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Nemertinos  
Artigo publicado em 25/07/2015, última edição em 24/10/2023  




Nemertinos


Nemertea é um pequeno filo de vermes, representados por cerca de 1200 espécies. A maioria é marinha, bentônica, sendo mais comumente encontrada em águas rasas. Poucas espécies vivem em água doce ou são terrestres.


Já foram classificados como uma ramificação dos Platelmintos (como as Planárias), com os quais são frequentemente confundidos. Mas evidências recentes embriológicas e moleculares apontam uma relação filogenética com moluscos e anelídeos. Lembram os Platelmintos no sentido de serem vermes achatados não-segmentados. Mas ao contrário destes, possuem um intestino completo com boca e ânus, e um sistema vascular fechado. O artigo sobre as Planárias pode ser acessado  aqui


Alongados, alguns são excepcionalmente longos e finos, parecendo uma longa fita, sendo chamados em inglês de “Ribbon worms”. Algumas espécies medem somente alguns milímetros, mas o Verme-cordão-de-bota Lineus longissimus detém o recorde de animal mais comprido do mundo, com registros de espécimes medindo até 30 metros de comprimento (mais longo do que uma Baleia-azul!), e poucos milímetros de largura. Há um registro histórico de 1864 de um verme de 55 metros.




Lineus longissimus, espécie marinha fotografada no Estreito de Menai, Llanfaglan, País de Gales, Reino Unido. O animal mais longo do planeta. Fotografia de Sion Roberts.



A característica mais distinta deste filo é a presença de uma grande probóscide eversível e retrátil, usada para capturar alimentos, quando esticada pode ser mais longa do que o próprio animal. Outro nome comum em inglês para estes vermes é “Proboscis worms”. A probóscide pode se destacar após evertida, atuando como um mecanismo de defesa, regenerando-se rapidamente. Para capturar suas presas, a probóscide é rapidamente disparada da sua cavidade, alguns nemertinos têm a probóscide armada com pequenas farpas, em outras ela não é armada, mas secreta um fluido viscoso, tóxico e aderente. Enrola-se na presa, e secreções tóxicas são usadas, eventualmente injetadas através das farpas, imobilizando-a. Geralmente os nemertinos são carnívoros e predadores, alimentando-se de pequenos invertebrados como crustáceos e anelídeos, alguns com dietas especializadas em somente uma espécie de presa. Alguns poucos são comensais em cavidades do manto de bivalves, átrio de tunicados, ou parasitas de caranguejos.


São achatados dorsoventralmente, mas de corpo denso e musculoso. Extremidade anterior pontuda ou espatular. Olhos localizados na extremidade anterior, de 2 a 200. A maioria se move através de cílios, semelhante às planárias. Algumas poucas espécies que se enterram movem-se com movimentos peristálticos.


Reprodução por fragmentação assexuada, ou sexual. Via de regra são dioicos, mas algumas espécies terrestres e de água doce são hermafroditas. Ovíparos, geralmente com fertilização externa, desenvolvimento direto ou indireto. Algumas espécies fragmentam-se quando irritadas, são difíceis de serem coletadas inteiras. Os fragmentos se encistam, e formam um novo indivíduo.





Prostoma graecense, exemplar juvenil coletado na República Checa. Esta espécie ocorre também no Brasil. Foto de Jan Špaček. A primeira foto do artigo também é do Dr. Špaček, um adulto fotografado em um aquário.



Prostoma graecense, exemplar fixado em formaldeído a 4%, com sua probóscide estendida, usada para caçar suas presas. Foto de Jan Špaček.

 


22 espécies de nemertinos são encontrados em água doce. No Brasil, só ocorrem duas espécies cosmopolitas, Prostoma eilhardi (Montgomery, 1894) e Prostoma graecense (Böhmig, 1892), além da obscura espécie Siolineus turbidus (8 mm), coletada somente na década de 40 no Rio Tapajós. Lembram bastante planárias, de cor marrom-alaranjada, mas possuem tipicamente 3 pares de pequenos olhos na região anterior (até 10, com distribuição que pode ser irregular). P. graecense mede até 5 cm, e P. eilhardi é menor, até 2 cm. Se contraem bastante quando estão caminhando, como uma sanguessuga, embora movam-se deslizando através de movimentos ciliares, como uma planária. Seu muco é pardo e opaco, deixando um rastro visível quando caminha sobre uma superfície limpa.







Nemertinos Prostoma sp., surgiram em um aquário de invertebrados. Note as estruturas alongadas no seu interior, correspondendo a óvulos em desenvolvimento. Na última sequência de imagens, note também como o animal mostra-se bastante contrátil, distinto das Planárias. Fotos de Walther Ishikawa.



Nemertino no vidro do aquário. Fotos de Walther Ishikawa.


Nemertino Prostoma, encontrado em um aquário. Vídeo de Lazaro Santos.



Prostoma pertence ao grupo de nemertinos com estiletes venenosos na probóscide, usados para caçar suas presas: anelídeos, larvas de quironomídeos e microcrustáceos como Daphnia. As informações são bastante escassas, sabe-se que são animais de hábitos noturnos, e podem ser predados por peixes e planárias. São encontrados sob pedras, em espaços intersticiais, associados a macrófitas e esponjas de água doce. Na República Checa, foram coletados em ambientes bastante variados, com temperaturas entre 2,5º a 28,5º C. Estas espécies límnicas são hermafroditas protrândricos. Após óvulos ou sêmen serem gerados, desenvolve-se um gonoducto somente enquanto há a liberação do gameta, a pele regenerando-se rapidamente após. O número de ovos gerados é variável, de 20 a 60, em um a dois períodos reprodutivos por ano. São facilmente reproduzidos e criados em cativeiro.






Nemertino Prostoma canadiensis, surgiram em um aquário no Canadá. A segunda imagem e o vídeo mostram a probóscide durante a caça do verme. Foto e vídeo gentilmente cedidos por Scott Fung.



Recentemente, tive a experiência de encontrar estes curiosos vermes no meu aquário de invertebrados. Inicialmente confundi-os com Planárias Rhodax, e depois com Oligoquetas, quando estavam plenamente esticados. Olhando com atenção são achatados, embora bastante longos, diferente das Planárias. A forma de caminhar sobre o vidro é idêntica a uma Planárias, deslizando sobre a sua superfície. Porém, quando encontram um obstáculo enquanto caminham, realizam também movimentos de contração e distensão, lembrando um pouco sanguessugas. Provavelmente são mais comuns em aquários do que se pensa, mas devem ser frequentemente confundidos com outros vermes. A distribuição cosmopolita das duas espécies mais comuns é atribuída pelo menos em parte ao transporte acidental destes animais através da aquariofilia. Uma das hipóteses é a de que se tratem originalmente de espécies sulamericanas.





Prostoma graecense, micrografia da sua probóscide mostrando a glândula de veneno e os estiletes, usados para capturar suas presas. Magnificação de 200x na primeira imagem, e 1000x na segunda. Fotos de Jan Špaček. Todas as fotos do Prostoma graecense foram extraídas de Špaček J, (2014), revista Živa (primeira referência da bibliografia).




Além do Prostoma, há alguns raros relatos de outra espécie de nemertino de água doce em aquários, bastante alongados, medindo até cerca de 6 cm. Três gêneros monotípicos podem ultrapassar 10 cm, são eles Apatronemertes Planolineus, ambos espécies orientais de cor vermelha com manchas branco-amareladas nas gônadas, e Campbellonemertes (australasiano), acinzentada com faixa longitudinal mediana branca. A primeira já foi encontrada em aquários ornamentais fora da sua distribuição nativa em diversos países. Segue alguns exemplos abaixo:




Nemertino de espécie desconhecida (Apatronemertes?), de grandes dimensões, medindo cerca de 6 cm. Surgiu em um aquário em Osasco, SP. Foto e vídeo cortesia de Fabio F. Murakami.


Nemertino de água doce, espécie desconhecida (Campbellonemertes?), encontrado em um aquário ornamental na Columbia Britânica, Canadá. Vídeo cortesia de Lisa T.



Somente 13 espécies de nemertinos são terrestres, são encontradas em locais úmidos, tipicamente habitando ilhas oceânicas. Recentemente, algumas destas espécies ganharam alguma notoriedade em vídeos que circularam a internet, devido ao aspecto bizarro quando evertem rapidamente sua probóscide. Em literatura científica, não há registro oficial de nemertinos terrestres no Brasil, mas alguns colaboradores do nosso site relatam a presença destes vermes em SC, RJ e PB, inclusive com documentações (abaixo). Trata-se provavelmente de um Geonemertes pelaensis Semper, 1863, uma espécie indopacífica, encontrada como espécie exótica em diversas outras localidades. O local mais perto do Brasil onde esta espécie foi registrada é nas ilhas do Caribe.





Provável Geonemertes pelaensis, uma espécie indopacífica, primeiro registro fotográfico no Brasil. Este verme foi inicialmente identificado como uma Planária terrestre. Fotografado no Vale do Itajaí, SC. Foto de Luís Adriano Funez, identificada por Mario Marques da Nova.






Provável Geonemertes pelaensis, surgiram em Campina Grande, PB. Foto e vídeo gentilmente cedidos por Alexandre Silva.






Provável Geonemertes pelaensis, fotografados no Horto Botânico da Quinta da Boa Vista (RJ). Foto e vídeo cedidos por Victor Ferreira.





Bibliografia adicional:

  • Špaček J. Pásemnička sladkovodní v České republice = A Freshwater Nemertine in the Czech Republic. Živa, Roč. 62, č. 1 (2014), s. 26-28.

  • http://earthlife.net/inverts/nemertea.html
  • Sundberg P, Gibson R. Global diversity of nemerteans (Nemertea) in freshwater. In Balian EV, Lévêque C, Segers H, Martens K. Freshwater Animal Diversity Assessment. Developments in hydrobiology 198. Springer. 2008. pp. 61–66.

  • Tamburi NE, Cazzaniga NJ. The freshwater ribbon-worm Prostoma graecense (Hoplonemertea: Monostilifera) in South America (Argentina). Zootaxa 2006; 1248: 27-34.
  • Moore J. The Distribution and Evolution of Terrestrial Nemertines. American Zoologist. Vol. 25, No. 1 (1985), pp. 15-21.
  • Moore J, Gibson R, Jones HD. Terrestrial nemerteans thirty years on. Hydrobiologia July 2001, Volume 456, Issue 1-3, pp 1-6.
  • Santos C, Norenburg JL. 2011. Nemertea. In Biodiversidade e ecossistemas bentônicos marinhos do litoral Norte de São Paulo Sudeste do Brasil (Amaral ACZ, Nallin SAH, eds.).
  • Rocha O. (2003). Avaliação do Estado do Conhecimento da Diversidade Biológica do Brasil - Águas Doces. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Projeto Estratégia Nacional de Diversidade Biológica (BRA 97 G 31) COBIO/MMA – GTB/CNPq – NEPAM/UNICAMP.
  • Gibson R, Moore J. 1976. Freshwater nemerteans. Zoological Journal of the Linnean Society 58: 177–218.
  • Strand M, Sundberg P. Chapter 6 - Phylum Nemertea, Editor(s): D. Christopher Rogers, Cristina Danborenea, James H. Thorp. Thorp and Covich's Freshwater Invertebrates (Fourth Edition), Volume 5: Keys to Neotropical and Antarctic Fauna. Academic Press, 2020, p. 121-123.
  • Quigg SM, Lowe CN, Butt KR, Mitcham T, Iyengar A. A re-examination of the taxonomic status of Prostoma jenningsi-a Freshwater Nemertean. Zootaxa. 2020 Jan 13;4722(2):zootaxa.4722.2.4.
  • du Bois-Reymond Marcus E. An amazonian heteronemertine. Bohn Fac. Files. Cienc. Univ. S. Paulo (Zoologia) 13, 93–109 (1948).
  • Kajihara H, Kato A, Nakano T, Lai YT. (2020). Occurrence of the freshwater heteronemertean Apatronemertes albimaculosa (Nemertea: Pilidiophora) in Taiwan. Taiwania. 65(1): 81‒85.



Agradecimentos especiais aos biólogos checos Dr. Jan Špaček e Dra. Jana Šrotová (editora da revista científica Živa) por permitirem o uso das fotos no artigo. O artigo original pode ser visto  aqui . Agradecemos também ao fotógrafo Galês Sion Roberts, aos aquaristas canadenses Scott Fung e Lisa T., ao zoólogo Dr. Luís Adriano Funez e aos amigos Alessandro Silva, Fabio F. Murakami, Victor Ferreira e Lazaro Santos pela cessão das fotos e vídeos, e ao biólogo Dr. Mario Marques da Nova pela identificação da primeira espécie terrestre.

As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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