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Catanhão  
Artigo publicado em 27/05/2012, última edição em 22/08/2023  



Catanhão
Neohelice granulata

Nome em português: Catanhão, Catanhen, Caranguejo
Nome em inglês: -
Nome científico: Neohelice granulata (Dana, 1851)
Origem: Sudeste da América do Sul
Tamanho: carapaça com largura de 4,0 cm
Temperatura: 15-25° C
Salinidade: tolerante a variações, prefere média a alta
Reprodução: primitiva, larvas se desenvolvem no mar
Comportamento: adultos agressivos
Dificuldade: fácil


Apresentação

            O Catanhão é um caranguejo com uma distribuição mais meridional do que outras espécies, mais bem adaptado a temperaturas baixas. Nos estuários e salinas destes locais é uma espécie bastante comum, podendo atingir altas densidades.
            Até a muito pouco tempo classificada como Chasmagnathus granulata, uma revisão em 2006 tornou este gênero exclusivo da Ásia, criando-se um novo gênero, Neohelice para estas espécies sul-americanas (N. granulata é a única espécie conhecida do gênero). Todo este grupo também deixou de fazer parte dos sesarmídeos, sendo incorporada nos varunídeos.
            Um fato bastante interessante é que nas últimas décadas houve uma verdadeira explosão de artigos científicos abordando este animal, sendo hoje a sexta espécie de caranguejo com maior número de publicações científicas no mundo. É considerado um importante e emergente modelo animal, um aspecto bem notável é que este caranguejo é utilizado simultaneamente em pesquisas abordando aspectos da sua bioquímica, fisiologia e ecologia.
            A primeira descrição da espécie data do século XIX, de espécimes coletados nas expedições realizadas por Alcide d’Orbigny durante sete anos (1826–1834) no Uruguai e Argentina. Este autor descreveu também o habitat destes caranguejos, mencionando o nome local de terrenos com grande aglomeração de tocas, chamados de “cangrejales”. Uma bela descrição literária de um destes “cangrejales” está presente no famoso romance argentino Don Segundo Sombra (Ricardo Güiraldes, 1926), onde num trecho há a descrição de um cavalo afundando em um terreno cheio de tocas, e ficando preso na lama até a barriga.

Etimologia: Neohelice vem do grego neo (novo) e Helice, que é um outro gênero de caranguejo varunídeo asiático. Helice (Helike) é uma ninfa da mitologia grega, que alimentou Zeus em sua infância na ilha de Creta. E granulata vem do latim granum, grão.



Catanhão em um aquaterrário salobro. Foto de Walther Ishikawa.




Distribuição geográfica de Neohelice granulata. Imagem original Google Maps; dados de Melo GAS 1996.



Origem e habitat

            É uma espécie endêmica das zonas subtropicais e temperadas da costa atlântica da América do Sul, região sudeste, sua distribuição se estendendo desde o Rio de Janeiro até o Golfo San Matías, norte da Patagônia argentina. Habita manguezais e estuários ao norte, e salinas marinhas ao sul. Sua distribuição mostra uma nítida sobreposição com a do caranguejo-violinista Uca uruguayensis.
            Em algumas localidades ocorrem aos milhares, podendo ultrapassar 100 indivíduos por metro quadrado. São particularmente numerosos na região da Lagoa dos Patos (RS, Brasil) e Bahía de Samborombón (norte da Argentina).
            Cavam suas tocas junto ao limite superior da maré alta, deslocando-se diariamente para locais mais alagados em busca de umidade e alimento. Geralmente os adultos maiores (principalmente machos) encontram-se nos locais abertos, enquanto as fêmeas e os animais jovens dão preferência aos locais com vegetação.
            Escavam grandes tocas semi-permanentes, o aspecto da toca varia de acordo com o substrato. Em terrenos mais secos eles tendem a ser mais verticais e profundos, e podem atingir um metro de profundidade. Em locais mais alagados as tocas são mais rasas, geralmente não ultrapassando 20 cm, têm entrada ampla e em formato de funil, com até 14 cm de diâmetro. Não fecham suas tocas durante a maré alta, permitindo livre entrada de água e sedimento.
            É um dos caranguejos semi-terrestres com maior capacidade de adaptação a diferentes salinidades, na natureza vivendo em ambientes bastante inóspitos, com amplas e rápidas variações de salinidade, podem oscilar entre 5%o e 40%o. Entretanto, não é encontrado em água doce, ou no mar. Seu ponto iso-osmótico se situa por volta de 29%o.
            Vivem em locais mais frios, onde a temperatura no inverno pode atingir 10ºC. Mas em temperaturas mais baixas ficam entocados, reduzem seu metabolismo ficando letárgicos.





Um típico "cangrejal", com uma grande concentração de caranguejos. Fotografados na Reserva Natural de Punta Rasa, em San Clemente del Tuyú (Argentina). Fotos gentilmente cedidas pelo aquarista argentino Hernán Chinellato.



Aparência

            São caranguejos achatados de porte médio, carapaça quadrada / elíptica, um pouco mais larga do que comprida, margens ântero-laterais dirigidas para cima, pernas dispostas lateralmente. Olhos nas bordas ântero-laterais da carapaça, pedunculados mas curtos. Podem ser confundidos com alguns Aratus (Sesarma, Armases), mas possuem a carapaça mais alta, e garras proporcionalmente maiores.
            O aspecto da carapaça, com dois chanfros rasos na borda ântero-lateral auxilia bastante a identificação.
            Sua carapaça é lisa, assim como suas pernas. Mostra granulações na face externa das garras. A coloração global é marrom-alaranjada, com as garras e pernas mais claras, abdômen rosado. Entretanto, a coloração pode variar bastante em função da alimentação.



Catanhão em um aquaterrário salobro. Foto de Walther Ishikawa.



Dois machos de Catanhão, Neohelice granulata, fotos de Hernán Chinellato. Fotografados na Reserva Natural de Punta Rasa, em San Clemente del Tuyú (Argentina).


Dimorfismo Sexual

            Como quase todos os caranguejos, a distinção pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, que fica dobrado sobre a porção ventral da carapaça. Fêmeas possuem o abdômen largo, onde incubam seus ovos. Nos machos, o abdômen é estreito.
            Machos adultos também possuem garras maiores e mais robustas.




Catanhão macho, fotos de Hernán Chinellato. Note as grandes garras. Note também as nodulações nas quelas daí seu nome científico.


Catanhão fêmea, em vista dorsal. Nesta imagem é bem visível os dois chanfros rasos na borda anterolateral da carapaça, bastante úteis na sua identificação. Foto de Hernán Chinellato.


Reprodução

            Seu ciclo de vida é muito semelhante ao de outros crustáceos semi-terrestres estuarinos. Durante a estação reprodutiva, estes caranguejos lançam milhares de larvas na água durante a maré cheia, à noite. Estas são levadas pela correnteza até o mar, onde permanecem por semanas até retornarem para o estuário.
            Em locais de clima mais quente reproduz-se continuamente ao longo do ano, mas em locais mais frios somente durante o verão. Possuem um padrão primitivo de reprodução, produzindo ovos pequenos em grande número. Os ovos medem cerca de 0,3 mm, e seu número pode chegar a 27 mil ovos.
            O desenvolvimento dos ovos demora cerca de 30 dias. As larvas são planctônicas, nascem como zoea de vida livre, medindo 3 mm de comprimento. Passam por quatro estágios de zoea (cinco em condições desfavoráveis), além da megalopa (pós-larva). O período de desenvolvimento larvar é de cerca de 22 dias em zoea e 12 dias em megalopa.
            Sabe-se que a primeira fase larvar mostra algum grau de resistência a baixas salinidades (valor ideal de 20%o), uma adaptação para suportar o período de exportação no estuário, após o nascimento em água salobra. As demais fases larvares mostram baixa resistência a variações de salinidade (ideal em 32%o), se desenvolvendo em mar aberto. A fase megalopa volta a apresentar alguma resistência, que é quando o animal migra de volta para o continente.
            As larvas são carnívoras, podendo ser alimentadas com náuplios de Artemia em cativeiro.





Catanhão em um aquaterrário salobro. Fotos de Walther Ishikawa.


Comportamento


            São animais sociais, vivendo em numerosas colônias. Apesar de essencialmente vegetarianos, a predação de outros caranguejos menores é um componente importante da sua dieta. Desta forma, a manutenção com outros caranguejos de menores dimensões não é recomendada, da mesma espécie ou não. A agressividade tende a se acentuar com o crescimento.
Sua longevidade é estimada entre 2 a 4 anos.



Catanhão macho, fotos de Hernán Chinellato.


Alimentação


            São onívoros detritívoros, mas sua base alimentar é constituída de vegetais, se alimentando de talos, raízes e folhas de gramíneas que crescem nos estuários, em especial do capim-marinho (Spartina), além de restos de outros vegetais em decomposição. Consomem também insetos e outros pequenos animais, como o microcrustáceo Kalliapseudes schubartii. Predam caranguejos menores, tanto juvenis da mesma espécie quanto outros caranguejos (como os Uca).
            Em cativeiro, necessitam de um balanço adequado entre Fósforo e Cálcio, com predomínio deste último. Muitos criadores fornecem suplementos de cálcio, como alimentos para répteis, osso de siba e cascas de ovos. É conveniente também evitar um excesso de proteínas na dieta, mantendo uma dieta básica de vegetais. Outros alimentos não recomendados são o espinafre (rico em ácido oxálico) e salsinha (alto teor de ácido prússico, bastante tóxico para os caranguejos).



Close de um Catanhão na porção aquática de um aquaterrário salobro. Foto de Walther Ishikawa.


Manutenção em Aquaterrários


            Apesar de semi-terrestre, é uma espécie mais dependente de ambientes aquáticos para hidratação do que outros caranguejos. Desta forma, deve ser disponibilizada uma área aquática mais volumosa, que permita uma submersão total do animal.
            Embora tolerem uma ampla faixa de salinidade, necessitam de água salobra para uma manutenção saudável em longo prazo. O substrato é indiferente, mas é preferível algum material que permita aos animais cavarem suas tocas.
            É um animal de fácil manutenção em cativeiro, e existe até propostas de uso desta espécie como modelo pedagógico no ensino fundamental.





Catanhão em um aquaterrário salobro. Foto de Walther Ishikawa. Na segunda foto pode ser vista uma exúvia ao fundo.




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Agradecimentos especiais ao colega aquarista argentino Hernán Chinellato, pela cessão das fotos para o artigo.
 
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