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Medusa de água doce  
Artigo publicado em 28/01/2012, última edição em 20/01/2024  




Medusa de água doce - Craspedacusta sowerbyi Lankester, 1880

 

Sem dúvida alguma, um dos organismos de água doce mais exótico que existe é a Medusa. Com relatos cada vez mais freqüentes de coletas, inclusive no Brasil, uma pergunta muito freqüente entre aquaristas amantes de invertebrados é sobre a possibilidade de manutenção destes seres no aquário. Este pequeno artigo visa esclarecer algumas dúvidas comuns e derrubar alguns mitos sobre estas fascinantes criaturas.






Craspedacusta sowerbyi, animais coletados em Jardim, Mato Grosso do Sul. Imagens cedida por William Marcos da Silva (fotografia de Paulo Robson).



Quando se fala em medusas de água doce, a primeira imagem que vem à mente é de uma pequena água-viva transparente flutuando na água. É nesta forma que esses seres são avistados, detectados em lagoas, e essa é a imagem mais disseminada em publicações e nos meios eletrônicos.

Na realidade, esta forma é chamada de hidromedusa, e representa somente um breve estágio reprodutivo do animal. Boa parte da existência do C. sowerbyi é na forma de diminutos pólipos sésseis. Alguns chegam até a comparar o estágio de hidromedusa com um órgão de frutificação, ou seja, uma ferramenta de vida curta que estes seres usam para a reprodução sexuada, como se fosse um cogumelo.

            A hidromedusa tem um aspecto bem semelhante à de outras águas-vivas marinhas, em forma de sino, medindo entre 5 e 25 mm de diâmetro. Translúcido, costuma ter um leve tom esbranquiçado ou esverdeado. É possível visualizar cinco canais branco-opacos, os quais formam a cavidade gastrovascular, quatro deles radiais e o último mediano dorsoventral. Cerca de 400 tentáculos de comprimentos variados nascem da margem superior do velum, com quatro tentáculos mais longos, cada um deles paralelo a um canal radial.

            Grandes explosões populacionais de hidromedusas ocorrem esporadicamente, documentados em incontáveis locais do globo, mas este é só um aspecto do seu ciclo de vida. Milhares de animais surgem inesperadamente, vivem por algumas semanas e desaparecem sem deixar vestígios.


Pertencendo à família Olindiidae, o C. sowerbyi passa a maior parte da sua existência como diminutas formas polipóides fixas a objetos submersos, praticamente imperceptíveis a olho nu, em colônias de dois a quatro indivíduos, medindo de 5 a 8 mm. Quando se fala em pólipo, as pessoas imaginam um ser parecido com uma hidra, com seus tentáculos. Na realidade, o pólipo do C. sowerbyi tem outro aspecto, é menor e mais atarracado, e não tem tentáculos visíveis. De fato, é uma estrutura que passa facilmente despercebida. Os pólipos também têm um mecanismo de camuflagem, secretando um muco adesivo e agregando partículas do substrato ao seu corpo.

Existe alguma controvérsia em relação a estes pólipos, inclusive com autores defendendo que possa existir uma espécie distinta, Calpasoma dactylopterum Fuhrmann, 1939, da mesma família. Esta só seria encontrada na forma de pólipos solitários com tentáculos (enquanto C. sowerbyi tem pólipos ramificados sem tentáculos). Há registros no Brasil (SP), Argentina e Uruguai.






Craspedacusta sowerbyi, animais coletados no Rio Pelotas, Reservatório da UHE Barra Grande – SC/RS. Fotos de Érico Porto Filho.



            Até há pouco tempo se acreditava que era uma espécie originalmente sul-americana, mas hoje se sabe que é nativa da China, mais precisamente do Rio Yangtzé. Invasor de vários países, com registros em todos os continentes. No Brasil, há ocorrências registradas nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Goiás, Tocantins e Mato Grosso do Sul. É mais comumente encontrado em locais rasos e quentes, com pouca ou nenhuma correnteza, muitas vezes em corpos d´água artificiais como lagos ornamentais. Costumam ficar repousando no fundo, nadando somente para procurar alimento ou fugir de predadores.




Distribuição geográfica de Craspedacusta sowerbyi no Brasil. Imagem original Google Maps; dados extraídos das fontes bibliográficas abaixo.


 




Medusas que surgiram em grande quantidade em uma lagoa de Ariranha do Ivaí, PR. Vídeos gentilmente cedidos por Lary Thornwillow.




O C. sowerbyi pode ter reprodução sexuada ou assexuada, predominando a segunda forma. Hidromedusas se reproduzem de forma sexuada, eliminando gametas na água. Dos ovos fertilizados nascem larvas (plânulas ciliadas), que se fixam e sofrem metamorfose para pólipos. Os pólipos se reproduzem de forma assexuada por brotamento, podendo gerar três tipos de descendentes: as hidromedusas, os pólipos filhos que permanecem fixos à mãe, ou ainda larvas (frústulas) que se movem até outros locais para então se transformar em novos pólipos. Pólipos são bem mais resistentes a baixas temperaturas, e em condições mais extremas podem hibernar na forma dormente de podocistos, de aspecto esférico e revestido por uma membrana quitinosa. Quase sempre as populações de C. sowerbyi são compostas exclusivamente de indivíduos machos ou fêmeas, sendo bem incomum o encontro simultâneo de medusas de ambos os sexos num mesmo habitat. Desta forma, a reprodução sexuada destes animais é um evento bastante raro.

            As hidromedusas só são geradas esporadicamente, em grandes explosões populacionais nos meses mais quentes do ano, mas podendo-se passar vários anos entre estes eventos. Tudo leva a crer que estes animais sejam bastante comuns na natureza, muito mais do que se imagina, mas a metamorfose para a forma natante que é incomum. O principal fator desencadeante parece ser a temperatura, mas muitos outros elementos parecem interferir, como a abundância de alimentos (população de zooplâncton), pH e dureza.

 

            Como outros cnidários, o C. sowerbyi é um predador oportunista, se alimentando de pequenos animais, preferindo zooplâncton de maiores dimensões, como copépodos. Tanto o pólipo quanto a hidromedusa têm nematocistos urticantes que utilizam para capturar suas presas. Existem até relatos de pólipos predando pequenos alevinos. Pelas suas pequenas dimensões, não oferecem perigo a seres humanos.




Colônia de pólipos de Craspedacusta sowerbyi. Imagem cedida por Gen-yu Sasaki.




Colônia de pólipos de Craspedacusta sowerbyi, aderidos a um mexilhão-zebra no Lago Michigan, fotografados em Chicago, Illinois, EUA. Imagem cortesia de Thomas Everest.


 


            A possibilidade de manutenção destes seres em aquários é bastante tentadora, mas existem várias dificuldades.

            Antes de qualquer coisa, vale à pena lembrar que a forma livre de hidromedusa é somente um estágio reprodutivo breve, mesmo que estas pequenas medusas sejam coletadas na natureza e oferecidas as melhores condições (existem diversos relatos na internet), estes seres têm vida curta, morrendo em poucas semanas.

Como agravante, as populações costuma ser compostas exclusivamente de indivíduos do mesmo sexo, dificultando bastante a reprodução sexuada. Somente se indivíduos fossem coletados em ambientes distintos, e torcer para que sejam de sexos diferentes. E hidromedusas não geram pólipos, somente o oposto. Não havendo parceiros, as medusas morrem sem deixar descendente.

Uma opção interessante seria coletar pólipos na natureza, criá-los e induzi-los a gerarem medusas. Porém, são seres minúsculos e de difícil caracterização, praticamente impossíveis de serem identificados. E não se sabe ainda quais são os gatilhos ambientais que levam à formação de hidromedusas a partir dos pólipos. Alguns criadores japoneses sugerem a coleta de plantas, pedras, folhas e outros objetos de corpos d´água onde já foram avistadas medusas, e procurar pólipos nestes objetos. Ou ainda, manter estes objetos em aquários, e colocar uma chapa de vidro dentro do filtro, e depois de algum tempo procurar pólipos neste vidro.





Dezenas de bebês medusa que surgiram em um aquário de 170 litros, vídeo gentilmente cedido por Leandro Natal.



 


Close nos tentáculos de uma medusa se alimentando de náuplios de Artêmia. Imagem cedida por Gen-yu Sasaki.





Se alguém for tentar a criação, alguns criadores japoneses (como Gen-yu Sasaki e Ryuta Miyakawa) têm algumas dicas interessantes:

 

● O aquário não precisa ser muito grande (1 a 2 litros é o suficiente).

● Não deve ter cascalho, plantas ou enfeites.

● Não deve ter nenhum sistema de filtragem nem aeração, mantido somente com TPAs. A própria correnteza ou bolhas de ar podem causar lesões nas medusas.

● São muito sensíveis a cloro e outras substâncias químicas, assim como variações bruscas de parâmetros, inclusive temperatura.

Idealmente, um aporte constante de zooplâncton deve ser oferecido, como náuplios de artêmia, após cuidadosamente retirado o sal. Aceitam também dáfnias e bloodworms congelados. Uma forma de minimizar resíduos é oferecer diretamente estes alimentos na região dos tentáculos, usando uma pipeta.

● A água deve ser mantida sempre muito limpa. Uma dica interessante é montar dois pequenos aquários, com os mesmos parâmetros. E depois da alimentação, remover a própria medusa do primeiro tanque e transferi-lo ao segundo. Só aí limpar o primeiro aquário e prepara-lo para receber a medusa após a próxima alimentação.

● São seres extremamente frágeis, nunca podem ser capturados com redinhas, nem ao menos removidos da água. Qualquer manipulação deve ser feita junto com a água, com um copinho ou com uma colher.

● O fundo do aquário deve ser mantido completamente limpo. O contato dos tentáculos com detritos de fundo vai levar a infecções bacterianas.

● O próprio contato do corpo da medusa com o ar vai feri-lo. A ingestão ou retenção de bolhas de ar no seu corpo irá impossibilitar seu nado, levando-o à morte. Muita atenção durante o transporte destes animais.

● Nunca é demais lembrar que precisa ser um tanque dedicado, estes cnidários podem predar alevinos, matar ou causar ferimentos em peixes maiores. Ou serem predados ou feridos por outros animais.





 

Outras imagens da Medusa Craspedacusta sowerbyi, cedidas por William Marcos da Silva (fotografia de Paulo Robson).



 

Bibliografia:

  • Silva WM, Roche KF. Occurrence of the freshwater jellyfish Craspedacusta sowerbii (Lankester, 1880) (Hydrozoa, Limnomedusae) in a calcareous lake in Mato Grosso do Sul, Brazil. Biota Neotrop. 2007; 7(1).
  • Schwarzbold AA, Volkmer-Ribeiro C, Vasconcelos MC, Schneck F, Sponchiado M. Ocorrência de Craspedacusta sowerbii (Hydrozoa: Limnomedusae) (Lankester, 1880) no reservatório da Usina Hidrelétrica 14 de Julho, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, 2010. 8(3): 305-307.
  • Porto-Filho É, Martins CN, Rosa BS, Correa E, Duarte C, Arcadi RM. Primeiro registro de ocorrência de cnidários nas águas superficiais do Rio Pelotas no reservatório da UHE Barra Grande-SC/RS. In: Porto-Filho É. (Coord.). Simpósio UFSC “Ecologia de Reservatórios - Limnologia de Reservatórios Profundos”, Itá - SC, Julho 16-19 de 2006, resumo no. 59.
  • http://nas.er.usgs.gov/queries/factsheet.aspx?SpeciesID=1068
  • http://www.geocities.co.jp/HeartLand-Suzuran/4566/
  • http://bios.sakura.ne.jp/gf/sowerbyi/index.html
  • Latini AO, Resende DC, Pombo VB, Coradin L. (Org.). Espécies exóticas invasoras de águas continentais no Brasil. Brasília: MMA, 2016. 791p. (Série Biodiversidade, 39)
  • Ramos ASJC, Peronti ALBG, Kondo T, Lemos RNS. First record of Craspedacusta sowerbii Lankester, 1880 (Hydrozoa, Limnomedusae) in a natural freshwater lagoon of Uruguay, with notes on polyp stage in captivity. Braz J Biol. 2017 Nov;77(4):87-90.
  • Deserti MI, Stampar SN, Acuña FH. (2023). Diversity of freshwater hydrozoans from Neotropical region: an annotated inventory of species. Revista de Biología Tropical, 71; 9-2023; 1-21.


Agradecimentos a William Marcos da Silva, o zoólogo que descreveu a presença destas medusas em uma lagoa no Mato Grosso do Sul, assim como a Paulo Robson, autor das belíssimas fotos. Agradecemos também a Érico Porto-Filho, o zoólogo que descreveu a presença destes animais em um reservatório de Santa Catarina. Estas imagens foram cedidas para publicação no nosso site, e a maioria delas é inédita. Agradecemos ao malacologista Aisur Ignacio Agudo-Padrón, pela consultoria, e contato com a equipe catarinense.


Agradecimentos também ao aquarista Leandro Natal, a Lary Thornwillow, a Thomas Everest (iNaturalist) e ao zoólogo japonês Gen-yu Sasaki, pela cessão do vídeo e fotos para o artigo, e valiosas informações. Veja também alguns incríveis artigos de Gen-yu Sasaki sobre a reprodução destes animais na seção de  artigos.

 
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