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"Drepanotrema"  
Artigo publicado em 01/10/2012, última atualização em 12/10/2023  

Drepanotrema

 

            Drepanotrema é outro gênero de caramujo de água doce bastante comum no Brasil, embora seja pouco identificado, por ser frequentemente confundido com os caramujos planorbídeos comuns (Biomphalaria). Na realidade são animais bem próximos, os dois gêneros fazem parte da mesma família e subfamília (Planorbidae e Planorbinae), mas estão classificadas em diferentes tribos (Segmentinini para Biomphalaria, e Drepanotremini para os Drepanotrema).

            Excluindo-se os Biomphalaria, sem dúvida são os planorbídeos brasileiros mais numerosos e importantes. A maioria das espécies é encontrada somente na América do Sul. 


            Um detalhe interessante sobre estes caramujos: dentre os Planorbídeos, é relativamente comum a presença de espécies “equivalentes” no hemisfério norte e sul, como os Planorbis (norte) e Biomphalaria (sul). Da mesma forma, os caramujos do gênero Gyraulus (restritos ao hemisfério norte) são quase idênticos aos Drepanotrema, apesar de pertencerem a tribos distintas. São chamados popularmente em aquariofilia de "Mini-Ramshorn". São invasores comuns em aquários, sua ficha pode ser vista  aqui .




Comparação das conchas das espécies brasileiras de Drepanotrema . A escala mede 1 mm. Fotos extraídas de Ovando XMC, Marchi GF (2021)Kotzian CB, Amaral AMB do (2013), Leal MF, et al. (2021), Barbosa FS (org.) (1995), todos Licença Creative Commons. As referências podem ser vistas no final do artigo. Imagens também cortesia de Susana Escobar, e Walther Ishikawa.



Como frequentemente ocorre com os demais gastrópodes límnicos, há alguma controvérsia no número de espécies válidas. A maioria dos autores aceita cerca de nove espécies, listadas abaixo:


Conchas logarítmicas:

  • Drepanotrema anatinum (Orbigny, 1835) - todo o Brasil - 4 mm concha bastante alta, giros cobrindo bastante o antecessor, a menor espécie
  • Drepanotrema heloicum (Orbigny, 1835) - MT, MS, RS - 8 mm abertura da concha arredondada
  • Drepanotrema nordestense (Lucena, 1954) - AL, DF, GO, MG, PR, PE, RJ, RS, SC, SP, PA, MA - 5 mm pé curto com extremidade estreita, abertura da concha arredondada
Conchas intermediárias:
  •        Drepanotrema lucidum (Pfeiffer, 1839) - todo o Brasil - 8 mm suturas rasas
  •        Drepanotrema pileatum Paraense, 1971 - BA, MG - 13 mm concha alta, giros cobrindo bastante o antecessor
  •        Drepanotrema schubarti (Haas, 1938) - AL, PE, PB, RN, CE, PA - 6 mm concha com borda aguda, mas não carenada
Conchas arquimedianas (subgênero Fossulorbis):
  • Drepanotrema cimex (Moricand, 1839) - todo o Brasil - 8 mm concha com borda aguda, mas não carenada
  • Drepanotrema depressissimum (Moricand, 1839) - todo o Brasil - 11 mm concha bem achatada e carenada
  • Drepanotrema kermatoides (Orbigny, 1835) - MT, MS, RS - 13 mm concha carenada, sem pigmentação cefalopodal




Drepanotrema depressissimum, fotografado na ilha de Grande-Terre, Guadalupe. Fotos de Jean-Pierre Pointier. Segunda imagem disponibilizada pelo portal INPN (link ao final do artigo).







Diminuto Drepanotrema cf. depressissimum, fotografada no Parque Juquery, Franco da Rocha (SP), fotos de Walther Ishikawa.



Drepanotrema cf. lucidum coletado em La Terracita, Buenos Aires, Argentina. Na última foto, junto a um Biomphalaria e um HeleobiaFotos de Michelle Delaloye.


Concha de um minúsculo Drepanotrema cf. lucidum, medindo cerca de 1 mm. Veja a abertura falciforme da concha. Fotos de Max Wagner.


            Assim como os Biomphalaria e Planorbis, possuem conchas planispirais achatadas, em forma de disco. Muitas espécies possuem conchas ainda mais achatadas, com bordas laterais agudas e abertura falciforme. Somente como curiosidade, a palavra Drepanotrema tem origem grega, e significa “orifício em forma de cimitarra”. Muitas espécies (principalmente as três do subgênero Fossulorbis) possuem conchas com padrão arquimediano, ou seja, conchas com muitos giros que crescem de diâmetro de forma lenta. Este padrão é mais evidente em caramujos adultos.


            São caramujos muito pequenos, medindo entre 3 e 8 mm. À primeira vista podem parecer filhotes de Biomphalaria. Porém, Biomphalarias filhotes não têm conchas com um aspecto tão planispiral quanto os adultos, possuindo uma concha mais globosa e inflada. Ou seja, a presença de diminutos caramujos com a concha bem achatada é uma boa dica para que sejam Drepanotremas. Outra dica é a forma como estes caramujos carregam sua concha: eles caminham com a concha na posição horizontal, deitada, paralela à superfície por onde andam. Os Biomphalarias caminham com a concha em posição vertical.   




Drepanotrema kermatoides encontrado associado a Pistia stratiotes, em área de inundação do Rio Pintado, Porto União, SC. Foto extraída de J.M.Barth e A.R. Martello, Multiciência Online, 2016, gentilmente cedida pelos autores. O artigo original pode ser visto  aqui .




Drepanotrema sp., fotografado em Potim, MT. Foto cortesia de Edson Roberto.


Drepanotrema anatinum, fotografado em MG. Foto cortesia de Flávio Mendes.



            A coloração do seu corpo também é diferente: os Drepanotremas não têm hemoglobina na sua hemolinfa, desta forma não possuem a coloração avermelhada dos Biomphalarias. Exceto duas espécies, D. kermatoides e D. nordestense, possuem um padrão bem típico de pigmentação no seu corpo, antenas bastante pigmentadas principalmente no seu eixo central, e grandes olhos escuros que se destacam bastante no corpo claro. Muitas espécies têm também faixas pigmentadas na face dorsal e lateral da cabeça, e também no pé, como o D. lucidum. Tipicamente possui um pé longo, estreito e lanceolar (exceto em D. nordestense).







Drepanotrema cimex, fotografado na ilha de Grande-Terre, Guadalupe. Foto de Jean-Pierre Pointier (Muséum national d´Histoire naturelle - Service du Patrimoine Naturel, França). Imagem disponibilizada pelo portal INPN (link ao final do artigo).





Drepanotrema cf. cimex, fotografada em Extremoz, RN, foto de Francierlem Oliveira.







Drepanotrema cimex, fotografada em Cajueiro, Cabo Frio, RJ. Fotos cortesia de Anderson Rabello Pereira.


Uma espécie peculiar é Drepanotrema nordestense (Lucena, 1954), considerada inicialmente de outro gênero, passou por diversas revisões, parte da literatura ainda os cita como Antillorbis nordestensis ou Drepanotrema pfeifferi. Medem até 4~5mm, possuem conchas com crescimento claramente logarítmico, com giros aumentando rapidamente de diâmetro. Olhos bastante pigmentados, mas restante do corpo com pigmentação esparsa, antenas não pigmentadas, o que auxilia na sua diferenciação de outras espécies, assim como dos Gyraulus. É a única espécie com o pé curto e com extremidade estreita. 






Drepanotrema nordestense coletadas em uma poça d´água no solo, em um parque abandonado em Ubatuba, SP. A maior concha mede 2,5 mm. Note a diferença na coloração da concha em relação aos demais animais do artigo, talvez por impregnação do periostraco por pigmentos do ambiente. Na primeira foto, pode ser visto também um pequeno Assiminea. Fotos de Walther Ishikawa.



            São hermafroditas, e seus ovos são muito parecidos com os dos Biomphalaria, também envoltos por uma massa gelatinosa. Mas são bem difíceis de serem vistos, por serem muito pequenos, e com menos ovos por grupamento. Podem se reproduzir por auto-fecundação, especialmente se as condições ambientais forem desfavoráveis. O número médio de ovos por cápsula é de 4 (D. anatinum).







Provável 
Drepanotrema heloicum medindo cerca de 5,5 mm, de Marília, SP. As imagens abaixo mostram bem o padrão típico de pigmentação na cabeça, pé e antenas. Note também o longo pé, com extremidade afilada. Fotos de Max Wagner.





Provável Drepanotrema heloicum, coletado em Marília, SP. Fotos de Fernando Barletta.



Drepanotrema cf. heloicum coletado em uma lagoa efêmera em Ribeira do Pombal, BA. Fotos de Miguel Macedo Luz Vieira.


Drepanotrema cimex fotografado em Ribeira do Pombal, BA. Foto de Miguel Macedo Luz Vieira.










Minúsculos Drepanotrema cf. heloicum encontrados em um aquário em São Paulo, SP. Animais gentilmente cedidos por Fernando Barletta, fotos de Walther Ishikawa.



            Diferente dos Biomphalaria, os Drepanotrema não são vetores de doenças humanas, mas algumas espécies estão relacionadas a parasitas de importância veterinária. São resistentes, suportando ambientes com algum grau de poluição. Em relação à sua presença em aquários, não são prejudiciais às plantas ou peixes, sendo mais uma opção interessante de invertebrados, podendo ser mantidos também em nanos.

             Na natureza, são mais comuns em ambientes com pH neutro para levemente ácido. Porém, em cativeiro, sugere-se um pH discretamente alcalino, e água dura, para evitar problemas relacionados à corrosão das suas conchas.




Referências:

  • Gregoric DEG, Nuñez V, Rumi A, Roche MA. 2006. Freshwater gastropods from Del Plata Basin, Argentina. Checklist and new locality records.  Comunicaciones de la Sociedad Malacológica del Uruguay, Montevideo, 9(89): 51-60.
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  • Martín-Stella M, Díaz-Ana C, Rumi A. Individual growth of Drepanotrema cimex (Pulmonata: Planorbidae) from Arenalcito pond, natural reserve multiple uses Martin García Island, Buenos Aires, Argentina. Braz. J. Biol. 2013 Nov; 73(4): 835-833.
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  • Ovando XMC, Marchi GF (2021) An annotated checklist of Planorbinae (Heterobranchia, Hygrophila, Planorbidae) from northwestern Argentina. Check List 17(6): 1493-1507.
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Agradecimentos especiais ao colega malacologista A. Ignacio Agudo-Padrón pela consultoria técnica e valiosas informações. Agradecemos também aos aquaristas Max Wagner e Miguel Macedo Luz Vieira, e também aos zoólogos Thomas Lamy, Jean-Pierre Pointier, Jéssica Moreira Barth, Alcemar Rodrigues Martello, Flávio Mendes Susana Escobar (Argentina, responsável pelo blog  Moluscos Dulceacuicolas de Argentina ), e também aos fotógrafos Francierlem OliveiraAnderson Rabello Pereira (iNaturalist) e Michelle Delaloye (Argentina, iNaturalist) pela cessão das fotos para o artigo. Agradecimentos também a Fernando Barletta pela doação de alguns animais.


As fotografias de Walther Ishikawa, Michelle Delaloye (iNaturalist), Jean-Pierre Pointier (disponibilizado pelo portal INPN - Inventaire National du Patrimoine Naturel - veja link  aqui ) e Susana Escobar estão licencidas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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