Artigo publicado em 10/01/2012, última edição em 31/10/2021
Nome
em português: Camarão de água doce, Potiúna, Camarão preto Nome em inglês: - Nome científico: Macrobrachium potiuna (Müller, 1880)
Origem: Bacias costais do Brasil (BA a RS). Tamanho: até 5,5 cm.
Temperatura da água: 20-26° C pH: 6.5-7.8
Dureza: indiferente Reprodução: especializada, em
água doce Comportamento: agressividade média Dificuldade: fácil
Apresentação
Uma espécie exclusivamente endêmica
da fauna brasileira, bastante comum em riachos montanhosos de águas límpidas. É
um animal de fácil manutenção e reprodução em aquários, e ocasionalmente é
visto à venda no comércio aquarístico.
Uma recente revisão com análise filogenética usando DNA
mitocondrial invalidou o M. petronioi
(só encontrada na região de Cananéia, SP), atualmente sendo considerado sinônimo do M. potiuna. Esta mesma análise mostrou que, embora com origem monofilética, esta espécie possui dois clados bem definidos (espécie críptica), sugerindo duas espécies ou em processo de especiação, M. potiuna "sensu stricto" (em torno da localização-tipo, PR, SC e sul de SP, de rios montanhosos) e M. potiuna "Clado-Affinis" (PR, SC e BA, rios de planície).
Etimologia:Macrobrachium vem do grego makros
(longo, grande) e brakhion (braço); potiuna vem do tupi-guarani poti (camarão) e una (negro).
Distribuição geográfica de Macrobrachium potiuna.Imagem
original Google Maps; dados de Carvalho FL et al. 2013, Melo GAS 2003 e demais referências.
Origem
Sua distribuição
geográfica é subtropical, principalmente Sudeste e Sul do Brasil, já
foram coletados em todos os estados destas
regiões do país, e recentemente reportado na Bahia. Duvidoso relato de
coleta no Mato Grosso do Sul. É uma espécie que só é encontrada
em nosso país. Apesar de ser uma espécie com
padrão continental (reprodução especializada, independente de água salobra),
por algum motivo são bem mais comuns em riachos conectados ao mar, co-habitando
estes ambientes com diversas espécies que migram para águas salobras, como os
grandes Macrobrachium e Palaemon. Uma hipótese é que seja uma espécie que na sua evolução
migrou mais recentemente para o continente, um fato que reforça esta tese é que
esta espécie de camarão possui mecanismos osmorreguladores bastante
desenvolvidos, mais ainda do que as espécies anfídromas, suportando bem
variações de salinidade (resiste até 6 horas em ambiente marinho), mesmo não
estando exposto a tais variações no seu ambiente natural.
Fotos de um riacho dentro do terreno do Museu de Ecologia Fritz Müller, em Vorstadt, Blumenau, SC, próximo ao local onde foi coletado o espécime-tipo. Na última imagem, um Macrobrachium
potiuna avistado no riacho. Fotos gentilmente cedidas por Roberto Tissott.
Pequeno Macrobrachium
potiuna, coletado em um riacho de Santa Catarina. Foto de Luís Adriano
Funez.
Macrobrachium potiuna, comparação com um Macrobrachium olfersii, ambos coletados em Santa catarina. Foto de Luís Adriano Funez.
Macrobrachium potiuna, fotografado em Morungava, Gravataí, RS. Imagem gentilmente cedida por Éden Timotheus Federolf.
Aparência
São
camarões de pequenas dimensões, machos atingindo cerca de 5,5 cm e fêmeas 4,5 cm. Exemplares juvenis
têm o corpo transparente, com padronagens miméticas em graus variados, lembrando o M. olfersii. Possuem
faixas transversais nos quelípodos, conferindo um aspecto tigrado. Com seu
desenvolvimento, tornam-se mais opacos, perdendo também as faixas nas garras.
Com o
crescimento, os machos adultos desenvolvem também numerosos espínulos nas
regiões ântero-laterais da carapaça, um sinal que auxilia sua correta
identificação. Machos adultos (em especial os dominantes) desenvolvem também uma
bela coloração vermelho/vinho escuro, podendo ser também marrom-enegrecidos, daí a
origem de seu nome. Esta mudança na sua coloração é tão exacerbada, que esta
espécie é um dos modelos animais mais bem estudados sobre os mecanismos
neuro-hormonais envolvidos na atividade dos cromatóforos em crustáceos.
Rostro: Reto e alto, relativamente longo, do comprimento aproximado
do escafocerito. Margem superior quase reta, com 6~10 dentes equidistantes, o
primeiro, ou os 2 primeiros antes da órbita. Margem inferior com 2~3 dentes.
Quelípodos dos machos: Longos e algo espessos, com finos espinhos. Discreta
assimetria. Dedos longos, do comprimento aproximado da palma. Carpo menor do
que a palma, e tão longo quanto o mero.
Macrobrachium potiuna, coletados em Arujá, SP, provável sensu-stricto. Notem a variação de cor. Notem também a coloração enegrecida dos espécimes escuros, diferente da coloração dos Clado-Affinis. Fotos gentilmente cedidas por Micheal Melo.
Macrobrachium
potiuna,
fêmea ovada, poucos ovos, coletada em Suzano, SP. Fotos
de Eduardo de Paula.
Macrobrachium potiuna, provável Clado-Affinis. Note o macho adulto com intensa coloração. Fotos de Nicollas Breda Lehmann.
Parâmetros
de Água
Pela estabilidade
dos parâmetros do seu sítio de origem, são mais sensíveis do que outros Macrobrachium, em especial a compostos
nitrogenados. Parecem ser sensíveis também a temperaturas mais elevadas,
sugerindo-se não ultrapassar 26º C. Os demais parâmetros são menos críticos,
mas se desenvolvem melhor num pH neutro a básico, em
águas duras. Habitam rios montanhosos com correnteza, desta forma preferindo
altas taxas de oxigenação.
Dimorfismo Sexual
As fêmeas tendem a ser menores, com garras também menores. Possuem
pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara de incubação.
Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais, mas isto é bem
difícil em animais vivos.
Machos adultos também possuem
carapaça rugosa, e podem desenvolver uma cor avermelhada escura.
Macrobrachium potiuna, casal em um aquário no RJ. Fotos de Victor Ferreira.
Reprodução
O Macrobrachium
potiuna é uma espécie de camarão de água doce de reprodução em cativeiro muito
fácil. Têm todo seu ciclo de vida em água doce, não necessitando de água
salobra. São animais de reprodução especializada, gerando poucos ovos elipsóides
de grandes dimensões, são um dos maiores ovos dentre os Macrobrachium, medindo cerca de 2,5 mm. O número de ovos é
bastante reduzido, uma média de 24
a 40 ovos.
O tempo de
desenvolvimento dos ovos é bem longo, de cerca de 7 semanas. Por outro lado, o tempo
de desenvolvimento larvar é muito curto, cerca de 5 dias, através de somente
três estágios larvares. Os filhotes já nascem com maiores dimensões, a primeira
fase de zoea mede cerca de 4,1 mm. Têm desde o início
um comportamento bentônico, passando a maior parte do tempo no substrato (ao
invés de formas larvares natantes das espécies de reprodução primitiva). Não se
alimentam até se tornarem pós-larvas, utilizando o material do seu saco
vitelínico. Daí já aceitam alimentação inerte, o que leva a uma alta taxa de
sobrevivência da prole, mesmo em aquários domésticos. O período reprodutivo é
na primavera-verão.
Como
curiosidade, esta foi a primeira espécie de Macrobrachium
no mundo cuja reprodução abreviada foi documentada, por Müller, na sua descrição
original da espécie em 1880 (na ocasião referida como Palaemon potiuna), onde ele transcorre sobre os hábitos bentônicos
desde o zoea I, descreve os três
estágios larvares, etc. A descrição subseqüente de outra espécie foi quase 90
anos após o artigo de Muller.
Fêmea de Macrobrachium potiuna com ovos, foto de
Nicollas Breda Lehmann.
Macrobrachium potiuna, pequeno filhote nascido no aquário.
Foto de Nicollas Breda Lehmann.
Macrobrachium potiuna, fêmea ovada e filhotes, fotografados em Ubatuba, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Comportamento
É uma espécie
ativa, se movimentando por todo o aquário, desde que não haja potenciais
predadores. Possuem uma agressividade intermediária, não são totalmente
inofensivos como os “Fantasmas”, mas também não são agressivos como os grandes
“Pitús”. Podem ser mantidos em pequenos grupos, desde que se forneçam tocas e
esconderijos, e em tanques maiores. A convivência com peixes é controversa,
muitos relatam sucesso na manutenção com peixes maiores, mas pacíficos.
Macrobrachium
potiuna, juvenil, exemplares coletados em um lago próximo do Rio Guaió, Suzano, SP. Fotos de Eduardo de Paula.
Grupo de Macrobrachium
potiuna criados em um aquário comunitário. Animais coletados em Suzano, SP. Note a bela coloração e morfologia do macho dominante. Vídeo de Eduardo de Paula.
Macrobrachium potiuna, fotos cortesia de Ricardo Hellmann.
Macrobrachium potiuna, pouco após a ecdise. Foto de Ricardo
Hellmann.
Macrobrachium potiuna juvenil, o mesmo animal das primeiras
fotos. Note o aspecto tigrado dos quelípodos. Foto de Ricardo Hellmann.
Alimentação
Não são nada
exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas a restos de ração dos
peixes. Alimentam-se de animais mortos, inclusive outros camarões. São bastante
úteis como faxineiros, coletando restos de alimentos em locais inacessíveis a
outros animais.
Macrobrachium potiuna, juvenil, foto de Juliano Tortelli.
Macrobrachium potiuna, juvenil, o mesmo animal da foto
acima, já com mudanças na sua coloração. Foto de Juliano Tortelli.
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Agradecimentos aos colegas aquaristas Ricardo
Hellmann, Juliano Tortelli, Nicollas Breda Lehmann, Michael Melo, Eduardo de Paula, Roberto Tissott e Victor Ferreira, ao
biólogo Luís Adriano Funeze a Eden Timotheus Federolf (Organização Palavra da Vida - Sul ) pela
cessão das fotos e vídeo para o artigo, e valiosas informações.
As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos
têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.