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Dissecando Caramujos “Ramshorn”
 
Identificação das espécies de "Red", "Blue" e Ramshorn selvagens

Dissecando Caramujos “Ramshorn”

 

 

Há uma grande confusão envolvendo a identificação de caramujos planorbídeos em aquários, chamados popularmente de Caramujos “Ramshorn”. Estes animais ocorrem em aquários introduzidos intencionalmente, como espécies ornamentais compradas em lojas, ou como invasores indesejados, introduzidos acidentalmente no tanque juntamente com plantas ornamentais.

Desta forma, a proposta deste projeto é dissecar e identificar a espécie de três caramujos planorbídeos comuns em aquários:

  • O caramujo Planorbídeo comum, de cor marrom escura, coletado na natureza.
  • O “Red Ramshorn” ornamental comprado em lojas de aquarismo.
  • O “Blue Ramshorn” ornamental comprado em lojas de aquarismo.

 

Algumas hipóteses que gostaríamos de demonstrar, ou descartar:

  • O Caramujo Planorbídeo comum é um Planorbis, informação comumente encontrada em sites e fóruns de aquarismo.
  • O Caramujo Planorbídeo comum é um Biomphalaria, gênero dos vetores de esquistossomose. Talvez até uma das três espécies vetoras no Brasil.
  • O “Red Ramshorn” é um Planorbis albino, informação comumente encontrada em sites e fóruns de aquarismo.
  • O “Red Ramshorn” é um Planorbella albino, informação comumente encontrada em sites e fóruns de aquarismo europeus e norte-americanos.
  • O “Red Ramshorn” é um Indoplanorbis albino, informação comumente encontrada em sites e fóruns de aquarismo japoneses.
  • O “Red Ramshorn” é um Biomphalaria albino, gênero dos vetores de esquistossomose. Talvez até uma das três espécies vetoras no Brasil.
  • O “Blue Ramshorn” é uma outra variação de cor da mesma espécie do “Red Ramshorn”, informação comumente encontrada em sites e fóruns de aquarismo europeus e norte-americanos.
  • O “Blue Ramshorn” é uma espécie diferente do “Red Ramshorn”, o que explicaria não haver cruzamentos descritos em fóruns brasileiros.

 


Para o experimento, foram coletados Planorbídeos em lagoas da região de Valinhos, SP. Na realidade, são descendentes criados em aquários há alguns anos. Alguns “Red Ramshorn” e “Blue Ramshorn” foram obtidos através de doação de colegas aquaristas, descendentes de animais comprados em lojas de aquarismo de São Paulo, SP.

Três exemplares do selvagem, um “Red” e um “Blue” foram mantidos em um pequeno recipiente com água, e crio-anestesiados, e depois sacrificados pelo mesmo método. A temperatura foi reduzida lentamente (inicialmente, 12 horas na geladeira, daí congelados no Freezer e descongelados à temperatura ambiente). É considerado um dos métodos que causam menos sofrimento para o animal, quando se trata de invertebrados. Pode-se usar anestésicos (como Nembutal), mas são medicamentos controlados, de difícil acesso.

Após mortos, os animais são imersos em água quente (70º C) por cerca de 30~40 segundos, e daí resfriados. As partes moles do animal são facilmente removidas da concha, tracionando-se com uma pinça. O corpo do animal é imerso em uma solução fixadora, conhecida como solução de Railliet-Henry, modificada para animais de água doce, contendo ácido acético e formaldeído. Após 24 horas, o caramujo já pode ser dissecado.

A técnica de dissecção seguiu aquela descrita no Manual Vigilância e Controle de Moluscos de Importância Epidemiológica do Ministério da Saúde, originalmente descrita por Paraense e Deslandes, e utilizada no Departamento de Malacologia do Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz. A referência pode ser vista no final do artigo.


 

1.      Planorbídeo Selvagem:

 

A dissecção foi a mais difícil de todas, porque foi o menor caramujo dos três, medindo cerca de 12 mm. Além disso, foi a primeira espécie a ser dissecada, com uma curva de aprendizado na técnica de dissecção. Finalmente, foi a espécie onde foi necessária uma dissecção mais pormenorizada. Por questões práticas, havia me decidido a dissecar somente o mínimo suficiente para permitir a identificação da espécie. No caso do caramujo selvagem, foi necessária a dissecção dos órgãos sexuais masculinos e femininos.

Numa primeira etapa, foi analisado o manto, excluindo-se a espécie Biomphalaria glabrata (veja explicação adiante). Daí prossegui com dissecção do complexo peniano, o que permitiu confirmar a identificação como sendo um Biomphalaria, excluindo outros gêneros como Planorbella e Planorbis. Muitas espécies pequenas deste gênero foram excluídas baseadas simplesmente nas dimensões do animal, como B. amazonica, B. kuhniana, B. oligoza e B. schrammi.

A forma do prepúcio, e o comprimento relativo deste em relação à bainha do pênis permitiu a exclusão de outras espécies, como B. occidentalis e B. peregrina.

A identificação final foi feita através da morfologia alargada do oviduto, excluindo-se B. tenagophila e B. straminea. O diagnóstico final foi de uma Biomphalaria intermedia Paraense & Deslandes, 1962. Trata-se de uma espécie que mede até 13 mm (confere com os animais dissecados), típico habitante dos planaltos do interior paulista (também confere com o local de coleta). Não é um vetor de esquistossomose.

Uma observação importante é que esta identificação não pode ser generalizada para outros Planorbídeos selvagens encontrados na natureza ou em aquários. Porém, confirmou-se que se trata de uma Biomphalaria, ao contrário do que se encontra bastante descrita na net. Veja um artigo sobre Biomphalaria aqui.


 





Planorbídeo coletado em uma lagoa em Valinhos, SP, medindo cerca de 12 mm. A dissecção confirma sua identidade como
Biomphalaria intermedia. Note na segunda foto o complexo peniano, e o aspecto alargado do Oviduto, características típicas desta espécie. Fotos de Walther Ishikawa.


 

2.     “Red Ramshorn”:

 

A identificação foi a mais fácil de todas. Diversos artigos científicos brasileiros já descreveram a dissecção de caramujos “Red Ramshorn” compradas em lojas de aquários, identificando-os como formas albinas de Biomphalaria glabrata ou Biomphalaria tenagophila, ambos vetores de esquistossomose. Desta forma, já parti com esta possibilidade em mente.

Comecei com a dissecção do manto, o que é tecnicamente muito fácil. E uma característica típica da B. glabrata é o aspecto do manto, com a presença de uma crista renal. Chaves de identificação de Biomphalarias sul-americanas começam com esta análise. Em espécimes não-albinos, esta análise é ainda mais fácil, porque a crista é pigmentada.

E o aspecto do manto confirmou a identificação presuntiva como B. glabrata. Após o manto, dissequei o complexo peniano, confirmando a identificação do gênero, como sendo um Biomphalaria. Foi um pouco mais difícil do que o B. intermedia, porque o prepúcio não é pigmentado, pelo animal ser albino. A forma do prepúcio, e o comprimento relativo deste em relação à bainha do pênis eram também compatíveis com esta espécie. O Biomphalaria glabrata Say, 1818 é um caramujo que mede até 40 mm, é o maior Planorbídeo conhecido. Tem ampla distribuição geográfica, notificada em 16 estados brasileiros, e o vetor mais importante de esquistossomose no Brasil. Além da ampla distribuição, é o hospedeiro melhor adaptado para a transmissão, com altas taxas de infecção e eficiência na transmissão. Não prossegui com a dissecção do aparelho feminino, porque sabia que seria tecnicamente difícil. Dos três espécimes dissecados, acredito que esta seja a identificação mais importante, porque mostra de forma clara e definitiva que o caramujo vermelho vendido em lojas de aquarismo é da  espécie que transmite esquistossomose. Por diversas razões, é extremamente improvável que estes animais infectem o aquarista, mas há o sério risco destes caramujos serem soltos na natureza e gerarem novos focos da doença. Veja um artigo sobre Biomphalaria aqui.

Uma pequena observação, acredito que as duas espécies maiores de Biomphalaria (B. glabrata e B. tenagophila) representem mais do que 90% dos “Red Ramshorn” vendidos em lojas brasileiras. Porém, muito raramente, Planorbella duryi albinas também são importadas. São menores (até 2 cm), com uma concha com linhas de crescimento mais visíveis, mais espessa e globosa, com giros que crescem rapidamente em diâmetro, e abertura da concha dilatada. Têm um vermelho não tão intenso, por este motivo, geralmente são vendidos com a denominação de “Pink Ramshorn”. No futuro, tentearei dissecar um exemplar desta variedade, e o artigo será atualizado.










"Red Ramshorn" descendente de exemplar comprado em loja de aquarismo em São Paulo, SP, mede 21 mm. A dissecção confirma sua identidade como
Biomphalaria glabrata albina. Note na terceira foto a presença de uma Crista Renal no Manto, uma característica típica desta espécie. Fotos de Walther Ishikawa.

 

 

3.     “Blue Ramshorn”:

 

A identificação também foi simples. Diferente das formas albinas, não há descrição de formas “azuis’ de Biomphalaria usados em laboratórios de parasitologia, ou disponíveis em lojas de aquarismo (embora uma variedade azul de B. tenagophila esteja sendo selecionada por um aquarista de SP). Somado ao aspecto da concha, e à ausência de relatos de reprodução cruzada das formas “azul” e “vermelha”, já havia a forte suspeita de que se tratava de Planorbella duryi.

A dissecção foi restrita ao complexo peniano. A forma e dimensões relativas do prepúcio e bainha do pênis permitiram a identificação como Planorbella duryi (Wetherby, 1879). Trata-se de uma espécie norte-americana medindo até 20 mm, não é vetora de esquistossomose ou outras doenças, inclusive, já foi utilizado como agente de controle biológico de Biomphalarias. Formas selvagens desta espécie já foram coletadas na natureza, no Brasil, mas são relativamente raros.

Ou seja, é uma espécie exótica, embora a possibilidade de se tornar invasora através destas variedades azuis ser extremamente improvável, já que se trata de uma variedade com um defeito genético de produção de hemoglobina, com menor resistência e menor fecundidade. Na Europa e EUA, as diversas variedades de cor dos “Ramshorn” são todos da espécie Planorbella duryi. Veja o artigo sobre esta espécie aqui.


 

"Blue Ramshorn", descendente de exemplar comprado em loja de aquarismo em São Paulo, SP, mede 17 mm. Na segunda foto, filhotes dos animais que foram dissecados, com uma coloração mais típica (os animais dissecados eram bastante idosos). A dissecção confirma sua identidade como Planorbella duryi. A terceira foto mostra a comparação entre Complexos Penianos, com o típico aspecto desta espécie. Fotos de Walther Ishikawa.

 

 

Bibliografia:

  • Norton CG, Nelson B, Johnson AF, Beyer A, Peterson A. 2009.  Albinism in Helisoma trivolvis:  Genetics and Practical Applications of Pigmentation Differences. (poster).  Annual Meeting of the American Malacological Society.  Cornell University, Ithaca, NY  July 19-23, 2009.
  • Amaral RS (Org.), Thiengo SARC (Org.), Pieri OS (Org.). Vigilância e Controle de Moluscos de Importância médica: Diretrizes técnicas. 2. ed. Brasília: Editora MS, 2008. 178 p.
  • PAHO-Pan American Health Organization 1968. A guide for the identification of the snail intermediate hosts of schistosomiasis in the Americas. Scientific Publication no. 168, Washington, 122 pp.
  • Barbosa FS. Tópicos em Malacologia Médica. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995. 314 p.
  • Corrêa LL, Corrêa AO, Vaz JF, Silva MPG, Silva RM, Yamanaka MT. Importância das plantas ornamentais dos aquários como veículo de propagação de vetores do Schistosoma mansoni. Rev. Inst. Adolfo Lutz, 40: 86-96, 1980. 
  • Guimarães CT, Souza CP, Soares DM, Araújo N, Schuster LMR. Occurrence of molluscs in aquaria of ornamental fishes in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 85: 127-9,1990.
  • Ferrari AA, Hofmann PRP. First register of Biomphalaria straminea Dunker, 1848, in Santa Catarina State. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo. 1992 Feb; 34(1): 33-35.
  • Paraense WL. A natural population of Helisoma duryi in Brazil. Malacologia 1976. 15: 369-376.
  • Ibikounlé M, Massougbodji A, Sakiti NG, Pointier JP, Moné H. (2008) Anatomical characters for easy identification between Biomphalaria pfeifferi, Helisoma duryi and Indoplanorbis exustus during field surveys. Journal of Cell and Animal Biology, 2: 112-117.

 




As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. 
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