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"Pomacea americanista"  
Artigo publicado em 21/10/2018, última edição em 20/11/2022  
Pomacea (Pomella) americanista (Ihering, 1919)

Pomacea (Pomella) sp.1 Burela S, tese, 2021



Juntamente com a Pomacea megastoma, esta espécie de ampularídeo era inicialmente classificada no gênero Pomella (Gray, 1847). Na ocasião, algumas autoridades as consideram como sendo um sub-gênero de Asolene (d'Orbigni, 1837), por ter sido observado um sifão respiratório médio a curto, e similaridades na sua anatomia interna. Porém, além de diferenças no tamanho e forma das conchas, desde o início era visto que os ovos destas espécies eram depositados fora d´água, de forma similar aos Pomacea, mas diferente dos Asolene. O gênero Pomella ainda tem uma terceira espécie,   Pomella sinamarina  , que mostra características bem peculiares, provavelmente um gênero específico.

Estudos genéticos e moleculares realizados em 2009 por Hayes et al. baseados na análise de cinco genes (três nucleares e dois mitocondriais) mostrou que esta espécie está inserida no gênero Pomacea, dentro do clado canaliculata.



A Pomacea americanista é uma espécie de médio porte, animais argentinos criados em cativeiro mediram cerca de 59 mm (máximo de 74 mm). Não tem um aspecto tão neritóide quanto a P. megastoma, mas também é uma espécie adaptada a rios de leito rochoso e rápida correnteza.

Em 2021, a tese da Dra. Fernanda Mariel Gurovich identificou uma terceira espécie habitando os rios de substrato rochoso da região, ainda não descrita formalmente. Será referida aqui como Pomacea sp1. É a menor das três espécies, medindo até 44 mm. 









Pomacea americanista, fêmea. Fotos de Fernanda Gurovich.








Pomacea americanista
, macho. Fotos de Fernanda Gurovich.



Concha: P. americanista possui uma concha tão larga quanto alta, com uma grande abertura, maior do que as outras espécies do gênero. O ápice é pouco elevado. Embora neritóide, mostra um aspecto mais próximo das demais Pomacea, em comparação com o P. megastoma. A cor varia do verde ao marrom claro, geralmente com faixas escuras evidentes. Esta espécie apresenta um dimorfismo sexual mais acentuado do que outras espécies de Pomacea, a fêmea é, em média, 26% maior do que o macho.

A nova espécie descrita na região, Pomacea sp.1 também tem um aspecto neritóide, lembrando até mais a P. megastoma. Mas é a menor espécie das três.

As três espécies possuem dimorfismo sexual também no formato da concha, nas fêmeas a borda anterior da concha cresce perpendicular à superfície do substrato, enquanto que nos machos o ângulo é agudo.







Pomacea americanista, coletada em Puerto Iguazú, Misiones, Argentina, concha com cerca de 3,8 cm. Imagem cedida por Susana Escobar.



Opérculo: O opérculo tem uma espessura média e um aspecto córneo. Sua estrutura é concêntrica com o núcleo próximo do centro da concha. A cor varia de marrom escuro a negro. O opérculo é menor do que a abertura da concha, não permitindo recobri-la quando o animal se retrai.

As três espécies possuem dimorfismo sexual também no formato do opérculo, em adultos. Nas fêmeas, todo o opérculo é côncavo, enquanto que nos machos, a sua borda externa tem uma curvatura convexa.



Corpo: Marrom até quase preto, com manchas amarelas no dorso do pé e em torno da cabeça.

A anatomia externa das partes moles é similar aos demais Pomacea, outra diferença com o P. megastoma. Muitas fontes descrevem um sifão respiratório pequeno, ou mesmo rudimentar. Mas espécies criadas em cativeiro mostram um sifão plenamente desenvolvido, talvez estas observações iniciais reflitam um uso menor de respiração aérea do que outras Pomacea







Casal de Pomacea americanista, fêmea à direita. Fotos de Fernanda Gurovich.




Reprodução: A cópula ocorre de forma habitual, com o macho montando sobre a fêmea e introduzindo seu complexo peniano na cavidade do manto da fêmea. A cópula é longa, durando em média 16 horas (máximo registrado em cativeiro de 36 horas). Oviposição geralmente noturna, em superfícies sólidas verticais, mais comumente rochas parcialmente emersas. Os bebês nascem com cerca de 3,1 mm de concha.

Ovos: Os ovos são depositados fora d´água na forma de uma massa calcária, geralmente fixa em superfícies rochosas lisas e planas. A massa é alongada, comprimento médio de 5~6 cm. O número de ovos por cacho é bastante variável, entre 75 e 300, assim como suas dimensões (2,5~3,8 mm). Os ovos são algo separados entre si, mantendo seu aspecto esférico. Sua coloração imediatamente após a postura é rosa claro, eventualmente com discreto tom alaranjado. Quando seco, adquirem uma cor clara, mas ainda com o tom róseo interno visível. A área exposta dos ovos mostram um curioso padrão de círculos concêntricos até seu ápice. Próximo à eclosão, os ovos adquirem um tom acinzentado ou amarronzado. a 26°C, os ovos eclodiam em 14 a 20 dias. Atingem maturidade sexual mais tardiamente, a fecundidade média da espécie é menor do que outras espécies, e a taxa média de eclosão dos ovos também é menor, de 40%. 


Uma observação interessante feita por pesquisadores argentinos que reproduziram esta espécie é a de que os ovos devem ser periodicamente umedecidos, para que eclodam com sucesso. Os ovos eram borrifados com água a cada dois dias. É uma observação contrastante com outras espécies de Pomacea (onde a umidade excessiva dos ovos é prejudicial), talvez refletindo o habitat bastante úmido e chuvoso do P. americanista. Esta necessidade não foi observada nem em P. megastoma nem na nova espécie Pomacea sp.1.










Postura de ovos e cachos de ovos de 
 Pomacea americanista. Fotos de Fernanda Gurovich.
 


Comportamento: Assim como a Pomacea megastoma, esta espécie é encontrada tipicamente em rios de rápida correnteza e leito rochoso, são curiosas exceções aos típicos habitats ocupados pelas demais espécies de Pomacea, que preferem locais de água estagnada e sem correnteza. São ambientes de água fria e elevada taxa de oxigenação, o que explica o pouco uso do sifão respiratório, possivelmente estas ampulárias têm uma proporção de respiração branquial muito maior do que as demais Pomacea (que essencialmente usam respiração pulmonar). Sua longevidade é grande, estimada em cerca de três anos.








Distribuição geográfica de Pomacea americanista. Imagem original Google Maps; dados de Simone LRL 2006.



Distribuição: Assim como a P. megastoma, em lieratura a espécie tem ocorrência registrada no Brasil, Argentina e Uruguai, no Brasil, são encontrados nos estados do RS, SC e PR.

Porém, hoje sabe-se que P. americanista é endêmica da porção alta da bacia do Rio Paraná e no Rio Iguazú. Tem distribuição mais restrita, é um típico habitante do complexo de cataratas do Iguaçu, que é sua localidade-tipo, e onde são mais numerosos. Muitas vezes é a única espécie de ampularídeo coletada no local. São encontrados numa extensão de cerca de 450 km ao longo destas bacias.

Desta forma, alguns autores ainda questionam a presença desta espécie em território brasileiro, embora ocorra em bacias compartilhadas (fronteira com PR), há autores que consideram-na como sendo a única espécie endêmica argentina de Pomacea.

A espécie nova Pomacea sp. foi encontrada somente em um afluente do Rio Uruguay (Bonito e Acaraguá), até próximo à divisa com o estado brasileiro RS. Porém, registros históricos mostram diversas coletas ao longo do Rio Uruguai, na fronteira entre Brasil e Argentina. Possivelmente muitos dos registros de P. americanista (e P. megastoma) correspondem na realidade a esta nova espécie.


 








 










Pomacea
sp., talvez correspondendo à espécie nova, conchas e cacho de ovos fotografados no Rio do Mel, Derrubadas, RS (Bacia do Alto Uruguai). Fotos de Aisur Ignacio Agudo-Padrón.



Manutenção em aquários: Não são espécies com interesse ornamental, desta forma, praticamente não são encontradas à venda em lojas de aquarismo.


Existem alguns poucos relatos de tentativas de manutenção em cativeiro, tanto por aquaristas quanto biólogos, descrevendo dificuldade de criação em cativeiro. Inicialmente se pensava que isto fosse decorrente dos requerimentos específicos que esta espécie tem, por viverem em habitats de água fria, corrente e elevada taxa de oxigenação, dificilmente reproduzíveis em cativeiro. Mas experiências mais recentes têm mostrado que um substrato sólido e livre de sedimentos parece ser a necessidade principal, com relatos de sucesso em aquários sem correnteza ou aeração.


Poucos dados existem em relação a requerimentos ambientais. Baseados no local onde são encontrados, a temperatura deve ser por volta de 21°C (16~26°C). Como mencionado, trata-se de ambientes de fundo rochoso basáltico, sem substrato, geralmente de águas frias e rápida correnteza.




Bibliografia adicional:

  • Simone LRL. 2006. Land and Freshwater Molluscs of Brazil. EGB, Fapesp. São Paulo, Brazil. 390 pp.
  • Alderson EG. Studies in Ampullaria. W. Heffer & Sons, Cambridge 1925.
  • Hayes K. A., Cowie R. H. & Thiengo S. C. (2009). A global phylogeny of apple snails: Gondwanan origin, generic relationships, and the influence of outgroup choice (Caenogastropoda: Ampullariidae). Biological Journal of the Linnean Society 98(1): 61-76.
  • Cowie RH, Thiengo SC. (2003): The apple snails of the Americas (Mollusca: Gastropoda: Ampullariidae: Asolene, Felipponea, Marisa, Pomacea, Pomella): a nomenclatural and type catalog. Malacologia, 45: 41-100.
  • Hayes KA, Burks RL, Castro-Vazquez A, Darby PC, Heras H, Martín PR, Qiu JW, Thiengo SC, Vega IA, Wada T, Yusa Y, Burela S, Cadierno MP, Cueto JA, Dellagnola FA, Dreon MS, Frassa MV, Giraud-Billoud M, Godoy MS, Ituarte S, Koch E, Matsukura K, Pasquevich MY, Rodriguez C, Saveanu L, Seuffert ME, Strong EE, Sun J, Tamburi NE, Tiecher MJ, Turner RL, Valentine-Darby PL, Cowie RH. Insights from an Integrated View of the Biology of Apple Snails (Caenogastropoda: Ampullariidae). Malacologia, 2015, 58(1-2): 245-302.
  • Agudo-Padrón AI. 2013. Shelling in the Upper Uruguay River Basin Region, Northwestern Rio Grande do Sul State, Southern Brazil. Ellipsaria, 15(1):16-21.
  • Rumi A Gregoric DEG, Núñez V, Darrigran GA. Malacología Latinoamericana: Moluscos de agua dulce de Argentina. Rev. biol. trop, San José, v. 56, n. 1, Mar. 2008.
  • Agudo-Padrón AI. 2009. Recent Terrestrial and Freshwater Molluscs of Rio Grande do Sul State, RS, Southern Brazil Region: A Comprehensive Synthesis and Check List. Visaya April 2009, pages 1-13.
  • Martín PR, Burela S, Tiecher MJ. 2013. Insights into the natural history of ampullariids from the lower Rio de la Plata Basin, Argentina. IUCN/ SSC Newsletter Tentacle, (21): 11-13.
  • Martín PR, Burela S, Gurovich FM. 2015. Ongoing research into the natural history and ecology of an endemic and little known apple snail from the Alto Paraná and Iguazú rivers (Argentina). IUCN/ SSC Newsletter Tentacle, (23): 3-6.
  • Gurovich FM. 2016. Distribución espacial de Pomacea americanista (Caenogastropoda: Ampullariidae), un caracol dulceacuícola endémico de la Mesopotamia Argentina. Boletín de la Asociación Argentina de Malacología, (6): 12-14.
  • Gurovich FM, Burela S, Martín PR. First description of egg masses, oviposition and copulation of a neglected apple snail endemic to the Iguazú and Alto Paraná Rivers. Molluscan Research 2017, 37(4): 242-251.
  • Gurovich FM, Burela S, Martín PR. Life cycle of Pomacea americanista, a poorly known apple snail endemic to the Iguazú and Alto Paraná Rivers, southern South America. Journal of Molluscan Studies. 2017, 84(1): 62-68.
  • Burela S. Historia natural, ciclo de vida y distribución de tres caracoles dulceacuícolas de fondos duros del género Pomacea de la mesopotamia argentina. Tesis doctoral, Departamento de Biología, Bioquímica y Farmacia, Universidad Nacional del Sur. Bahía Blanca, 2021.



Agradecimentos especial à bióloga argentina Dra. Fernanda Gurovich, por gentilmente ceder imagens de seu acervo pessoal para publicação no artigo. Muitas informações do artigo também foram extraídas de publicações da autora. Agradecemos também a Aisur Ignacio Agudo-Padrón, coordenador do portal  Notícias Malacológicas pela cessão de fotos, e ao fotógrafo Paulo Lenhard. Finalmente, agradecemos também a Susana Escobar (Argentina, responsável pelo blog Moluscos Dulceacuicolas de Argentina ) por permitir o uso das suas fotos.


 As fotografias dSusana Escobar estão licenciados sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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