Pyrgophorus Ancey, 1888
Pyrgophorus sp., coletados no Rio São Mateus, em São Mateus ES. Note a escala em milímetros na primeira imagem. Fotos de Acauan Cordeiro.
Introdução
Em Novembro de 2015, foram coletados
diminutos caramujos límnicos de uma espécie desconhecida, no Rio São Mateus (Rio
Cricaré), no município de mesmo nome, Espírito Santo, a cerca de 40km da foz.
Medindo até 3mm, possuíam uma morfologia curiosa, com uma coroa de espinhos na
face apical da concha. Foram identificados como sendo gastrópodes exóticos do
gênero Pyrgophorus Ancey, 1888. Este
gênero já tinha sua ocorrência documentada no Brasil em duas ocasiões, no Pará
(1950) e no Pantanal (1994).
Nos EUA, são chamadas popularmente de “Serrated
Crownsnail”. Como curiosidade, a etimologia do nome é grega, de πύργος
(púrgos, “torre”)
e φέρω (phérō,
“trazer, carregar”), possivelmente uma alusão às projeções da concha.
Pyrgophorus coronatus, medindo 3,3 mm. Concha coletada na praia de Billy´s Bay, St. Elizabeth Parish, Jamaica. Trata-se de uma concha encontrada na praia, sem boa parte do periostraco, mostrando o aspecto rombo dos espinhos, e a cor branca da porção mineral da concha. Foto de Bill Smith, imagem digital original de David Kirsh.
Morfologia
Uma
característica bastante interessante na concha dos Pyrgophorus é seu polimorfismo, este gênero mostra grande variação
nas características da concha, o que já causou grandes confusões no passado, a
mesma espécie sendo identificada como mais de uma. Existem dois tipos
principais de concha, sendo por isso chamado por alguns de espécie dimórfica: o
morfotipo de concha lisa e o morfotipo de concha espinhosa. Na forma lisa, a
espécie pode ser idêntica a outros Hydrobiidae, como os Heleobia ou Potamopyrgus.
Na forma coroada ou espinhosa, apresenta projeções espinhosas triangulares calcárias
que crescem a partir de uma carina na borda superior (ombro) de alguns giros médios
da concha, sem incluir a concha embrionária. Os espinhos são ocos e rombos, mas
o periostraco escuro se estende no local formando uma extremidade achatada e
pontuda. Entre estes dois extremos, há conchas estriadas com esculturas
espirais paralelas, desde finas linhas até fortes cordões.
Existe
um interessante trabalho com Pyrgophorus
platyrachis do sistema de Maracaibo, Venezuela, demostrando que estas
variações na concha são influenciadas pela força da correnteza no rio (mais indivíduos
espinhosos, e mais alongados, sugerindo que a função dos espinhos não é defesa,
mas auxiliar na sustentação do animal na correnteza da água) e quantidade de
matéria orgânica (animais maiores, e com maior abertura da concha).
Mede
cerca de 2~5 mm, a concha é cônica ou cônica-cilíndrica, com cerca de seis
voltas, cor-de-chifre clara. A carena é escura, assim como os espinhos. Suturas
rasas mas bem demarcadas, abertura oval-arredondada, perístoma descontínua. O
opérculo é córneo, ovalado, pauciespiral e de cor castanho-avermelhada escura. Corpo
amarelado com manchas negras, cabeça opaca e negra, tentáculos longos e
avermelhados. Olhos também negros, na base dos tentáculos. Probóscide longa, pé
truncado anteriormente, estreito e arredondado posteriormente.
Tradicionalmente é situada na família
Hydrobiidae, mas alguns autores defendem que pertencem à família Cochliopidae,
baseados em dados anatômicos e moleculares. O número de espécies é
desconhecido, existem cerca de 45 espécies descritas, mas provavelmente há
extensa sinonímia e somente uma minoria é válida. Para a identificação em nível
de espécie, é fundamental a análise da rádula e dos órgãos reprodutores, tanto
masculino quanto feminino. A concha é uma característica secundária na
taxonomia desta família, já que é bastante variável e polimórfica.
Pyrgophorus sp., espécie exótica coletada no Rio Tanninim, Israel. Exemplares vivos na primeira imagem, e conchas das duas morfologias na segunda. Fotos de Oz Rittner.
Distribuição e Habitat
A área de ocorrência deste gênero se estende desde o sul
dos EUA (Texas e Flórida), Golfo do México, Mar do Caribe, as duas faces da
América Central, e norte da América do Sul (Colômbia e Venezuela). É encontrado
como espécie exótica no Havaí, Jordânia e Israel.
Ocorre em habitats de água doce e estuarinos, é mais comum
em cursos baixos de rios costais, muitas vezes associadas à vegetação aquática,
como Chara ou raízes de Pistia stratiotes. Prefere locais com
sedimento fino (arenoso fino ou semi-lodoso). Bastante robustos, são encontrados
em uma ampla faixa de pH (6,9 a 9,5) e GH (21 a 118º dH). São espécies tropicais,
geralmente habitando locais com temperatura entre 29 e 33º C. Podem ser
encontrados em ambientes bastante degradados e poluídos.
Pyrgophorus sp., coletados no Rio São Mateus, em São Mateus ES. Fotos de Acauan Cordeiro.
Reprodução
São espécies dióicas (sexos
separados), ovovivíparas, de desenvolvimento direto. Fêmeas são maiores que
machos, com cerca do dobro das suas dimensões. Geram cerca de 50 embriões por
ciclo, visíveis à dissecação no seu útero através dos ovos transparentes. Há
poucas informações sobre a reprodução propriamente dita.
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Agradecimentos especiais ao amigo biólogo Acauan Cordeiro, que descobriu os caramujos exóticos no Espírito Santo, por nos permitir publicar aqui o seu achado, e também mostrar suas fotos. Agradecemos também a colaboração do biólogo israelense Oz Rittner (Tel Aviv Iniversity, Israel Nature´s Site ) e Bill Frank ( Jacksonville Shell Club ), pelo uso do material fotográfico.
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