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Lapa de água doce  
Artigo publicado em 14/01/2012, última edição em 30/08/2023  




Nome popular: Lapa de água doce / Lapa de rio / Lentilhas de água (Portugal) / Tatuzinhos d’água (Brasil, PA) / Conchinillas de agua (Paraguai)
Nome científico: Anisancylus sp., Ferrissia sp., dentre outros
Origem: Rios e lagos de todas as regiões tropicais e subtropicais
Comprimento: 3-15 mm, dependendo da espécie


Esses pequenos moluscos de variadas espécies, vez ou outra, vêm parar clandestinamente em nossos aquários através de seus diminutos ovos, e nos fazem pensar "O que pode ser essa pequena mancha que achei que era sujeira?".

São gastrópodes comuns em qualquer tipo de corpo d'água, apesar do formato de suas conchas possam sugerir uma adaptação à correnteza. Fazem parte do grupo dos Pulmonados (como os Ramshorn e Physa), mas as trocas gasosas são feitas diretamente na água, não necessitando subir à superfície para respirar ar. A cavidade do manto modificada, geralmente usada nestes pulmonados para trocas gasosas, é muito reduzida nestes gastrópodes, e sem vascularização. Para substituí-la, desenvolveram uma pseudobrânquia na parede lateral do corpo. Atentando-se à sua anatomia, percebe-se que compartilham muitas características em comum, como os olhos nas bases dos tentáculos cefálicos. Atualmente são incluídos na família Planorbidae, a mesma dos caramujos ramshorn.


Alimentam-se essencialmente de algas, porém não são bons algueiros em geral, já que se movimentam lentamente, são de pequeno - muito pequeno porte e não são tão prolíferos quanto a maioria dos outros moluscos do mesmo tamanho. São hermafroditas, e sua reprodução é ovípara. Não há informações sobre auto-fecundação. Seus ovos são semelhantes a outros pulmonados, depositados em uma cápsula aderida a superfícies e envoltas em uma massa gelatinosa, mas são quase imperceptíveis, bem pequenos e com menor número de ovos (1 a 5, em disposição radial).




GIF animado mostrando cápsula de ovos de Uncancylus concentricus com embriões em movimento. Fotos de Walther Ishikawa.



Cápsula de ovos de Ferrissia, contendo cada uma somente um único ovo. Foto de Walther Ishikawa.


Em aquários sua utilidade se limita ao interesse biológico daqueles que gostam de observar a vida no seu sistema que vai além de apenas organismos introduzidos propositadamente, assim como na natureza. Muitas espécies fazem parte do grupo de animais chamados bioindicadores, ou seja, são animais que demonstram se há algo errado em certo sistema aquífero, já que não resistem a mínimos níveis de poluição/contaminação e/ou mudanças bruscas nos parâmetros físico-químicos da água. Porém, algumas espécies são encontradas também em águas poluídas, como o Gundlachia ticaga.





Lapa, provável Ferrissia de cerca de 3 mm, caminhando sobre musgo de Java, em um aquário em Brusque, SC. Vídeo cortesia de Matheus Eduardo Gianesini.




Lapa Ferrissia sp. pegando carona num camarão ornamental Caridina. Foto de Míl Marques.






Lapas Ferrissia sp. em aquário plantado. Note a concha alta, e ápice arredondado. Fotos de Gustavo Tokoro e Mírian Santos.





Hebetancylus moricandi, note a típica lista pigmentada no manto à direita. Foto gentilmente cedida por Mateus Camboim de Oliveira.




Provável Uncancylus concentricus, surgiu em um aquário comunitário em Pouso Alegre, MG. Note os tentáculos cefálicos bastante longos, e a pigmentação do manto à direita. Fotos gentilmente cedidas por Alice Carrie.



Nas minhas montagens eles estão sempre presentes (é inevitável livrar plantas de seus diminutos ovos), mas em quantidade praticamente desprezível. Outra utilidade que achei para esses pequenos é de algueiros em uma planta específica: por serem de locomoção lenta e fácil reprodução quando há suficiente alimento (parecem preferir algas marrons), coloco 2-3 na folha afetada pelas algas e a população cresce pela folha mesmo, livrando-a, de forma natural não agressiva, das algas. Acabaram com esse problema em plantas como a Bolbitis heudelotii, que ficam em aquários com pouca luz e acabam, portanto, desenvolvendo aquele filme marrom na superfície das folhas que são muito delicadas para serem limpas mecanicamente.

Já li relatos de pessoas reclamando porque, como muitos outros moluscos introduzidos acidentalmente no aquário, são "pragas" e não são comidos pela maioria dos predadores de moluscos, já que se aderem firmemente às superfícies de variados materiais. Contudo são, na minha humilde opinião e sem dúvida, uma ótima aquisição acidental.






Lapa Ferrissia sp., na segunda foto, junto a um caramujo Lymnaea. Fotos de Walther Ishikawa.



Somente como curiosidade, existe uma espécie neozelandesa bioluminescente, Latia neritoides (família Latiidae), medindo até 11 mm. É a única espécie de caramujo de água doce que emite luz. Na realidade, ele secreta um muco luminescente quando perturbado, sugerindo que tenha alguma finalidade defensiva.


Lapa bioluminescente Latia neritoides, fotografado em Opanuku Pipeline Track, Auckland, Nova Zelândia. Fotos gentilmente cedidas por Shaun Lee.




 

Taxonomia e espécies brasileiras


A característica morfológica externa mais utilizada para o reconhecimento destes caramujos é a concha pateliforme (em forma de prato), mas uma concha com esta forma evoluiu de forma independente em diversos grupos de gastrópodes basomatóforos de água doce, em uma forma de convergência evolutiva. Felizmente, quase todas as Lapas de água doce encontradas no território brasileiro são da família Planorbidae, subfamília Ancylinae (até há muito pouco tempo atrás eram considerados uma família própria, Ancylidae). Mas conchas de forma semelhante são encontradas em outros gêneros, como os Burnupia (Burnupiidae, a única exceção brasileira), Acroloxus (Acroloxidae), uma das Lapas mais comuns em aquários europeus, os Lanx (Lymnaeidae) norte-americanos, e os Latia (Latiidae) neozelandeses. Vale lembrar também que nenhuma destas Lapas de água-doce tem parentesco direto com as espécies marinhas.




Uncancylus concentricus junto a um Potamolithus. Foto de Walther Ishikawa.



No Brasil são encontrados oito gêneros, cinco deles tipicamente neotropicais (Anisancylus, Gundlachia, Hebetancylus, Uncancylus e Sineancylus). A sua identificação não é fácil, além da conquiliometria, detalhes da rádula, inserção muscular na concha e anatomia interna precisam ser analisados. Porém, uma identificação grosseira pode ser feita por leigos, baseada na localidade de coleta, dimensões, morfologia da concha (especialmente sua altura e aspecto do ápice) e pigmentação do manto:



Ilustrações das principais espécies de lapa encontradas no Brasil, em perfil e visão superior. Na primeira ilustração, tentou-se incorporar o padrão de pigmentação do manto. Na segunda, note a posição do ápice em relação à linha mediana, o aspecto do ápice (agudo ou arredondado), e o aspecto dos tentáculos cefálicos (ainda não há informação sobre o Syneancylus). Ilustrações de Walther Ishikawa.



Espécies de Lapas Brasileiras


Gêneros Tipicamente Neotropicais


Anisancylus Pilsbry, 1924: As duas espécies brasileiras de Anisancylus podem ser reconhecidas pela sua concha mais alta, bem mais elevada do que as demais espécies. Possuem um ápice mais agudo e levemente voltado para trás. O local de coleta ajuda bastante na identificação, Anisancylus dutrae (Santos, 1994) é encontrado somente no Nordeste do Brasil (PE até BA), enquanto Anisancylus obliquus (Broderip & Sowerby, 1832) ocorre no Sul do Brasil (somente RS) até o Chile. Medem respectivamente 5 e 7 mm. Outro detalhe útil é a intensa pigmentação homogênea do manto no A. obliquus, podendo ser totalmente preto. É a única espécie brasileira com esta pigmentação tão exuberante. A. dutrae possui pigmentação variável, geralmente escura também, mas mais concentrada na periferia do manto.




Anisancylus obliquus encontrado associado a Pistia stratiotes, em área de inundação do Rio Pintado, Porto União, SC. Foto extraída de J.M.Barth e A.R. Martello, Multiciência Online, 2016, gentilmente cedida pelos autores. O artigo original pode ser visto  aqui .


Anisancylus obliquus, exemplar de 6,5 mm coletado no Rio de La Plata, Quilmes, Buenos Aires, Argentina. Fotos gentilmente cedidas por Susana Escobar.



Hebetancylus Pilsbry, 1913: Representado por somente uma espécie no Brasil, Hebetancylus moricandi (d’Orbigny, 1837), muito comum e amplamente distribuída na América do Sul, do norte da Venezuela a Argentina. É a maior Lapa brasileira, atingindo 15 mm. Sua concha é bastante achatada e com ápice pouco proeminente, mediano, este último detalhe auxilia bastante na identificação. A pigmentação no manto é variável, frequentemente apresentam uma lista pigmentada castanha intensa à direita, especialmente os animais coletados no sul.















Hebetancylus moricandi, coletado em Porto Alegre, RS. Mede cerca de 15 mm. Note o aspecto bastante achatado da concha, com ápice arredondado. Na segunda foto, junto a um filhote. Na última, junto a um Melanoides. A penúltima foto mostra bem a típica faixa pigmentada no manto à direita. Fotos de Walther Ishikawa.






Hebetancylus moricandi, coletado em Valinhos, SP, medindo 9 mm. Note a faixa pigmentada no manto, e as estriações radiais na concha. Fotos de Walther Ishikawa.






Hebetancylus moricandi
, coletados na Lagoa da Precabura, em Fortaleza, CE. O maior mede 14 mm. Fotos de Walther Ishikawa.



A segunda parte do artigo, abordando os demais gêneros e referências bibliográficas, pode ser vista  aqui  .
 
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