar faixas mais amplas de variação
(eurihalismo).
O tipo de sedimento tem
grande influência também, sua granulometria, concentração orgânica e umidade.
Assim, algumas espécies podem habitar locais mais ou menos distantes da linha
da maré. Há variação no número, tamanho e forma das cerdas nos apêndices
bucais, especializadas na coleta de alimentos em substratos distintos.
A temperatura é outro fator
de impacto, limitando a distribuição geográfica de algumas espécies. A
iluminação também influencia a distribuição, com espécies que preferem áreas
sombreadas em meio à vegetação, e outras, áreas abertas.
Estuário da Barra de Jacuípe, Camaçari, Bahia, mostrando uma grande colônia de Leptuca leptodactyla. Note que se trata de um campo aberto, diretamente exposto ao forte sol, com substrato arenoso. Na segunda imagem em close, um macho em coloração reprodutiva. Fotos gentilmente cedidas por Michel Lobo.
Um marisma na Reserva Natural de Punta Rasa, em San Clemente
del Tuyú (Argentina). Colônia de Leptuca uruguayensis. No local, haviam também numerosos Neohelice granulata. Fotos gentilmente cedidas pelo aquarista argentino Hernán
Chinellato.
Estuário de um grande rio em Aquiraz, Ceará. Havia um grande número de caranguejos chama-maréshabitando habitats diferentes dentro deste estuário. Na segunda foto, um Uca maracoani, bem próximo ao limite inferior da maré, em um terreno barrento e lodoso. Na terceira imagem, um Leptuca thayeri, habitava um local ainda úmido, mas mais distante da linha d´água. Havia também Minuca panema em terreno seco e arenoso, longe da água, e também uma espécie pequena de Leptuca. Fotos de Walther Ishikawa.
Manguezal em Sertãozinho, distrito de Diogo Lopes, no Rio Grande do Norte. Grande colônia mista de chama-marés, com os grandes Uca maracoani e pelo menos duas espécies menores de chama-marés. Foto cedida por Sônia Furtado.
Três biótopos distintos em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo: Tributário de um grande rio na região metropolitana, próximo ao seu estuário. Havia um grande população mista de caranguejos chama-marés, além de outros caranguejos estuarinos. Na segunda foto, um Leptuca thayeri, coletado em um local lamacento, sombreado pela vegetação, distância intermediária da água. Havia também Minuca rapax e Minuca panema. Fotos de Walther Ishikawa.
Também em Caraguatatuba, São Paulo, um riacho de água doce margeando a praia, próximo às casas numa região residencial. Havia muitos Minuca rapax na região. Apesar da vegetação, estavam expostos ao forte sol, e pemaneciam boa parte do tempo submersos. Fotos de Walther Ishikawa.
Outro ambiente de Caraguatatuba, São Paulo, um pequeno riacho que desaguava no mar. Colônia de Minuca panema (na foto, uma fêmea), habitando um terreno arenoso, aberto, com pouca cobertura vegetal. Fotos de Walther Ishikawa.
Distribuição
geográfica e Biodiversidade
O
Brasil possui locais com a maior biodiversidade de caranguejos chama-marés do mundo. Com dez espécies brasileiras
conhecidas, no país são encontradas metade de todas as espécies que ocorrem no Atlântico
Oeste. Existem dois focos de alta diversidade de espécies, onde é encontrado um
grande número de espécies ocorrendo em uma área pequena:
Costa Nordeste entre Fortaleza (CE) e Recife (PE) –
9 espécies ao longo do curso do Rio Cocó.
Costa Sudeste entre a Barra de Guaratíba (RJ) a
Ubatuba (SP) – 10 espécies nos bancos de um canal e vala de maré na Barra de
Guaratíba, no extremo leste da Baía de Sepetiba; e 10 espécies em um manguezal
próximo de Itacuruçá.
Na Barra de Guaratíba, são
encontradas todas as dez espécies brasileiras de chama-marés (diversidade alfa igual à diversidade gama) em um transecto de 2
x 8~10 m, o que pode ser considerada a maior diversidade do mundo, maior do que
o registro prévio de seis espécies em Sulawesi (Indonésia). Muitos autores
sugerem que estes locais devam ser considerados santuários de biodiversidade, e
que esforços devam ser feitos para assegurar a conservação da região entre a Baía
de Sepetiba e Baía de Paraty, localizado entre o Rio de Janeiro e Trindade (RJ).
Existe um levantamento
populacional extenso realizado por Thurman e colegas em 2013, com coleta de
7177 animais ao longo da costa brasileira. Segue a abundância relativa das dez espécies
de chama-marés ao longo da costa brasileira,
em ordem de frequência: M. rapax 19%, L. leptodactyla 13.8%, L. thayeri 13.4%, M. mordax 11.9%, M. panema 11%, L. uruguayensis 9.3%, M. victoriana 7.2%, U. maracoani 7.2%, L.cumulanta 5.2%, M. vocator 2.1%. Os autores lembram que talvez haja subestimativa
de Uca maracoani pela dificuldade de
coleta desta espécie.
A distribuição das espécies
não é uniforme, com 4 padrões de distribuição ao longo dos 5 biomas costais:
Frequência relativa das espécies de chama-marésnos cinco biomas costais brasileiros. Adaptado de Thurman (2013), dados de mais de 7000 animais coletados ao longo da costa brasileira.
Quatro espécies têm
distribuição mais ampla (AP-SC): U.
maracoani, M. mordax, L. thayeri, e M. rapax, ocupando 4 dos 5 biomas (I a IV). Na realidade, o Minuca mordax mostra uma distribuição um
pouco mais amplo, sendo encontrado do RN a RS, mas mais raro nestes extremos.
Duas espécies têm
distribuição disjunta na América do Sul, U.
panema e U. leptodactyla ocorrem
em MA-SC, sendo bem raros mais ao norte (AP/PA), embora ocorram em outros
países acima da foz do Rio Amazonas. Este padrão disjunto de distribuição é
explicado pelo volumoso sedimento lamacento trazido pelo Rio Amazonas, limitando
a ocupação destas espécies na foz deste rio, dado que estas espécies preferem
habitats de substrato arenoso.
Duas espécies mostram preferência
pela costa sudeste/sul, M. victoriana
e L. uruguayensis (biomas III, IV e
V). Curiosamente, as distribuições destas duas espécies quase não se sobrepõem:
o Minuca victoriana ocorre de CE a SP
(centro em ES), ocupando primariamente bioma III; o Leptuca uruguayensis é considerada uma espécie de clima temperado
(todas as demais são tropicais ou subtropicais), e ocupa primariamente os
biomas IV e V, do RJ à Argentina.
Finalmente, duas espécies
ocorrem primariamente no norte/nordeste (AP-PE), e esporadicamente mais ao sul: M. vocator e L. cumulanta. Um fato interessante é que estas duas espécies têm
mostrado uma modificação na sua distribuição ao longo das últimas décadas, o M. vocator era mais comum ao sul (como
em SP), mas parece estar desaparecendo – talvez deva ser considerada ameaçada
nestas regiões. Ao contrário, o L.
cumulanta parece ser uma espécie oportunista, com sua distribuição
lentamente se expandindo, com foco de ocorrência disjunta na região do RJ.
Tocas de Minuca panema e Leptuca leptodactyla, note as "bolinhas" de sedimentos e restos alimentares. Fotografado no Rio Escuro, Ubatuba, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Comportamento e
alimentação:
São animais gregários,
formando grandes aglomerações, e uma rica interação social entre os membros da
colônia. O livro da Dra. Crane menciona um vasto repertório de interação social,
ela contou 14 posturas e movimentações de ameaça, 16 métodos diferentes de
produção de sons, 13 componentes de combate, e 18 formas de exibição da quela
maior.
Freqüentemente são simpátricos,
co-existindo com outras espécies do gênero, ou até com animais de outros
gêneros. Possuem hábitos diurnos, sendo ativos durante a maré baixa. Respiram
ar, usando suas brânquias internas adaptadas. Necessitam de ambientes úmidos,
mas não toleram submersão total por períodos muito longos.
Os machos realizam disputas
por território e fêmeas. Geralmente são combates rituais, sem violência. Apesar
da grande quela, não são agressivos com outros animais, mesmo em cativeiro. Alguns
relatos de agressividade devem-se provavelmente à manutenção inadequada, por
exemplo, submersos em
aquários. Por outro lado, é predado por vários outros
animais.
Alimentam-se de depósitos
de matéria orgânica na superfície do substrato. Assim como maioria das
atividades dos caranguejos chama-marés,
a alimentação acontece ao redor de suas tocas no período de maré baixa. Estes
caranguejos extraem o alimento utilizando os quelípodos alimentares (a quela
menor nos machos, e ambas quelas na fêmea), extraindo as camadas mais
superficiais de substrato, aproximadamente os cinco primeiros milímetros
(episubstrato). Este sedimento é conduzido às peças bucais, onde um conjunto de
cerdas especializadas realiza um processo de separação mecânica das partículas,
no qual as cerdas escovam as partículas do sedimento e parte da água da câmara
branquial promove a separação das partículas orgânicas e inorgânicas por
flutuação. Desta forma, as frações minerais mais finas do sedimento e matéria
orgânica selecionada são ingeridas e as frações mais grosseiras são devolvidas
ao ambiente na forma de bolas alimentares. Algumas espécies usam estas bolinhas
para demarcar seus territórios.
Dois machos de Uca maracoani em combate, próximo à entrada da toca de um deles. Foto tirada em São Luis, Maranhão, gentilmente cedida por Hector Barrabin.
Reprodução e ciclo de vida:
Crane, em 1975, reuniu os
caranguejos chama-marés em dois grandes
grupos, baseado no critério morfológico da distância entre os pedúnculos
oculares, além de padrões reprodutivos e utilização das tocas, dividindo as
espécies em “fronte estreita” e “fronte larga”. Mais adiante (1987), Salmon
introduziu um terceiro grupo intermediário, que chamou de “fronte
intermediária”.
A
vasta maioria das espécies brasileiras de chama-marés
pertence ao grupo “fronte larga”. Somente uma espécie pertence ao grupo “fronte
estreita” (U. maracoani), e uma ao
grupo “fronte intermediária” (L. thayeri).
As espécies de caranguejos chama-maré que possuem “fronte larga” se acasalam no interior das
tocas dos machos. Machos destas espécies têm um comportamento de exibição e
corte mais elaborados, tornam-se de coloração corpórea mais brilhante,
cortejam, lutam, constroem ornamentações nas tocas e defendem suas tocas
ativamente durante o período reprodutivo. As fêmeas dedicam-se pouco à defesa
da toca, produzem grandes posturas de ovos, os quais são incubados no interior
da toca do macho. A incubação pode durar aproximadamente duas semanas, e as
fêmeas interrompem a atividade alimentar.
Já
nas espécies de “fronte estreita”, o acasalamento ocorre após uma breve corte, e
se dá, geralmente, na superfície. As fêmeas destas espécies possuem coloração
semelhante a dos machos e defendem suas tocas de caranguejos intrusos de ambos
os sexos. A cada ciclo semilunar, estas fêmeas produzem pequenas massas de ovos
que ficam cobertas pelo abdômen, alimentam-se e mantém as demais atividades
durante o período de incubação.
No momento do nascimento, a
fêmea libera as larvas na água, durante a maré alta. Larvas planctônicas passam
por vários estágios em mar aberto, ou em estuários, por um período de duas
semanas. Tornando-se adultos, se dirigem de volta ao continente, e passam o
restante da sua vida na zona de maré.
Cavam tocas alongadas no
solo, que chegam a 30 cm
de profundidade, e que podem se interconectar. Durante a maré alta fecham sua
entrada com um cimento feito de saliva e areia, que pode ter 10 cm de espessura, para
evitar que a água entre. Na maré baixa saem das suas tocas para se alimentar. As
tocas são importantes para o comportamento de corte, principalmente, para as
espécies de “fronte larga”, pois os caranguejos chama-marés constroem distintos
tipos de ornamentações externas de sedimento nas tocas, que podem induzir a
entrada das fêmeas nas tocas dos machos, sendo assim um atrativo visual.
Como todos os demais
crustáceos, realizam mudas (ecdises) durante o crescimento, abandonando a
carapaça antiga (exuvia). Logo após a muda, seu exoesqueleto ainda não é
totalmente rígido, sendo vulnerável a ataques. Nesta época costuma permanecer
entocado. Possui capacidade de regenerar membros perdidos, um fato curioso é
que, se perderem a pinça maior, a menor cresce progressivamente e substitui a
contralateral. No local onde havia a pinça maior, nasce uma menor.
Possuem vida relativamente
curta, para as espécies estrangeiras, é descrito uma longevidade de dois anos na natureza, e até três anos em
cativeiro. Das espécies brasileiras, existem poucos dados disponíveis. A única espécie que tem sua longevidade registrada é o Minuca rapax, de somente 1,4 anos.
Leptuca thayeri em um paludário salobro. Foto de Walther Ishikawa.
Manutenção em cativeiro:
Por
serem animais extremamente robustos, geralmente são vendidos como animais
aquáticos e de água doce. Se mantidos em aquários nestas condições têm
expectativa de vida bastante reduzida, não sobrevivendo por um tempo maior do
que algumas semanas ou meses. A forma correta de criá-los é em aquaterrários
dedicados, com parte do ambiente emerso, água salobra e substrato arenoso.
Sugere-se
um volume de cerca de 10
litros por animal, mas o mais importante do que o volume
é a área de substrato, cerca de 800 cm2 por animal. Espécies maiores
(como o U. maracoani) podem precisar
de tanques maiores.
São
sociais e gregários, sugere-se um mínimo de 2 casais. Com a manutenção de mais
de um macho em ambientes pequenos podem ocorrer brigas, mas geralmente sem
grandes conseqüências, são mais exibições do que combates reais.
Além
da salinidade, os demais parâmetros não são críticos. Temperatura de cerca de
24~29 graus, podendo haver alguma variação inter-espécie (por exemplo, L. uruguayensis toleram menores
temperaturas).
Não
são exigentes quanto à alimentação, podem ser alimentados com rações
industrializadas para peixes ornamentais. Alguns criadores sugerem suplementar
com alimentos ricos em cálcio, como pastilhas mastigáveis de cálcio de uso
humano.
O substrato
ideal pode ser arenoso ou barrento, dependendo da espécie, mas este último
dificulta bastante a manutenção do tanque. Desta forma, sugere-se areia de
praia fina, limpa e lavada, para que possam se enterrar e criar suas tocas. Mas
podem viver em outros substratos de maior granulometria. Precisam de uma parte
seca ampla, por respirarem ar.
Pedras
e outros objetos podem ser interessantes, para ajudar a demarcar territórios.
Mas deve-se tomar cuidado para que estes objetos não possam ser escalados,
permitindo a fuga dos animais do aquário. Plantas podem ser colocadas, tanto na
porção aquática quanto seca. Para as plantas aquáticas, é necessária a escolha
de espécies adaptadas a ambientes salobros (Valisneria,
samambaias, etc). Para as plantas emersas, deve-se tomar muito cuidado com
plantas ornamentais compradas em lojas, já que estas costumam vir com grande
quantidade de pesticidas e adubos inorgânicos, sendo uma causa bastante comum
de intoxicação em caranguejos mantidos em cativeiro.
A
reprodução doméstica em cativeiro é bastante difícil, por apresentar diversas
etapas larvares em água salgada ou salobra, além da dificuldade na alimentação
das pequenas larvas planctônicas.
Leptuca thayeri em um paludário, na segunda foto, pode ser visto um Pachygrapsus transversus. Fotos de Walther Ishikawa.
Um exemplo de paludário salobro montado para manutenção de Minuca mordax.
Vídeos cortesia de Rogério Monteiro.
FAQ:
- Comprei esses caranguejinhos numa loja, e o lojista
jurou que eram de água doce...
Os chama-marés vivem em estuários, manguezais e desembocaduras de rios no
mar, e todos precisam de água salobra. A maioria das espécies
vendidas em lojas são espécies eurihalinas (suportam variações de salinidade),
como o Minuca panema, e o Minuca rapax e Minuca mordax podem ser encontrado à venda
também. A espécie mais comum no mercado é o Minuca mordax, que na natureza vive em águas de baixa salinidade, quase doce, o que explica o relativo sucesso relatado por alguns em aquários de água
doce, mas não se sabe quanto do seu desenvolvimento é prejudicado se não for mantida em água salobra.
- Ele também me garantiu que eram animais aquáticos, e
poderiam ser mantidos em aquários junto com peixes...
Todos os chama-marés são animais semi-terrestres, nenhum é aquático. Na natureza,
só submergem dentro das suas tocas, na maré alta. Desta forma, eles se sentem
desconfortáveis em ambientes aquáticos, e tendem a escalar plantas, enfeites,
filtros e outros objetos tentando sair da água. Não irão se afogar, mas todo
seu sistema alimentar (peças bucais, cerdas das quelas) é “desenhado” para ser
usado emerso, sendo bastante prejudicado se for mantido todo o tempo dentro da
água.
- Como faço água salobra? Posso usar sal de cozinha ou
sal grosso?
Qualquer água com salinidade
intermediaria entre a água doce e a água do mar é considerada salobra. Desta
forma, basta misturar água do mar à água doce. A água salgada pode ser coletada
diretamente no mar (em locais limpos, longe de esgotos), ou fabricada usando
sais sintéticos. Pode ser também aquela água que seria descartada de TPAs de
aquários marinhos, é só pedir em alguma loja ou amigo que tenha um aquário
marinho.
Nunca se deve usar sal de
cozinha, além da carência de diversos elementos, há uma altíssima concentração
de Iodo, prejudicial aos animais.
- Quanto deve ser a salinidade para os caranguejos? Como
faço para calcular a salinidade da água?
A salinidade ideal varia
bastante de espécie para espécie, com espécies adaptadas a altas salinidades
(como o L. leptodactyla), e outras a baixa salinidade (M. mordax). Uma salinidade média seria por volta de 7%o (1 parte de água do mar
para 4 partes de água doce), mas o ideal é que seja pesquisada as necessidades
exatas da espécie.
Para a medição da salinidade
em uma amostra de água, é necessário um aparelho específico, como um densímetro
ou um refratômetro. Mas geralmente não é necessário, águas salobras com
salinidades específicas podem ser feitas simplesmente sabendo a proporção de água
do mar e água doce. A água do mar tem salinidade de 35%o, e a água doce de 0%o.
Assim, por “regra de três”, a porcentagem de água do mar que se deve usar é:
(valor da salinidade desejada) x 100 / 35. Por exemplo, se desejo uma
salinidade de 15%o, 43% do total do volume de água será de água salgada, e o
restante de água doce. Se quero 30 litros de água salobra a 15%o, serão 13
litros de água salgada e 17 litros de água doce.
- Estes caranguejos são agressivos? Atacam peixes? Vi
um deles devorando uma Molinésia...
Os caranguejos chama-marés são
pacíficos e pacatos. Os machos usam suas grandes garras para combates por
território e fêmeas, mas são combates rituais. Estas garras são grandes demais,
são animais desajeitados, não conseguem usá-las para se defenderem de
predadores. E são animais detritívoros, não irão atacar ou importunar os demais
animais do tanque. O que deve ter acontecido é que estavam se alimentando do
peixe já morto.
- Posso manter com outros animais, como peixes de água
salobra? E outros caranguejos?
Se a porção aquática
permitir, não há impedimento algum na manutenção com peixes pacíficos de água
salobra, como Mollys. Sendo essencialmente terrestres, a interação dos
caranguejos com estes peixes será mínima. Da mesma forma, a manutenção comunitária
com outras espécies pacíficas de caranguejos (Armases, Aratus) também é
possível, inclusive com espécies maiores (como o Ucides). Sendo pequenos e fazendo parte da cadeia trófica de
predadores, deve-se atentar somente à manutenção com espécies agressivas de
peixes (como o “Mudskipper”) e caranguejos (Goniopsis, Neohelice e Ocypode). Há controvérsia na manutenção com alguns tipos de
caranguejos, com relatos de agressividade, como o Cardisoma e Sesarma.
Posso manter espécies diferentes de chama-marés num mesmo paludário?
Havendo espaço, a manutenção
de espécies diferentes é possível, mas é importante lembrar que pode haver
diferença nas condições exigidas por diferentes espécies, em especial quanto à
salinidade. Chama-marés de ambientes mais
salinos (como o U. maracoani e L. leptodactyla) não podem ser criados
junto com espécies de baixa salinidade (M. vocator e M. mordax). Espécies
eurihalinas podem ser criadas juntas, sem problema algum.
Casal de Minuca mordax em um paludário salobro. Fotos de Walther Ishikawa.
Obs:Maiores
informações, mapas de distribuição e mais imagens das várias espécies de caranguejos chama-marés podem
ser vistas nas fichas individuais da seção “espécies”. Uma proposta de chave de identificação pode
ser encontrada no segundo artigo, juntamente com a bibliografia e créditos fotográficos.