Artigo publicado em 23/07/2012, última edição em 11/03/2023
Briozoários
Briozoários são pequenos
invertebrados coloniais, bastante comuns no mar, mas que ocorrem também em água
doce. São animais belos e fascinantes, que formam intrincadas colônias.
Pertencem ao filo Ectoprocta,
resultado da divisão do antigo filo Bryozoa. No Brasil, as espécies de água
doce são representadas pela classe Phylactolaemata. Apesar da atual
classificação, continuam sendo chamados popularmente de “briozoários”, ou de
“animais-musgo” (“moss animals”, Bryozoa - do grego bryon, musgo + zoon, animal).
Embora muito menos numerosos do que no mar (cerca de 3500 espécies vivas descritas), existem muitas espécies interessantes de água doce, cerca de 35 espécies neotropiciais, a maioria da classe Phylactolaemata
(30, restrita às águas continentais), e ordem Ctenostomata (classe Gymnolaemata, maioria marinhos). Os gêneros conhecidos no Brasil são:
Phylactolaemata - lophophore em "U", exceto Fredericella (circular). >20 tentáculos:
Tapajosella elongata - amazônica
Fredericella - 3 espécies, a mais comum F. sultana
Stolella - 3 espécies, a mais comum S. agilis
Plumatella - 9 espécies, as mais comuns P. emarginata e P. casmiana
Lophopus jheringi - RS, colônia globular, não ramificada
Briozoários são organismos
coloniais, sésseis e cosmopolitas. A única exceção é o gênero Monobryozoon,
não-séssil, que vive entre grânulos de areia no fundo do mar. Algumas espécies têm
relações comensais com outros organismos, inclusive algumas dulcícolas, que
crescem entrelaçadas a esponjas. Existem até algumas espécies marinhas
bioluminescentes. Vivem em águas
limpidas, se alimentando de plâncton.
Uma colônia de briozoário, provável Cristatella mucedo. Imagens gentilmente cedidas por Daniel Stoupin, assim como a primeira foto do artigo.
Colônias de briozoários crescem a
partir de um único indivíduo, que após sua fase larval livre se fixa em algum
substrato sólido, e começa sua reprodução assexuada por brotamento. Desta
forma, toda colônia de briozoários é formada por clones do primeiro animal, que
é chamada de ancestrula. Os indivíduos dentro da colônia são chamados de
zoóides, cada zoóide mora dentro de uma cápsula secretada pelo organismo
(zooecium), que pode ser de diferentes formas, e interconectadas de diferentes
maneiras, dependendo da sua morfologia. As paredes dessas zooecia são
reforçadas por diferentes substâncias sólidas, as mais comuns são quitina,
carbonato de cálcio ou uma combinação de ambos. Cada zooecium tem uma abertura
no topo, por onde o animal extende seu anel de tentáculos (chamado lophophore)
quando se alimenta. Semelhante a cracas e poliquetas marinhos, estes tentáculos
são rapidamente retraídos ao menos sinal de perigo. Algumas espécies
estrangeiras (Pectinella) produzem
também uma matriz gelatinosa no zooecium, formando grandes colônias arredondas
e translúcidas parecidas com “cérebros”.
Uma grande colônia do briozoário Pectinella magnifica, fotografada no Lago Table Rock, Missouri (esta espécie não ocorre no Brasil). Fotos gentilmente cedidas por Karen Montgomery.
Dentro das colônias, os zoóides
não ficam totalmente isolados, cada um deles é conectado com seu vizinho por um
canal de protoplasma, permitindo assim um fluxo de nutrientes entre os
indivíduos.
A maioria das colônias são
totalmente sésseis, mas existem espécies (especialmente dentre as dulcícolas)
que conseguem lentamente “caminhar”. Algumas espécies de Cristatella
podem se mover até 10 cm por dia. Mas o recorde é de uma espécie marinha
australiana, Selenaria maculata, com uma colônia em forma de disco que
literalmente caminha sobre seus tentáculos, numa velocidade de um metro por
hora.
Todos os briozoários são hermafroditas, apesar das colônias crescerem de
forma assexuada, novas colônias podem ser formadas por reprodução sexuada ou
assexuada. Na reprodução sexuada, geralmente os gametas são liberados
diretamente na água, mas em algumas espécies a fecundação é interna, com
variadas formas de cuidado parental. São liberadas na forma de uma “larva”
natante, na realidade uma pequena colônia formada por um a quatro zooides envolta
por um manto ciliado. Nadam por cerca de 24 horas, encontram um substrato
adequado, o manto se desprende a uma nova colônia tem início. 30 minutos após a
fixação, os lophophoros já são estendidos para capturar alimentos.
A maioria das espécies dulcícolas (todas as brasileiras) também se reproduz de
forma assexuada através da liberação de formas capsuladas ovóides chamadas de
estatoblastos, resistentes à dissecação, frio extremo, toxinas e anóxia, liberados
muitas vezes em número muito grande. Já foram registradas até 800.000 de Plumatella por metro quadrado na costa
do lago Michigan, nos EUA. Medindo cerca de um milímetro, podem ser vistos a
olho nu como um sedimento marrom enegrecido junto às margens d´água. Permanecem
dormentes por um período de um a seis meses, e eclodem quando as condições
voltam a ser favoráveis. Estes estatoblastos são muito resistentes, já foram documentados
casos de organismos dispersos através de aves migratórias, com estatoblastos
resistindo intactos ao trato digestivo destas aves.
Briozoários que surgiram em um lago externo em Mönchengladbach, Alemanha. Fotos gentilmente cedidas por Wolfgang Gerkes.
Briozoários que surgiram em um lago externo em Mönchengladbach, Alemanha. Juntamente a estes animais, podem ser vistos também protozoários coloniais Vorticella. Fotos gentilmente cedidas por Wolfgang Gerkes.
Briozoários no aquário
Os Briozoários são, com alguma frequência, encontrados em aquários de água
doce. Por serem animais que preferem locais escuros, corrente de água, e
partículas em suspensão, os locais mais comumente encontrados é no interior de
filtros. Podem ser detectados também aderidos a troncos e plantas aquáticas,
mas geralmente em locais de maior movimentação de água, como próximos à saída
de filtros. Algumas espécies são mais resistentes a extremos de temperatura
(como a Internectella, do mesmo grupo
da Fredericella, que vive em águas
termais de até 37º C), mas todas elas são sensíveis a poluentes e outras
substâncias tóxicas, sendo muitas vezes usadas como indicadores da qualidade
d´água. Na realidade, estes organismos possuem estruturas hibernantes que
permitem à colônia sobreviver em condições bastante adversas, com um novo
crescimento da colônia após sua aparente morte. Mas um crescimento exuberante
da colônia só ocorre se as condições estiverem adequadas.
Colônia de briozoário sobre um musgo, em um aquário plantado. Foto de Felipe Aoki.
Uma grande colônia de briozoário encontrado no interior de um filtro, fotos de Airton Zanetti.
Desde o século 18, espécies dulcícolas, inclusive de gêneros encontrados no
Brasil (como Fredericella
e Plumatella)
causam sérios problemas de entupimento de encanamentos de abastecimento de água,
nos canos que recebem água não-tratada de reservatórios naturais. Desta forma,
seria de se esperar que causassem problemas semelhantes em aquários, obstruindo
canos de filtros, etc. Por um motivo desconhecido, isto não acontece, talvez
por serem animais mais sensíveis, que não têm um crescimento tão explosivo no
ambiente do aquário.
Colônia de briozoários que surgiram em um aquário ornamental, vídeo e foto cortesia de Fabio F. Murakami.
Da mesma forma, a detecção destes animais no aquário não deve ser motivo de
preocupação, como ocorreria nas explosões populacionais de vermes oligoquetas
ou ostracóides. Pelo contrário, estes seres proliferam somente em aquários maturados
e estáveis, representando um ótimo bio-indicador de que o aquário vai bem! Só é importante lembrar que Briozoários fazem parte da dieta natural de diversos animais, como diversos peixes de fundo, como cascudos. Em especial, as Ampulárias são grandes devoradoras de Briozoários, e não devem ser mantidos junto com estes animais.
Colônia de briozoário em um tronco, no aquário. Foto de Daniel Machado.
Briozoários no sump, aderida ao vidro. Foto de Daniel Machado.
Colônia de briozoário em uma rocha, no aquário. Fotos de Daniel Machado.
Bibliografia:
http://www.biota.org.br/
http://www.earthlife.net/
http://www.bryotechnologies.com/
Wood TS, Liebbe MCO.
Chapter 13 - Phylum Ectoprocta (Bryozoa), Editor(s): James H. Thorp, D.
Christopher Rogers, Thorp and Covich's Freshwater Invertebrates (Fourth
Edition), Academic Press, 2015, p. 487-501.
Artigo escrito por Walther Ishikawa, com colaboração de João
Victor Lucas.
Agradecimentos aos colegas aquaristas Airton Zanetti, Daniel Machado e Fabio F. Murakami, ao colega alemão Wolfgang Gerkes, e à colega norte-americana Karen Montgomery pela cessão das fotos para o artigo. Outras fotos foram cedidas pelo zoólogo e fotógrafo Daniel Stoupin, que mantém uma fantástica página sobre macrofotografia, Microworlds. E parte deste artigo foi baseado nas informações do EarthLife Web, uma ambiciosa iniciativa do biólogo Gordon Ramel em
sistematizar as informações sobre as formas de vida do planeta, ao qual também somos gratos.