Artigo publicado em 15/03/2015, última edição em 18/03/2023
Camarão
de Água Doce - Macrobrachium nattereri
Nome
em português: Camarão de água doce, Camarão de rio
Nome
em inglês: - Nome científico: Macrobrachium nattereri (Heller, 1862)
Origem:
Bacia Amazônica e Pantanal Tamanho: até 6,5 cm Temperatura da água: 24-30° C pH: mais comum em águas ácidas
Dureza: mais comum em águas moles
Reprodução:
especializada, todo o ciclo em água doce Comportamento: agressivo Dificuldade: fácil
Apresentação
O Macrobrachium nattereri é uma espécie tipicamente amazônica
de camarão de água doce, bastante comum nos riachos e igarapés da região. Sua
distribuição se estende até a região norte do Pantanal.
Análises genéticas recentes (2010) mostram uma proximidade
filogenética grande das espécies tipicamente encontradas na Bacia Amazônica,
com o M. ferreirai, M. inpa, M. depressimanum, M.
aracamuni, M. nattereri e M. brasiliense formando um clado comum. M. nattereri e M. brasiliense são espécies irmãs, muito próximas geneticamente.
Etimologia: Macrobrachium vem do grego makros (longo, grande) e brakhion (braço); seu nome específico é uma homenagem ao naturalista austríaco Johann Natterer (1787 - 1843), que coletou o primeiro espécime no Rio Negro, durante a sua expedição ao Brasil financiada pelo Império Austríaco em 1817.
Distribuição geográfica de Macrobrachium nattereri.Imagem
original Google Maps; dados de Melo GAS 2003 e demais referências.
Origem
É uma
espécie amazônica, com extensão para o pantanal mato-grossense, sendo encontrada
na Venezuela, Guiana Francesa, Colômbia e Brasil, recentemente descrita também
no Peru. Provável ocorrência na Guiana e Suriname, e questionável ocorrência na Bolívia. No Brasil, é encontrado nos estados
do Amazonas, Pará, Goiás e Mato Grosso. Ocorrência mal documentada em Roraima (possível),
Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, mais provavelmente um erro
de identificação (por exemplo, M.
brasiliense).
Adaptáveis, são encontradas tanto
em sistemas de águas pretas quanto claras. Juvenis e adultos parecem ocupar nichos distintos, os juvenis são encontrados em meio ao folhiço depositado no fundo de rios e igarapés, passando todo o tempo nestes locais. Enquanto isso os adultos vivem em rios de maior profundidade de fundo arenoso e em igapós, passam o dia entocados em buracos de troncos submersos saindo à noite para se alimentar.
Macrobrachium cf. nattereri, exemplares coletados em Manaus, AM, imagens e vídeo de James Bessa.
Macrobrachium cf. nattereri, camarões fotografados na enseada de Favard, Reserva Natural Regional de Trésor, Roura, Guiana Francesa, foto cortesia de Johan Chevalier.
Aparência
São camarões de médio porte, comprimento total dos machos de até 6,5 cm,
fêmeas de até 5,0 cm (algumas fontes citam camarões de maiores dimensões, machos
de até 8,6 cm). Carapaça áspera,
com pequenos espínulos, principalmente na região anterolateral. Bastante
semelhante ao M. brasiliense e M. ferreirai, muitas vezes simpátricos, com os quais podem ser facilmente confundidos. A principal forma de diferenciação é o comprimento dos dedos da quela em relação ao da palma.
Rostro: Quase reto, com margem superior arcada, alcançando um pouco
além do pedúnculo antenular, alcançando ou não a extremidade do escafocerito. Margem
superior com 9~14 dentes, regularmente distribuídos, os primeiros 2~4 antes da
órbita. Margem inferior com 2~4 dentes.
Quelípodos dos machos: Iguais na forma e desiguais no tamanho. Dedos
pouco mais do que a metade da palma, largo dente mediano na face cortante. Palma
um pouco comprimida, não inflada, coberta por espínulos. Mero e carpo
espinulados como a palma. Carpo com 2/3 a 3/4 do comprimento da palma. Mero tão
longo ou com 2/3 do comprimento do carpo. Ísquio com 2/3 do comprimento do
mero. Há alguma variação no aspecto global dos quelípodos, alguns exemplares (especialmente machos dominantes) têm os membros bastante robustos e inflados, enquanto outros possuem as quelas mais delgadas e lisas.
Juvenis com coloração mais pálida, até incolor. Adultos grandes (especialmente machos dominantes) com coloração opaca e bastante variável, o mais frequente de cor escura, preto-azulada, com
pequenas manchas vermelhas. Podem apresentar manchas irregulares e descontínuas brancas (ou rosa claro) na região dorsal mediana, desde o rostro até o abdômen, a maior no terceiro segmento abdominal, e transversalmente na metade distal do último segmento abdominal. Esta última é margeada proximalmente por uma borda transversal escura, azul-enegrecida. Quelípodos com aspecto zebrado, apresentando faixas transversais desta mesma cor azul escura na base dos dedos, e na porção distal de todos os artículos, adjacente à articulação, e faixas claras esparsas. Os dedos (fixo e móvel) têm cor clara. O mesmo aspecto zebrado é visto nas pernas ambulatórias e primeiro pereiópode. Urópodes externos podendo exibir pigmentação clara.
Macrobrachium
cf. nattereri, fotografado no Alto Takutu-Alto Essequibo, Guiana. Exemplar com as quelas bastante robustas. Fotos gentilmente cedidas por David Braun.
Parâmetros
de Água
São mais comuns em
sistemas de águas negras, de pH bastante baixo e águas moles. Porém, ocorrem
também em locais de águas brancas, mais duras e de pH elevado, como no Pantanal.
Habitam locais de clima tropical e temperatura elevada. O pH nos locais de
coleta variou de 3,5~7,0, e a temperatura de 24~30º C.
Dimorfismo Sexual
As fêmeas tendem a ser menores, com garras também menores. Fêmeas
possuem pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara de
incubação. Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais, mas
isto é bem difícil em animais vivos.
Parece haver um dimorfismo evidente na coloração dos exemplares adultos, porém não há referência deste fato em literatura.
Macrobrachium nattereri, filmado em um aquário comunitário, já em transição para coloração adulta. Coletado em Manaus, AM, vídeo de James
Bessa.
Macrobrachium nattereri, o mesmo animal do vídeo acima em coloração adulta, filmado em um aquário comunitário. Coletado em Manaus, AM, fotos e vídeos de James
Bessa.
Reprodução
Tem padrão
reprodutivo do tipo abreviado, com ovos grandes (1,3~2,6 mm) em pequeno número.
O número de ovos variou de 34 a 150. Possuem um longo tempo de incubação, as
larvas nascem como zoea medindo 5 mm,
são descritos 3 estágios larvais, mas são bentônicos desde zoea I. O tempo de desenvolvimento até a fase juvenil não passa de
7 dias.
Assim como
as demais espécies da região, provavelmente apresentam um pico de desova em
janeiro e fevereiro, coincidindo com a maior pluviosidade na região amazônica.
A fêmea passa por uma muda
pré-acasalamento, e logo após o macho deposita seu espermatóforo. Após a
ecdise, a fêmea libera os ovos, que são fertilizados e se alojam nos pleópodes.
Macrobrachium nattereri, macho filmado em um aquário, coletado em Manaus, AM, foto e vídeo de James
Bessa.
Comportamento
Agressivo, é um voraz
predador, não pode ser mantido com peixes ou outros animais. Tornam-se
vulneráveis após a ecdise, enquanto seu exoesqueleto ainda não está totalmente
solidificado.
Têm hábito escavador,
não se recomenda sua manutenção em tanques com plantas.
Assim como os
demais Macrobrachium agressivos, os camarões
juvenis são menos agressivos, porém, com seu crescimento, deve-se acentuar sua
agressividade e seu comportamento canibal. Populações adultas mantidas juntas
por muito tempo se devoram progressivamente, ou indivíduos dominantes se
alimentando dos menores, ou animais (mesmo grandes) sendo devorados após a
muda.
Macrobrachium nattereri, fotografados na Amazônia brasileira, em São Gabriel. Expedição feita pela equipe do Wirbellosen-Auktionshaus, a galeria completa pode ser vistaaqui.
Macrobrachium cf. nattereri, fotografado no Rio Aturia, em Manaus, AM. Foto de Juan Miguel Artigas Azas.
Alimentação
Onívoros e pouco
seletivos, embora com maiores tendências carnívoras. Carniceiros, alimentam-se também de carcaças de animais. Não são nada
exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas, animais mortos a ração dos
peixes. Caçam ativamente outros animais, inclusive outros camarões, e destroem
também plantas ornamentais.
Macrobrachium cf. nattereri, fotografados na Guiana por Grégory Quartarollo. Fotos de Guyane Wild Fish Association.
Bibliografia:
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Agradecimentos especiais aos fotógrafos Juan Miguel Artigas Azas (México, colaborador do iNaturalist) e David Braun (EUA, colaborador do iNaturalist), ao zoólogo Dr. Johan Chevalier (Guiana Francesa),Gregory Quartarollo (Guyane Wild Fish Association), ao aquarista James Bessa eà equipe do Wirbellosen-Auktionshaus(visite seu website aqui, e seu Blog aqui) pela cessão das fotos para o artigo.