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"Valdivia"  
Artigo publicado em 16/12/2013, última edição em 04/02/2024  


Caranguejo de Água Doce – Valdivia spp.

 

 

Nome em português: Caranguejo de água doce, Caranguejo de rio, Araruta.
Nome em inglês: -
Nome científico: Valdivia serrata White, 1847; Valdivia novemdentata (Pretzmann, 1968); Valdivia camerani Nobili, 1896

Origem: América do Sul
Tamanho: carapaça com largura de até 7 cm (Valdivia serrata)

Temperatura: variável (veja texto)
pHvariável (veja texto)

Dureza: variável (veja texto)
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: agressivo
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

 

Valdivia é um gênero sulamericano de caranguejo dulcícola com ampla distribuição, são caranguejos de porte médio/grande, totalmente aquáticos, de hábitos noturnos. São de identificação relativamente simples, pela carapaça plana, pouco convexa, e fronte reta e lisa. A distinção das espécies só é possível através da análise do gonópodo dos machos. 

Não têm importância em aquarismo, por serem agressivos e sem colorido exuberante. Mas são importantes componentes da cadeia trófica de ambientes dulcícolas. Comestíveis, são também fonte de alimentação para populações ribeirinhas. Como curiosidade, a espécie mais comum (Valdivia serrata) é regularmente consumida pelos índios da tribo Yanomami, que os chamam de "hesiki tôtôrema".

Há três espécies, todas ocorrem em território brasileiro:

  • Valdivia serrata White, 1847
  • Valdivia novemdentata (Pretzmann  1968)
  • Valdivia camerani Nobili, 1896


Recentemente uma quarta espécie brasileira, Valdivia haraldi, foi invalidada, atualmente é considerada um sinônimo menor de Valdivia serrata. Ainda se discute a validade do Valdivia cururuensis, a maioria dos autores consideram-na um sinônimo ou subespécie do V. serrata.

Existe um gênero próximo monotípico, Rotundovaldivia, praticamente indistinguível por fotos. Mais infomações podem ser vistas  aqui 


Etimologia: Valdivia tem etimologia incerta, talvez um nome próprio, ou talvez seja uma referência à cidade chilena de mesmo nome, por um erro de identificação da origem do espécime-tipo. Em relação ao nome das espécies, serrata diz respeito aos dentes proeminentes na margem da carapaça desta espécie, com aspecto serrilhado; novemdentata tem origem no latim, novem (nove) + dentata (com dentes); camerani é uma homenagem ao herpetologista e entomologista italiano Lorenzo Camerano, pesquisador e colega de campo do também italiano Giuseppe Nobili, com grandes contribuições na pesquisa da fauna da Argentina e Paraguai.



Origem



            Os caranguejos Valdivia têm ampla distribuição na América do Sul, duas espécies ao Norte e uma ao Sul. Vivem em rios e lagos, em geral associada a galhadas e serrapilheira submersa ou em buracos de troncos submersos. Pode ser encontrada em covas situadas acima do nível d'água.

Valdivia serrata é a espécie mais amplamente encontrada, distribui-se nas bacias do Orinoco e Amazônica, e em bacias costeiras do norte da América do Sul. Nas bacias da região amazônica, tem ocorrência registrada na Venezuela, ilha de Trinidad, Guiana, Suriname, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Brasil. No nosso país, são encontrados nos estados do AM, PA, RO, RR, MA e AC.

Valdivia novemdentata tem distribuição mais restrita, amazônica, mas dentro da área de ocorrência do V. serrata. Ocorre no Peru (nas mesmas áreas de V. serrata, Loreto e Madre de Dios), e Brasil (AM e RO). Nota: o mapa abaixo não mostra a distribuição atualizada.

Valdivia camerani tem distribuição nas bacias dos Rios Mamoré, Paraguai e baixo Paraná, e na bacia do Rio Amazonas no Paraguai. Tem ocorrência registrada na Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil. No nosso país, são encontrados nos estados do MT e MS, abundantes no Pantanal, alto Paraguai. Distribuição distinta das duas outras espécies, desta forma, pode ser identificada de forma presuntiva baseada na distribuição. 



 

Distribuição geográfica de Valdivia spp. Imagem original Google Maps; dados de Magalhães C. In: Melo GAS. 2003.



Pequena Valdivia serrata, fotografada no Igarapé Santa Izabel, a menos de 50 km de Belém (PA). Foto de Cinthia Emerich.



Aparência

 

Cefalotórax de altura média, arredondado. Olhos pequenos, antenas curtas. Grandes quelípodos, assimétricos nos machos. Pernas dispostas lateralmente. 

Existem duas famílias de caranguejos de água doce no Brasil: Trichodactylidae e Pseudothelphusidae. Os primeiros podem identificados por dois detalhes: dáctilos com pêlos (ao invés de espinhos, daí seu nome), e segundo maxilópode. 

Dentro da família, os Valdivia podem ser identificados baseados no padrão de fusão dos somitos abdominais (fusão até o V), região frontal plana e lisa. Carapaça sub-hexagonal, plana e pouco convexa, angulada. Superfície mais ou menos rugosa, com cristas e fendas bem demarcadas. Sua margem frontal é lisa e plana. A margem ântero-lateral tem 4 a 5 dentes, de dimensões e morfologia bastante variáveis, geralmente grandes e acuminados, e dente acessório com uma saliência arredondada após o ângulo orbital externo.

Região dorsal da carapaça e pereiópodos cobertos de manchas vermelhas, que são eventualmente alongados e finos, formando um padrão simétrico. Estas manchas formam uma rede sobre o carpo do quelípodo. A cor de fundo varia de marrom claro a escuro, avermelhado, ou até negro.

Dentre as três espécies de Valdivia, a identificação é baseada no gonópodo, não sendo possível por fotos, ou em exemplares fêmeas. Valdivia serrata é uma espécie maior, chegando a 6,9 cm (até 4,6 cm V. novemdentata, e 4,4 cm V. camerani). Alguns exemplares podem ser identificadas de forma presuntiva baseado no local de coleta.  

Existe um gênero muito próximo monotípico, Rotundovaldivia latidens. Além de claras diferenças no gonópodo, machos podem ser diferenciados pelo aspecto dos segmentos abdominais. Nos Valdivia, o telso é subtriangular, com bordos laterais contínuos com os do somito abdominal VI. No Rotundovaldivia, o telso tem forma de sino, com bordos laterais claramente descontínuos com os do somito abdominal VI.

 


Valdivia sp. (serrata ou novemdentata), fêmea juvenil coletada sobre troncos submersos no Rio Solimões. Note o padrão de dentes na carapaça e as manchas simétricas. Na segunda foto, o padrão de fusão dos somitos abdominais, somente o VI e VII não mostram fusão. Há fusão entre o IV e V, mas um sulco é visível entre os dois segmentos. O exemplar perdeu uma das quelas. Fotos de Jennifer O. Reynolds.


Valdivia camerani, síntipo fotografado no Muséum national d´histoire naturelle, em Paris, França. Fotografado por Christian Ferrer, Wikimedia Commons.



Parâmetros de Água

 

São espécies robustas, tolerantes quanto às condições da água. As duas primeiras espécies são nativas da Bacia Amazônica, ou seja, se desenvolvem melhor em temperaturas mais altas, águas moles e ácidas.

V. camerani é nativo principalmente do Pantanal. A temperatura nos locais de coleta no Pantanal foi de 21 a 28º C. Não há dados dos parâmetros físico-químicos, provavelmente se desenvolve melhor em água ligeiramente alcalina, de dureza média.

 

Valdivia serrata, fotografado em Oriximiná, PA. A segunda foto mostra o aspecto dos segmentos abdominais. Fotos gentilmente cedidas por Marco Aurélio de Sena.



Dimorfismo Sexual

 

Como todo caranguejo, pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, o macho possui abdômen estreito, e a fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos. Machos adultos também possuem garras maiores e mais robustas, uma delas mais desenvolvida (heteroquelia).




Valdivia camerani, fotografado em Entre Ríos, Cochabamba, Bolívia. Foto gentilmente cedida por Eliamne Karenina Gutierrez Ojeda.




Valdivia sp., coletado em Manaus, AM. Foto de Mateus Silva.



Reprodução

Todo seu ciclo de vida se dá em água doce. Produzem poucos ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto.

 







Valdivia serrata, fotografados em Abaetetuba, Pará. Fotos gentilmente cedidas por Ademir Heleno A. Rocha.



Comportamento

 

São animais totalmente aquáticos, não necessitando vir à superfície para respirar. Porém, suportam algum tempo fora d´água, principalmente se houver umidade. Fugas são bastante frequentes, o aquário deverá ser sempre mantido bem tampado.

Agressivos, especialmente os indivíduos maiores. Invertebrados bentônicos fazem parte da sua dieta, assim, deve-se atentar à presença de caramujos ornamentais, que serão rapidamente predados. Pelo mesmo motivo, caranguejos muito pequenos (da mesma, ou outra espécie) correm riscos de predação. Plantas tenras podem ser devoradas também.

Por serem escavadores, não são indicados para tanques com substrato fértil, ou com layout ornamental. Adultos têm hábitos noturnos, e costumam ficar entocados até anoitecer, jovens são mais ativos durante o dia.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.


 







Fêmea e juvenil de Valdivia sp., fotografadas na Reserva Florestal Adolpho Ducke, Manaus / AM. Fotos gentilmente cedidas por James Bessa.



Alimentação

 

Não são nada exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas, animais mortos a ração dos peixes. Como mencionado, caçam ativamente caramujos e outros pequenos invertebrados, e podem se alimentar também de plantas com folhas tenras.

 


 

Bibliografia:

  • Magalhães C. Famílias Pseudothelphusidae e Trichodactylidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Rodríguez G. The Freshwater Crabs of America: Family Trichodactylidae and Supplement to the Family Pseudothelphusidae. Paris, Editions ORSTOM, 189p. 1992 (Collection Faune Tropicale 31).
  • Cumberlidge, N. 2008. Valdivia serrata. In: IUCN 2013. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2013.2. <www.iucnredlist.org>. Downloaded on 14 December 2013.
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Agradecimentos ao professor Ademir Heleno A. Rocha (veja seu blog  aqui ), à zoóloga Eliamne Karenina Gutierrez Ojeda (Bolívia, iNaturalist), e aos colegas Mateus Silva, James Bessa, Marco Aurélio de Sena e Jennifer O. Reynolds (EUA) pela cessão das fotos para o artigo.


 A fotografia de Christian Ferrer (Wikimedia Commons) está licenciada sob uma  Licença Creative Commons . O arquivo original pode ser visto  aqui . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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