
Merguia rhizophorae caminhando em um manguezal, fotografado no Ceará. Imagem gentilmente cedida por Arthur Anker.
Camarão
semi-terrestre do mangue – Merguia
rhizophorae
Nome
em português: Camarão semi-terrestre
do mangue
Nome em inglês: Semi-terrestrial mangrove shrimp
Nome científico: Merguia
rhizophorae (Rathbun, 1900)
Origem:
Costa atlântica tropical das Américas.
Tamanho:
até 2,1 cm
Temperatura: 21-29° C
Salinidade: alta
Reprodução: larvas marinhas
Comportamento: pacífico
Dificuldade:
fácil
Apresentação
Camarões são animais aquáticos, toda
sua anatomia é adaptada para seu modo de vida submerso. Suas pernas ambulatórias
são frágeis, e o abdômen é bem desenvolvido e muscular. Termina em um leque
caudal, que, juntamente com os cinco pares de pereiópodes têm papel de
propulsores na coluna d’água.
Comparado a outros crustáceos
decápodes (como caranguejos, paguros, lagostas e lagostins), camarões são
organismos que menos frequentemente utilizam habitats bentônicos. Desta forma,
foi uma grande surpresa quando o Dr. Abele descreveu em uma carta à revista Nature (Abele 1970) hábitos
semi-terrestres de uma espécie brasileira de camarão, Merguia rhizophorae (Rathbun, 1900).
Dentre as mais de 3000 espécies de camarões carídeos conhecidos atualmente no
mundo, somente as duas espécies do gênero Merguia
são semi-terrestres. A segunda espécie é o Merguia
oligodon (de Man, 1888), encontrada nas regiões
tropicais da Ásia, África e Oceania.
Camarões do gênero Merguia pertencem à família Hippolytidae,
a mesma família que engloba o camarão-bailarino (“peppermint shrimp”, por
exemplo, o Lysmata wurdemanni) e os
camarões-limpadores (como o Lysmata
amboinensis). Camarões deste grupo exibem uma ampla variedade
de modos de vida e padrões sócio-ecológicos, alguns são bastante populares em
aquários marinhos.
Etimologia: O nome Merguia vem do nome da ilha Mergui, em Myanmar, onde foi coletado o
primeiro exemplar do gênero. E rhizophorae
vem de Rhizophora, o principal gênero
de árvores que compõe manguezais, onde estes camarões são encontrados.

Distribuição geográfica de Merguia rhizophorae. Imagem
original Google Maps; dados das fontes bibliográficas abaixo.
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Origem e habitat
O Merguia
rhizophorae é encontrada no
litoral atlântico tropical, principalmente na face ocidental. Sua ocorrência é
registrada na Flórida, Panamá, Suriname e Norte/Nordeste do Brasil (Piauí a
Alagoas). Há registros da sua ocorrência também na costa atlântica africana, no
Delta do Níger (Nigéria). Entretanto, este registro pode também representar uma
terceira espécie do gênero, ainda desconhecida para a ciência.
Habitam principalmente estuários e manguezais na região
entre-marés, em locais expostos diretamente à ação das marés, onde a salinidade
é alta, praticamente água salgada (35%o). Permanecem abrigados durante o dia,
sobre os troncos e raízes de árvores manglares, e no interior de troncos em
decomposição, saem à noite para se alimentar.
Merguia rhizophorae entra na água raramente, passando boa parte
da sua vida em locais emersos porém úmidos. Eles podem eventualmente mergulhar
em águas rasas junto aos troncos onde habitam. À noite, durante a baixa-mar, estes
camarões podem ser vistos fora da água, em locais descobertos, caminhando sobre
troncos caídos e raízes de árvores do mangue, cerca de 30 a 50 cm acima do solo, sendo
encontrados a até 1 metro
acima da linha da maré.
Aparência
Seu aspecto é
muito semelhante ao dos demais camarões, com o corpo cilíndrico, abdômen longo
e muscular, longas antenas. Não há adaptações externas evidentes ao seu modo de
vida semi-terrestre, exceto por sutis modificações no seu telson que são
utilizadas para saltar quando estão fora da água.
Possuem
olhos relativamente grandes, maiores do que em outras espécies de camarões. O
diâmetro da córnea atinge quase ¼ do comprimento da carapaça. Estes olhos são aparentemente
adaptados à visão noturna, com uma camada reflexiva bem evidente. Explorar manguezais
habitados por estes animais à noite é uma experiência interessantíssima, seus
grandes olhos refletem a luz das lanternas parecendo pequenas lâmpadas quando
vistas à distância.
O rostro é curto e pouco armado, com
dois dentes dorsais. O primeiro par de pernas é adaptado na forma de garras (quelas),
mas são pequenas e delicadas. O segundo par é longo e fino, não tem função
locomotora, possivelmente funciona como pequenos manipuladores, e pode
funcionar também como um órgão explorador tátil. O terceiro, quarto e quinto
par têm aspecto usual, e são usadas para caminhar. O terceiro par de
maxilípodos é bastante desenvolvido, longo e com espinhos, é maior do que o
primeiro par de pernas. Estes maxilípodos parecem ter uma função auxiliar na
locomoção. Entretanto, talvez possam ser usadas para combates, como já descrito
para outras espécies carídeas.
Sua
coloração de base é marrom escuro, salpicado com finas manchas amarelas. Estes
camarões possuem uma bela padronagem com manchas e barras transversais de
variadas larguras de cor amarelo-vivo. Estas marcas podem ser margeadas por uma
borda mais escura. Existe um morfotipo menos numeroso sem a padronagem, com o
corpo todo escuro, quase negro.

Merguia rhizophorae, animal do arquipélago Bocas del Toro, Panamá, imagem gentilmente cedida por Antonio Baeza.
Dimorfismo Sexual
Anatomicamente, a diferenciação é bastante difícil, exceto pela presença
de ovos nas fêmeas. As fêmeas possuem pleuras abdominais bem
desenvolvidas, formando uma câmara de incubação. Também podem ser diferenciados
pela presença ou ausência dos órgãos sexuais primários (como o apêndice
masculino), mas isto é bem difícil de ser analisado em animais vivos.
Assim como muitos outros camarões
Hipolitídeos, o Merguia rhizophorae é uma espécie hermafrodita,
com um padrão protrândrico. Nos indivíduos juvenis inicialmente há maturação em
machos, e mais tarde, após uma breve fase transicional que pode durar somente
um período intermuda, todo indivíduo da população invariavelmente se diferencia
em fêmeas. Desta
forma, há uma tendência de se encontrarem camarões macho entre os indivíduos de
menor tamanho, e camarões fêmea entre os maiores na população.
Reprodução
Sua reprodução ainda não foi totalmente
documentada em cativeiro.
Até o momento, só foi possível a criação de larvas até fase zoea V, eclosão e desenvolvimento das
larvas em água do mar (salinidade de 35%o), alimentadas somente com náuplios de
Artemia. Possuem ovos grandes e pouco
numerosos, medindo cerca de 0,9
mm. Este achado sugere que o desenvolvimento embrionário
seja ao menos parcialmente abreviada.
As larvas zoea I
nascem com cerca de 0.5
mm. Desde esta fase já possuem olhos enormes,
sésseis, ocupando toda a metade anterior do cefalotórax. Porém, a partir da fase
zoea II, passam a apresentar pedúnculos
oculares bastante longos e móveis. Larvas carídeas com estas (e algumas outras)
características são chamadas genericamente de “gênero larval Eretmocaris”.
Comportamento
O Merguia
rhizophorae é uma espécie
gregária. Estes camarões vivem em aglomerações e/ou pequenos grupos. Na
presença do perigo, inicialmente ficam imóveis, um comportamento que os faz se
camuflarem com o substrato adjacente. Se um potencial predador se aproxima
muito, saltam agilmente de um tronco a outro usando sua cauda muscular.
Este comportamento pode se repetir incessantemente por até 4 minutos. É
interessante que toda vez que eles saltam, eles sempre caem no solo em pé,
apoiado nas suas pernas!
Em solo seco, caminham de forma semelhante a um inseto,
usando os três últimos pares de pernas. O abdômen auxilia também, dando apoio
ao corpo, eles mantém o abdômen em discreta flexão, de forma que a extremidade
do telson fica em contato com o solo. Usam também o terceiro par de maxilípodos
para caminhar. Estes maxilípodos, que são bastante longos e com espinhos na
extremidade distal, são estendidas adiante, apoiadas no solo e contraídas, para
puxar seu corpo quando caminham, especialmente quando escalam troncos e raízes.
A outra espécie de Merguia
(M. oligodon) tem uma relação
comensal com o caranguejo Neosarmatium
smithi, um sesarmídeo bem próximo do Sesarma
rectum brasileiro. O M.
oligodon co-habita suas tocas, se alimentando de suas fezes.
Alimentação
Estes animais são onívoros oportunistas tendendo ao herbivorismo, sua
dieta principal consiste de detritos e algas que crescem sobre troncos e raízes
do mangue.
Manutenção em
Aquaterrários
Há muita pouca experiência na manutenção
destes animais em
cativeiro. Não é uma espécie que é encontrada à venda em
lojas de aquarismo. O pouco que se sabe das suas necessidades é baseado em
trabalhos científicos onde camarões foram criados por períodos relativamente
curtos fora do seu ambiente natural. Nestes casos, os camarões foram criados em
aquários, submersos em água marinha (35%o de salinidade).
Entretanto, sabe-se que esta é uma espécie
semi-terrestre de camarão. Assim, um aquaterrário com uma porção aquática e uma
área seca deve ser o ideal para sua manutenção a longo prazo. Considerando o
comportamento destes camarões na natureza, idealmente o tanque deve ter uma
área “entre-marés”. Embora tenha sido possível a criação em laboratórios de
forma submersa e em água marinha, até por períodos prolongados, provavelmente a
condição ideal para seu desenvolvimento seja a criação em água salobra, mas o
valor ideal de salinidade é desconhecido.
Finalmente, pelo seu
hábito de escalar objetos, é aconselhável que haja pedras, troncos e outros
objetos no terrário. São exímios saltadores,
o tanque deve ser sempre mantido bem tampado, para evitar fugas.
Bibliografia:
- Abele LG.
Semi-terrestrial Shrimp (Merguia
rhizophorae). Nature, Volume 226,
Issue 5246, pp. 661-662 (1970).
- Gillikin
DP, De Grave S, Tack JF. The Occurrence of the Semi-Terrestrial Shrimp Merguia oligodon (De Man, 1888) in Neosarmatium smithi H. Milne Edwards,
1853 Burrows in Kenyan Mangroves. Crustaceana. Vol. 74, No. 5 (May, 2001),
pp. 505-507.
- Gilchrist SL, Scotto LE, Gore RH. Early Zoeal Stages of the
Semiterrestrial Shrimp Merguia
rhizophorae (Rathbun, 1900) Cultured under Laboratory Conditions (Decapoda
Natantia, Hippolytidae) with a Discussion of Characters in the Larval Genus
eretmocaris. Crustaceana, Vol.
45, No. 3 (Nov., 1983), pp. 238-259.
- Baeza JA. Observations on the sexual system and the natural history of
the semi-terrestrial shrimp Merguia
rhizophorae (Rathbun, 1900). Invertebrate
Biology, Volume 129, Issue 3, pp 266-276, Summer 2010.
- Bruce AJ. The occurrence of the semi-terrestrial shrimps Merguia oligodon (De Man 1888) and M. rhizophorae (Rathbun 1900) (Crustacea
Decapoda Hippolytidae) in África. Tropical Zoology, Volume 6, Issue 1, 1993, pp
179-187.
- Almeida AO, Coelho PA, Santos
JTA, Ferraz NR. Crustáceos decápodos estuarinos de Ilhéus, Bahia, Brasil. Biota Neotrop. May/Aug 2006 vol. 6,
no. 2.
Artigo escrito por Antonio Baeza e Walther Ishikawa
Este artigo foi escrito em co-autoria com o zoólogo Dr. Antonio Baeza (Instituto Smithsoniano Flórida, EUA / Ancón, Panamá, e Universidad Católica del Norte, Coquimbo, Chile), pesquisador desta espécie, ao qual somos extremamente gratos. A seção de crustáceos do álbum Flickr do Dr. Baeza é realmente impressionante, visite aqui . Agradecemos também ao zoólogo Dr. Arthur Anker (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza) pela cessão da foto para o artigo.
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