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Mixomicetos  
Artigo publicado em 30/01/2012, última edição em 09/05/2022  


Mixomicetos

 

Pode causar estranheza a alguns a inclusão de mixomicetos nesta seção de “outros invertebrados”, já que são seres comumente identificados como fungos ou algas. No entanto, na realidade estes seres não são animais, nem plantas, nem fungos, pertencendo a outro reino.

É um dos organismos mais bizarros que podem aparecer nos nossos aquários. Surgem como estruturas planas em forma de uma fina rede ou teia, recobrindo vidros do aquário ou objetos submersos, caminhando muito lentamente sobre estas superfícies.

 


Plasmódio de mixomiceto no vidro do aquário, provavelmente do gênero Didymium. Imagem cedida por Leandro Souza Araújo.



Taxonomia

 

Nem animais, nem plantas, nem fungos, mas possuindo algumas características semelhantes a estes organismos. São atualmente incluídos nos Protozoários (grupo parafilético conhecido como reino Protista), onde estão classificados no infrafilo Mycetozoa. A classe Myxogastria compreende os mixomicetos macroscópicos, visíveis a olho nu, que serão abordados neste artigo. Formam massas mucilaginosas semelhantes a gelatina sobre a superfície de matéria orgânica em decomposição, reproduzem-se através de esporos como os fungos, mas se movem e ingerem alimentos como animais.

Antigamente eram classificados como fungos, e mesmo hoje, geralmente são estudados por micologistas, sua nomenclatura taxonômica segue aquela utilizada para fungos. São conhecidas cerca de 900 espécies. Mixomicetos são organismos essencialmente terrestres mas alguns vivem em ambientes aquáticos, são descritas espécies dos gêneros Didymium, Diderma, Badhamia, Physarum, Perichaena, Fuligo, Comatricha e Licea (todas da ordem Physarales). A única espécie que frutifica submersa é Didymium difforme, as demais precisam emergir para formar corpos de frutificação.

Seu nome popular em inglês é “slime mould” (algo como “bolor de gosma”), em português são denominados simplesmente de mixomicetos ("fungo-muco"), bolor limoso ou fungo mucilaginoso. Alguns se referem a eles como micetozoários (“animais-fungos”), o que é uma ótima denominação. Uma perfeita definição destes seres bizarros que li uma vez na net (infelizmente não lembro a fonte) é a de “uma ameba gigante que vira um cogumelo para se reproduzir”.


 



Plasmódios de mixomicetos no vidro do aquário, provável Didymium sp. Imagens cedidas por Leandro Souza Araújo.





Ciclo de vida dos Mixomicetos. As etapas haplóides estão em amarelo, e as diplóides em azul. Nas três fotos, as estruturas macroscópicas visíveis a olho nu destes organismos. Veja mais detalhes no texto. Ilustração e fotos de Walther Ishikawa.



Ciclo de vida

 

São seres cosmopolitas, mais comuns em regiões temperadas, alimentando-se de micro-organismos que vivem em matéria orgânica vegetal em decomposição. Preferem ambientes mais úmidos, sendo comuns em bosques e florestas, sobretudo no solo e em troncos. Geralmente são pequenos, mas algumas espécies podem atingir grandes dimensões (há registros de até 5,5 metros quadrados em Physarum). Sua coloração é variável, alguns têm cores vivas, como amarelo e laranja, e existem espécies bioluminescentes.

Nascem de esporos, e iniciam sua existência como organismos microscópicos, unicelulares e haplóides, possuindo duas formas intercambiáveis, ameboide e flagelada (célula de enxame). Se o esporo eclodir em um ambiente aquático, será uma célula flagelada. Se for em um local seco, será ameboide. Em condições adversas, podem secretar uma fina parede e formar um microcisto dormente. As duas formas alimentam-se de bactérias, e se multiplicam por divisão, como fazem as amebas. Se as condições forem favoráveis, estas células haplóides irão se comportar como gametas, fundindo-se e formando células diploides, numa forma bem primitiva de reprodução sexuada. O interessante é que as formas ameboides se fundem somente com células ameboides, e as flageladas, somente com células flageladas.

Os zigotos produzidos por esta via se fundem uns aos outros (singamia), formam um grande massa colonial, os plasmódios, que são organismos multinucleados mas sem membranas celulares dividindo-as, chamada de sincício. Alguns se referem a estas estruturas como “super-célula”, basicamente um grande saco de citoplasma com uma única membrana celular envolvente, contendo milhares de núcleos. Podem atingir mais de um metro de extensão, e pesar 20 kg, apesar de continuar sendo somente uma única célula. Quando cresce, todos os seus núcleos se dividem simultaneamente.




Dois plasmódios de mixomicetos caminhando pelo vidro do aquário. O horário das fotos está abaixo da terceira foto. Imagens cedidas por Leandro Souza Araújo.

 

É nesta fase de plasmódio que eles podem ser encontrados em aquários, como uma extensa rede interconectada de ramificações protoplásmicas. Observando estas ramificações em um microscópio, é possível a visualização de um rápido fluxo de protoplasma em vários sentidos, e mudanças rápidas no seu padrão de fluxo, com acelerações, desacelerações e inversões de fluxo. A movimentação do mixomiceto sobre as superfícies (como o vidro do aquário) é conseguida através de um fluxo de citoplasma através das ramificações em um determinado sentido, avançando em formato de leque, com retração no fluxo em sentido oposto. Ou seja, como uma grande ameba, estes seres realmente “caminham” sobre a superfície, ao contrário de uma alga ou fungo crescendo sobre a estrutura, através de divisão celular. Por incrível que pareça, é a mesma célula ramificada que está se "esticando" em alguma direção pelo vidro do aquário. A velocidade deste movimento é incrivelmente rápida, podendo chegar a 1 mm por segundo, a nível celular (a velocidade macroscópica do plasmódio é bem menor).

O plasmódio pode se dividir, formando dois ou mais organismos-filhos. Da mesma forma, quando dois plasmódios geneticamente compatíveis se encontram, eles podem se fundir, formando um organismo maior. À medida que caminha, o mixomiceto se alimenta de forma semelhante a uma ameba, fagocitando bactérias, fungos e matéria orgânica que encontra no caminho. Possui capacidades quimostáticas e fototropismo negativo, procurando ativamente nutrientes e afastando-se de substâncias tóxicas e da luz.







Um grande plasmódio no vidro de um aquaterrário. Imagens de Walther Ishikawa.








Esclerócio no mesmo aquaterrário das imagens acima. Imagens de Walther Ishikawa.







Plasmodiocarpos (corpos de frutificação) que surgiram no mesmo aquaterrário. O aspecto lembra Didymium serpula. Foto de Walther Ishikawa.




Em condições secas e adversas, o plasmódio pode formar um esclerócio, um estado encistado seco e dormente, formado por múltiplos macrocistos. Quando o ambiente volta e ficar úmido, o esclerócio absorve umidade, e se torna novamente um plasmódio ativo. Quando o alimento se esgota, o plasmódio migra para fora do substrato, desta vez como fototropismo positivo (por exemplo, saindo do interior do tronco e se dirigindo para sua superfície) sofrendo uma transformação para o próximo estágio do seu ciclo de vida, tornando-se um corpo de frutificação estático, onde ocorre a meiose. Liberam os esporos, de onde nascem as amebas, reiniciando o ciclo. Os esporos são muito resistentes, podendo sobreviver décadas (há registros de até 75 anos) até que as condições se tornem novamente adequadas.





Corpos de frutificação que surgiram em um paludário na República Checa, provável Metatrichia. Foto cortesia de Jana K
ůdelová.










Diversos corpos de frutificação de Mixomicetos que surgiram no mesmo aquaterrário das fotos anteriores. Os dois prmeiros são provavelmente Trichiales. O terceiro lembra Echinosteliales, e a última pode ser Physarales ou Stemonitales. Imagens de Walther Ishikawa.









Ceratiomyxa fruticulosa
, fotografada em Águas da Prata, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Geralmente os corpos de frutificação têm aspecto pediculado muito semelhante a um pequenino cogumelo. Chamados de Esporângios, possuem uma haste acelular e uma extremidade arredondada (capillitum), contendo os esporos. Outras formas possíveis são os Plasmodiocarpos (massa de esporos de aspecto plano e reticulado, remanescente da forma ramificada do plasmódio), Etálio (massa séssil em forma de almofada) e Pseudoetálio (massa fundida de Esporângios, que lembra o Etálio). A identificação das espécies de Mixomicetos é baseada principalmente na análise dos corpos de frutificação. Das cinco ordens, Liceales (~160 espécies) não possuem um capillitum verdadeiro. Echinosteliales (somente 20 espécies) possuem corpos de frutificação muito pequenos, menores do que 0,5 mm de altura. Das três restantes, Trichiales (190 espécies) pode ser identificada pela massa de esporos com um colorido vivo (assim como Liceales). Physarales (maior grupo, 420 espécies) e Stemonitales (220 espécies) têm a massa escura, mas somente a primeira tem carbonato de cálcio no corpo de frutificação.


Variações deste ciclo de vida básico podem ocorrer, e podem ser relativamente comuns. Por exemplo, pode não ocorrer meiose na formação dos esporos, e todo o ciclo de vida ocorrer num estado diplóide (apomixis). Nesta situação, a forma ameboide não atua como gameta, e através de divisão nuclear sincrônica produz o plasmódio. Estes padrões podem ocorrer numa mesma espécie, podendo converter de um ciclo sexual para um apomíctico intercalando gerações.



 


Um plasmódio de Stemonitis fusca emergindo de um tronco, formando um corpo de frutificação. Imagem de Walther Ishikawa.



Sequência de fotos mostrando um Stemonitis fusca formando um corpo de frutificação. O horário das fotos está indicado. Imagens de Walther Ishikawa.



Esporângio de Stemonitis fusca em um paludário. É o mesmo organismo das fotos anteriores, no dia seguinte das fotos acima. Imagem de Walther Ishikawa.



GIF animado mostrando o crescimento e movimentação de um mixomiceto no solo, fotografado em Ubatuba, SP. Imagens de Walther Ishikawa.



Curiosidades

 

            Os mixomicetos mostram vários comportamentos bem interessantes. Experimentos sugerem que estes organismos possuem uma espécie de “proto-inteligência”, mesmo sem possuírem sistema nervoso, não passando de uma simples massa celular multinucleada:

  • Quando uma massa de plasmódio é dividida em dois, os dois organismos tentam achar algum caminho para se fundirem novamente.
  • Possuem habilidade de aprendizado e de predizerem condições periódicas desfavoráveis em experimentos de laboratório.
  • Conseguem sair de labirintos, procurando comida.
  • Seu padrão de crescimento mostra um "padrão inteligente" de formação de ramos. Alguns trabalhos fizeram mixomicetos crescerem sobre mapas com obstáculos, miniaturas das cidades de Londres e Tóquio. E os organismos cresceram com um padrão idêntico à rede ferroviária destas cidades, “descobrindo” caminhos mais eficazes para conectar pontos-chave destes mapas.
  • Existe até um robô japonês/britânico hexápode "comandado" por um mixomiceto! Conectado remotamente a um Physarum, o robô se dirigia a locais mais escuros, exatamente como o Mixomiceto se comportaria.
  • Algumas espécies são comestíveis, a Fuligo é considerada uma iguaria no México.






Mixomicetos sobre uma bromélia, fotografados em Ubatuba, SP. A penúltima imagem mostra melhor corpos de frutificação, aparentemente uma combinação de Esporângios e Plasmodiocarpos. A última foto mostra cápsulas de Esporângios, já sem os esporos. Fotos de Walther Ishikawa.





Dois mixomicetos encontrandos na superfície da água, em um local sem correnteza próximo à cachoeira Cascatinha, em Águas da Prata, SP. Provável Didymium sp., note a coloração. Fotos de Walther Ishikawa.



Mixomicetos em aquários

 

Há registros de plasmódios de Mixomicetos crescendo em aquários desde 1886, quando Ward observou Didymium difforme crescendo em raízes de aguapé em meio de cultura, inclusive com a formação de corpos de frutificação submersos. Mesmo hoje, a maioria dos Mixomicetos que surgem em aquários domésticos pertence ao gênero Didymium (há registros também de Diderma).

Quando surgem em aquários, os mixomicetos não são prejudiciais às plantas ou animais. Não são parasitas, não causam doenças e não produzem toxinas. Alimentam-se de algas verdes e diatomáceas, contribuindo até para a limpeza do vidro e objetos submersos. Não respondem a tratamentos com antibióticos ou antifúngicos, e além disso, não há a mínima necessidade de combatê-los. Suas aparições em aquários não são muito comuns, desta forma, as informações são escassas. Surgem misteriosamente, e em dias ou semanas desapareceram espontaneamente. Quando cultivados em aquários dedicados (por exemplo, em laboratórios), podem ser mantidos por um tempo maior, há registros de até 76 dias.

Muitos destes Mixomicetos que surgem em habitats aquáticos (inclusive aquários) são verdes. Parece haver uma associação entre estes organismos e micro-algas, como Trebouxia, que passam a viver no citoplasma dos plasmódios, com uma associação simbiótica e conferindo uma cor esverdeada. Há descrição também destas relações em algumas espécies terrestres, com associações com algas ou cianobactéria.   

 







Mixomicetos que surgiram em um aquário, sobre um tronco
, provável Didymium sp. Imagens cedidas por Eduardo Schasko.



Fontes:

  • Wikipedia
  • http://www.newscientist.com/article/dn8718-robot-moved-by-a-slime-moulds-fears.html
  • http://discovermagazine.com/2009/jan/071
  • http://www.abc.net.au/science/news/stories/s189608.htm
  • http://seedmagazine.com/content/article/sentient_slime/
  • Rollins AW, Stephenson SL. Global distribution and ecology of myxomycetes. Plant Biology, 12(1): 1-14, 2011.
  • Tamayama M, Keller HW. Aquatic myxomycetes. 2013. FUNGI 6(3): 18-24.
  • Sevindik M, Bal C, Yilmazkaya D, Akgül H, Ergül CC. Distribution and ecology of myxomycetes. 2019. New Horizons in Science and Mathematics. Yayın Yeri: Gece Publishing. Türkiye, Ankara. 79-96.
  • Lindley LA, Stephenson SL, Spiegel FW. Protostelids and myxomycetes isolated from aquatic habitats. Mycologia. 2007 Jul-Aug;99(4):504-9.


Agradecimentos aos amigos aquaristas Leandro Souza Araújo, Eduardo Schasko e Jana Kůdelová (República Checa) pela cessão de fotos para o artigo.


As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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