Camarão-fantasma
amazônico – Palaemon spp.
Nome em português: Camarão-fantasma amazônico
Nome em inglês: Amazon Glass Shrimp
Nome científico: Palaemon
carteri (Gordon, 1935), Palaemon
ivonicus (Holthuis, 1950), e Palaemon
mercedae (Pereira, 1986), Palaemon yuna Carvalho, Magalhães & Mantelatto, 2014
Origem:
América do Sul, principalmente na Bacia Amazônica
Tamanho: até 3,5 cm
Temperatura da água: 25-29° C
pH: variável
Dureza: variável
Reprodução: abreviada, todo
o ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico
Dificuldade: fácil
Apresentação e
taxonomia
Muitas fontes de internet
ainda se referem aos Camarões-fantasma brasileiros como “Palaemonetes”, por serem traduções de textos em inglês, já que a
espécie de “Fantasma” norte-americano é o Palaemonetes (atualmente Palaemon) paludosus (Gibbes, 1850). Na realidade, as espécies mais frequentemente
encontradas de “Fantasmas” no Brasil pertencem ao gênero Macrobrachium (M. jelskii
e M. amazonicum). Mas existem no
Brasil outros gêneros mais incomuns que se encaixam no perfil de “Fantasmas”,
dos gêneros Palaemon e Pseudopalaemon.
E quanto aos Palaemonetes? Até muito recentemente eram consideradas válidas quatro espécies de Palaemonetes, também com aspecto de "Camarões-fantasma". Porém, uma análise filogenética recente (2013 e 2019), baseada tanto em evidências morfológicas quanto moleculares, invalidou o gênero Palaemonetes (assim como os gêneros marinhos Exopalaemon e Coutierella), tornando-os sinônimos júnior de Palaemon. Desta forma, o gênero Palaemon no Brasil passou a comportar nove espécies (seis de água doce), englobando as quatro previamente classificadas como Palaemonetes, e uma descoberta recentemente (2014).
Uma descoberta
bastante interessante é que afinidades filogenéticas dentro deste ampliado gênero Palaemon correspondem melhor com
suas distribuições geográficas do que com os gêneros convencionais. E que as
espécies de água doce não são diretamente aparentadas, indicando múltiplas
invasões de ambientes de água doce por ancestrais com plasticidade fisiológica
(pelo menos dez eventos, mais do que qualquer outro grupo decápode!), ao invés de uma
única colonização por um ancestral comum e posterior dispersão e especiação. Uma última curiosidade é que o gênero Palaemon possui um dos poucos exemplos de colonização reversa, de ancestrais de água doce que voltaram a habitar o mar.
Havia alguma discussão também sobre a validade das espécies brasileiras incorporadas ao gênero Palaemon, que foi resolvida com uma análise genética feita em 2014, e complementada em 2019, quando se descobriu a nova espécie P. yuna. Este mesmo trabalho confirmou que os Palaemon não
são monofiléticos, dividindo-os em três grandes clados, com uma
razoável distância filogenética, a Linhagem "Alaocaris", a Linhagem "Palaemon", e a espécie P. concinnus (Ásia e Oceania) separada das demais. O Palaemon mercedae se situou na Linhagem Palaemon, mas com uma distância significativa das demais espécies, em um clado irmão, os autores sugerem que seja reclassificado em um diferente gênero, ainda não definido.
Desta forma, as espécies brasileiras de Palaemon são:
A primeira tem uma distribuição ampla costal, possui um artigo
específico aqui . A última é restrita ao extremo sul do Brasil (além da
Argentina), com características morfológicas peculiares. Possui um artigo
específico aqui . As demais espécies habitam águas mais continentais da América
do Sul, e serão abordadas aqui.
Algumas destas espécies amazônicas são disponíveis no
mercado internacional desde os anos 90, é reproduzido em cativeiro e vendido
sob diversos nomes populares, como “Palaemonetes
Pantanal”.
Etimologia: Palaemon é um personagem mítico grego (Palémon), um dos argonautas; o nome específico ivonicus
significa originário de Ivon, uma localidade no Departamento de Beni, norte da
Bolívia, onde foi coletado o primeiro exemplar. A etimologia de mercedae é bem interessante, é uma
homenagem à Sra. Mercedes, esposa do Dr. Guido Pereira S., que descreveu a
espécie. O nome carteri tem
etimologia incerta, provavelmente é uma homenagem ao naturalista T. Donald Carter. Finalmente, yuna tem origem no Tupi, y = água/rio e úna = preta, uma referência às águas escuras do Rio Negro, onde foi coletado o primeiro espécime.
Origem
- O Palaemon carteri é encontrado predominantemente na região Norte
e Nordeste da Bacia Amazônica, na Venezuela, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Brasil (leste do AM, AP e PA).
- O Palaemon ivonicus é encontrado na região Central/Sul da Bacia
Amazônica, além de Pantanal e alguns focos mais ao Sul, no Brasil (AC, AM, MT, MS e PA), Bolívia, Peru e Paraguai. Encontrado no Equador, embora não haja registro oficial. Questionável ocorrência na Venezuela e Colômbia, assim como em MG no Brasil.
- O Palaemon mercedae é encontrado somente na região Noroeste da
Bacia Amazônica, e Bacia do Tapajós, na Venezuela, Colômbia e Brasil (AM e PA).
- O Palaemon yuna é uma espécie da Bacia Amazônica descrita bem recentemente, é conhecido no estado do AM, e possivelmente ocorre também no PA e Venezuela (Apure).
Distribuição geográfica das quatro espécies de Palaemon amazônicos no Brasil. Imagem
original Google Maps; dados de Melo GAS 2003, Carvalho FL et al. 2014 e demais referências.
Os rios da Bacia Amazônica podem
ser classificados em três tipos:
Rios de água branca: são
aqueles rios cujas cabeceiras se localizam próximas às cordilheiras andinas,
são rios de águas esbranquiçadas e turvas, barrentas, com um elevado teor de
argila em suspensão, com pH tendendo a neutro, de 6,5 a 7,0. Por exemplo, os
rios Amazonas, Solimões, Madeira, Juruá e Purus.
Rios de água clara: são aqueles
rios que se originam no escudo do Guaporé, e se dirigem para o Norte, águas
límpidas com uma quantidade muito pequena de partículas em suspensão, com pH
variável (4,0 a 7,0). Por exemplo, os rios Xingu, Tapajós, Araguaia, Trombetas
e Tocantins.
Rios de água preta: são os rios
que se originam nos sedimentos arenosos terciários da Amazônia Central
(Planalto Brasileiro e Guianense), e se dirigem para o Sul. Na sua origem, são
muito pobres em nutrientes, e adquirem uma coloração marrom transparente
(semelhante a chá preto), e um pH bem baixo devido à elevada quantidade de
ácidos húmicos e fúlvicos em suspensão, que adquirem ao inundar a vegetação,
com valores de pH entre 3,5 e 4,0. Por exemplo, o rio Negro.
Embora haja sobreposição, estas
espécies tendem a habitar ambientes distintos na bacia, o P. carteri (ao menos na bacia Amazônica) é encontrado principalmente em ambientes de águas brancas, assim como o P. ivonicus. O P. yuna é encontrado tanto em águas
negras quanto claras, e o P. mercedae em
águas negras. O P. carteri
é a espécie mais comum e numerosa dos quatro.
Fêmeas ovadas de Palaemon carteri e Palaemon sp.,
fotografados no Igarapé Santa Izabel, a menos de 50 km de Belém (PA). Na
terceira foto, o próprio igarapé. Fotos de Cinthia Emerich.
Aparência
São
camarões bem parecidos com as outras espécies de camarão-fantasma, possuem o
corpo fino, alongado e transparente, alguns com suaves padronagens, como manchas
e estrias de cores variáveis. São pequenos, fêmeas maiores do que os machos. O P. carteri, P. yuna e P. ivonicus atingem até 3,5 cm. O P. mercedae é o menor, medindo até 2,5 cm.
Como todo Palaemon, o padrão de espinhos da
carapaça é uma característica que pode ajudar bastante na sua identificação,
mas é de difícil visualização sem uma boa lupa. Distinto dos Macrobrachium
e Pseudopalaemon, camarões deste
gênero possuem o espinho branquiostegal, mas não o hepático.
Padrão de espinhos na carapaça dos diferentes gêneros de Palaemonídeos. Na primeira ilustração, um Cryphiops, somente com o espinho antenal. Na segunda ilustração, os Palaemon,
com os espinhos antenal e branquioestegal. Na última ilustração, os Macrobrachium e Pseudopalaemon, com os espinhos antenal e hepático.
Há bastante
discussão na identificação destas espécies de camarões, para o leigo, a identificação é bastante difícil, uma chave aproximada pode ser feita pelo aspecto do rostro, combinando-se seu comprimento e curvatura com o número de dentes ventrais:
O P. carteri e P. yuna possuem um rostro delgado e curvado para cima, o P. ivonicus e P. mercedae têm o rostro relativamente alto e reto. Todos os quatro têm muitos dentes na sua margem dorsal (mais que 6), mas a distinção pode ser feita pelos dentes ventrais:
O P. carteri tem mais dentes ventrais no rostro, de 3-7, usualmente mais que 4. As demais têm menos dentes, P. ivonicus com 1-4 (usualmente menos que 3), P. yuna com 2-5 (usualmente 3 ou 4), e o P. mercedae tem somente 2 dentes. Baseado somente no rostro, a distinção mais difícil é entre o P. ivonicus e P. mercedae. O primeiro costuma ter mais dentes dorsais (6-10), sempre com um dente sub-apical, e o segundo menos dentes dorsais (6-8), com ou sem dente sub-apícal. Geralmente o rostro do P. ivonicus é bem reto, enquanto do P. mercedae costuma ter uma suave curvatura para baixo. O espinho branquiestegal pode ser usado também, embora não seja tão constante. No primeiro, se situa junto à margem da carapaça, enquanto no segundo tende a se localizar mais posteriormente. A extremidade do telso é típica no P. mercedae, e auxilia a identificação: possui setas plumosa na extremidade.
Palaemon carteri, fotografados na Reserva Natural Regional Trésor, Roura, Guiana Francesa. Fotos de Johan Chevalier.
Palaemon carteri, fotografados na Guiana, fotos de Hadrien Lalagüe (Guyane Wild Fish Association).
Palaemon carteri, medindo cerca de 24 mm, fotografados na Amazônia, fotos de Ivan Sazima.
Palaemon carteri,
espécime brasileiro coletado no Rio Araguaia, foto de Chris Lukhaup.
Parâmetros
de Água
Como já descrito,
as quatro espécies habitam tipos diferentes de rios dentro da Bacia Amazônica, de
águas ácidas ou tendendo a neutras. Não há informações quanto à adaptabilidade
a outras condições químicas. São espécies tropicais, preferindo temperaturas
mais elevadas. São encontradas também em áreas marginais a riachos e igarapés, como lagos temporários que se conectam ao rio em épocas de chuvas. São locais que sofrem secagem periódica, estes Palaemon suportando menor taxa de oxigenação do que outros camarões.
Palaemon ivonicus,
espécime peruano, fotos de Chris Lukhaup.
Dimorfismo Sexual
Diferenciação difícil, exceto pela presença de ovos. Fêmeas são maiores,
e possuem pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara
de incubação. Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais,
mas isto é bem difícil em animais vivos. Outra
forma de se identificar uma fêmea é através de uma sela amarela que se
forma próxima à região da cabeça. Porém, esta sela está ligada ao
momento do ciclo de reprodução da fêmea, desta forma nem todas as
fêmeas possuem esta característica.
Palaemon cf. ivonicus,
espécime peruano, fêmea selada. Foto de Mustafa Ucozler.
Macho de Palaemon cf. ivonicus, foto de Mustafa Ucozler.
Casal de Palaemon cf. ivonicus, fêmea à direita. Na imagem é bem visível a diferença de tamanho dos dois sexos. Foto de Mustafa Ucozler.
Reprodução
Ao contrário do Palaemon
argentinus, estas espécies amazônicas de Palaemon têm reprodução especializada, podendo ser reproduzido
em cativeiro com relativa facilidade. Assim como outros camarões de reprodução
especializada, geram poucos ovos de grandes dimensões. Têm todo seu ciclo de
vida em água doce, não necessitando de água salobra. O período
reprodutivo é na época de enchentes e cheias (janeiro a julho).
O P. mercedae possui
um padrão quase que totalmente abreviado, com somente uma fase de larva. Desta
forma, geram poucos ovos grandes (8~18 ovos, medindo cerca de 2,3 mm), de coloração vermelho
brilhante. Isto provavelmente reflete uma invasão mais antiga do continente, com padrão mais especializado de reprodução.
As outras duas espécies são parcialmente abreviadas, com
três fases de larva, mas não excedendo 7 dias para o desenvolvimento até
pós-larva. O número de ovos é um pouco maior (P. carteri 5~50 ovos, P.
ivonicus 10~40 ovos), e estes possuem menores dimensões (cerca de 1,0 a 1,5
mm de diâmetro). Os ovos do P. ivonicus são de coloração verde, enquanto os do P. carteri são avermelhados.
Nas três espécies, a larva recém-nascida mede cerca de 4,7 mm. O tempo de desenvolvimento
dos ovos é de aproximadamente 40 dias.
No Palaemon carteri (e talvez nas
outras duas espécies) ocorre um fenômeno curioso, chamado “progênese”, que é a maturidade
sexual precoce em indivíduos imaturos, ainda sem todas as características de
animais adultos. Desta forma, alguns filhotes podem ser vistos carreando ovos. Ainda não há informações sobre a reprodução do P. yuna.
Fêmeas ovadas de Palaemon cf. ivonicus, o camarão da primeira foto acabou de se alimentar com ração de cor laranja, que é claramente vista através de seu corpo transparente. Nestas imagens também pode ser visto o rostro destes camarões, mais curto e alto, com crista basal evidente, um padrão típico desta espécie. Fotos de Mustafa Ucozler.
Comportamento
É uma espécie
ativa, se movimentando por todo o aquário, desde que não haja potenciais
predadores. Bastante dóceis, podem ser mantidos com outros peixes e
invertebrados, desde que estes sejam pacíficos.
Alimentação
Não são nada
exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas a restos de ração dos
peixes. Alimentam-se de animais mortos, inclusive outros camarões. São bastante
úteis como faxineiros, coletando restos de alimentos em locais inacessíveis a
outros animais.
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Agradecimentos especiais ao colega aquarista Mustafa Ucozler pela cessão das fotos para o artigo, e valiosas informações. Mustafa é o responsável pelo conceituadíssimo portal de Camarões Ornamentais Petshrimp . Somos gratos também aos zoólogos Dr. Ivan Sazima (Unicamp), Dr. Johan Chevalier (Guiana Francesa) e Gregory Quartarollo ( Guyane Wild Fish Association ) por nos permitir usar suas fotos no artigo.
As fotografias
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