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Tricópteros  
Artigo publicado em 04/01/2016, última edição em 07/06/2023  


Tricópteros, João-Pedreiro - Arquitetos aquáticos!



Os Tricópteros são fascinantes insetos que surgiram no Triássico e compartilham um ancestral comum com os Lepidópteros (borboletas e mariposas). De fato, os adultos lembram mariposas, mas as larvas são aquáticas, com características bastante peculiares. Compreendem a maior ordem de insetos estritamente aquáticos e constitui a maior proporção da comunidade dos macroinvertebrados bentônicos, com uma fauna mundial próximo de 16.000 espécies descritas para os ecossistemas dulcícolas, além de algumas espécies marinhas, e raríssimas terrestres. São distribuídas em 51 famílias, pouco mais de 600 espécies descritas para o Brasil.


Não têm um nome popular muito difundido, já que os adultos são muitas vezes confundidos com mariposas. Em geral são chamados simplesmente de Tricópteros, um nome antigo em desuso é Frigânio ou Frigano. Em algumas regiões são conhecidas como Mosca-d´água ou Mosca-tiririca. Larvas são chamadas de João-Pedreiro e Castelinho, pelo hábito de construir tocas, ou ainda de Grumixá ou Curubixá. Em inglês são chamados de Caddisfly, um nome que vem dos antigos vendedores ambulantes de roupas ("cadice men") que andavam com pequenas amostras de pano penduradas no seu sobretudo.  


Uma característica diagnóstica dos insetos adultos é a existência de cerdas (pelos) nas suas asas, em contraposição às escamas de Lepidoptera, seu grupo irmão (seu nome significa “asas peludas” - tricho = cerda; pteron = asa). Os adultos são frequentemente confundidos com mariposas, medindo de 1,5 a 45 mm, com antenas longas e filiformes, e repousando com as asas dobradas sobre o abdômen na forma de telhado. Suas peças bucais possuem palpos bem desenvolvidos, longos e pareados, que não são fundidos formando uma probóscide, e alimentam-se de líquidos. Semelhante a estes, a maioria das larvas aquáticas produz seda na região bucal, podendo utilizá-la para construir casulos móveis, em forma de tubos, que envolvem seu corpo e carregam quando se locomovem.




Duas larvas de tricópteros, das famílias Hydropsychidae e Hydroptilidae. Foto de Walther Ishikawa



Os Tricópteros são insetos holometábolos (metamorfose completa) que vivem a maior parte de suas vidas submersas, principalmente em locais bastante oxigenados (ambientes lóticos), já que as larvas aquáticas dependem do oxigênio dissolvido para respiração. Tolera algum grau de salinidade, mas é sensível a poluição, sendo excelentes bioindicadores de qualidade da água, existe até um "Índice EPT" (Ephemeroptera, Plecoptera, Trichoptera), com os três grupos mais sensíveis de macroinvertebrados bioindicadores. Larvas têm alimentação bem variável, algumas são detritófagas, outras herbívoras, outras ainda são vorazes predadoras. Cada um destes grupos é altamente especializado nos respectivos tipos de alimentação. Somete os adultos não são aquáticos, e se alimentam de néctar. Como curiosidade, existe uma família de Tricópteros com larvas marinhas da família Chathamiidae, encontradas na Nova Zelândia e Austrália, que deposita seus ovos numa espécie específica de estrela-do-mar, e passa sua fase de larva dentro do intestino destes animais.




Massa de ovos de Tricópteros, fotografada próximo à cachoeira Ponte de Pedra, em Águas da Prata, SP. Foto de Walther Ishikawa.






Massa de ovos de Tricópteros, já com pequenas larvas no seu interior. Fotos de Vithor Dantas.



Os ovos são depositados na água pelos adultos voadores, agrupados e geralmente envoltos por uma massa gelatinosa (espumalina), fixo a objetos submersos, ou eventualmente pouco acima da linha d´água. Fêmeas de algumas espécies têm pernas expandidas e achatadas, usadas para nadar ao realizar a oviposição.




Provável Smicridea pouco após sua metamorfose em adulto, uma exúvia também pode ser vista. Fotografada próximo à cachoeira Cascatinha, em Águas da Prata, SP. Foto de Walther Ishikawa.


As larvas são alongadas, segmentadas, lembram um pouco larvas de besouros, e medem até 4,0 cm. Têm os três segmentos bem definidos, cabeça e tórax esclerotizadas e evidentes, peças bucais mastigatórias, e o abdômen macio e de cor clara. Pernas presentes nos três segmentos torácicos, em alguns grupos predadores, a perna anterior é modificada, com tíbia e tarso formando uma pinça; em espécies filtradoras a perna anterior pode apresentar uma escova de cerdas longas. Têm também um par de pró-pernas no segmento final do abdômen, muitas vezes com ganchos, usados para se fixarem aos seus abrigos, ou ao substrato naqueles de vida livre.


Embora algumas larvas possam ter anatomia semelhante, podem ser identificadas através do abrigo, com arquiteturas distintas e feitas de materiais altamente específicos. Algumas usam somente seda, outras grãos de areia do substrato, folhas, gravetos, raízes, algas e espículas de esponja, outras ainda conchas de caramujos vazios. Existem também algumas espécies que constroem ninhos fixos, outras ainda usam a seda para tecer teias submersas usadas para filtrar partículas. Poucas espécies tecem abrigos somente para a pupação. Além da função de proteção, o abrigo auxilia na respiração, formando uma cavidade onde a água circula com a movimentação do animal. 


Recentemente os Tricópteros ganharam alguma notoriedade na internet, com artistas norte-americanos fazendo estes insetos construírem abrigos com fragmentos de metais e pedras preciosas, e produzindo joias com os seus abrigos. Estes insetos são frequentemente mencionados pelo zoólogo Richard Dawkins como exemplo da sua teoria do “Fenótipo Expandido”, já que o padrão dos seus abrigos é determinado geneticamente. A forma e o material empregado na confecção dos seus casulos são específicos de cada espécie, e determinados pela herança genética. Ou seja, informações genéticas se expressam além dos limites do corpo físico do organismo.


A pupação se completa em algumas semanas, geralmente os adultos emergindo em horários específicos do dia ou da noite, e em épocas específicas do ano. A pupa madura corta a parte anterior do abrigo usando suas mandíbulas, nada até a superfície ou rasteja até algum objeto emerso, e termina sua metamorfose.




Galeria de fotos de diversas larvas de tricópteros amazônicos, mostrando a grande variedade de formas e materiais das suas tocas. No centro da foto pode ser visto um Helicopsyche, e a penúltima imagem mostra um Oecetis (dos gêneros destacados no texto). Fotos cortesia de Dra. Neusa Hamada (INPA).




A ordem Trichoptera está dividida em duas ou três subordens, de acordo com a classificação: Annulipalpia, Integripalpia e Spicipalpia (esta última com famílias de posicionamento filogenético incerto).

 

 


Subordem Annulipalpia


Desde os estádios iniciais constroem abrigos tubulares fixos ao substrato, em algumas famílias acrescentam redes de seda para filtrar partículas. São dez famílias no mundo, das quais cinco são registradas no Brasil.

 

 

Hydropsychidae é uma grande família cosmopolita, a terceira mais diversa dos tricópteros, com cerca de 1500 espécies descritas, 138 espécies brasileiras em 9 gêneros. São facilmente reconhecidos por terem os segmentos torácicos completamente esclerotizados, e pelas suas brânquias filamentosas em todos os segmentos abdominais. Quase todas encontradas em água corrente, de córregos a grandes rios. As larvas possuem pequenos territórios submersos bem definidos onde constroem seus abrigos fixos de fragmentos vegetais e areia, que possui uma rede transversal plana de captura de alimento junto à sua entrada, comunicam-se e defendem seus territórios através de sons de estridulação produzidos por estrias na porção ventral da cabeça, em atrito com o fêmur da perna dianteira. Alguns abrigos são mais elaborados, como os Macrostemum, semienterrados, com duas chaminés em forma de Y em níveis diferentes que permite a entrada e saída de água. São chamados em inglês de net spinning caddis. Pupação em abrigos alongados feitos de seda, pedregulhos e grãos de areia, no mesmo local da sua toca. Adultos permanecem com as asas achatadas sobre o substrato e possuem uma forma quase triangular.

 




Larva de Leptonema sp. (família Hydropsychidae), cerca de 13 mm, coletado em Monte Verde, MG. Este grupo não produz tocas, utiliza sua seda para criar teias e abrigos fixos. Fotos de Walther Ishikawa.








Outro exemplar de Leptonema sp., fotografado em uma pequena cachoeira de beira-de-estrada em Ubatuba, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Abrigo de Annulipalpia, mostrando a rede para captura de partículas. Foto gentilmente cedida por Neusa Hamada (INPA).







Hydropsychidae, provável Macrostemum fotografado em Itatiaia, RJ. Fotos de Hugo Dolsan.






Larva e pupa de Hydropsychidae, fotos cortesia de Josino Pereira Júnior.



Casal de Tricópteros, provável Hydropsychidae em acasalamento (fêmea abaixo), fotografado na Floresta da Tijuca, RJ. Foto gentilmente cedida por Mário Jorge Martins.







Hydropsychidae Macrostemum hyalinum fotografado em Piedade dos Gerais, MG. Foto de Eduardo  Moreira Pedrosa.










Larvas de Synoestropsis sp. (família Hydropsychidae), cerca de 20 mm, fotografados em um riacho no sudeste do Pará. Este gênero produz armadilhas de seda, mas são bastante ativos, frequentemente encontrados fora do seu abrigo, e acredita-se que sejam predadores. Fotos de Carolyne Alecrim.






Hydropsychidae Macronema hageni fotografado em Santa Carmem, MT. Foto de Antonino G. Medina.





Ecnomidae tem cerca de 400 espécies mundiais, mas somente o gênero endêmico Neotropical Austrotinodes ocorre no Brasil, com 27 espécies. Constroem frágeis abrigos fixos de seda e sedimento, longo e estreito em uma das extremidades com um funil de seda. Suas larvas são predadoras, lembram os Hydropsychidae, mas sem as brânquias filamentosas, e cabeça mais alongada. Preferem locais com menor correnteza. Pupação em abrigos ovais de seda rígida, com aberturas "em peneira" nas duas extremidades.

 




Prováveis abrigos de Austrotinodes sp. (família Ecnomidae), fotografada na Serra do Cipó, MG. Fotos de Flávio Mendes.




Philopotamidae é cosmopolita, com cerca de 1000 espécies. Somente três gêneros no Brasil, Chimarra (quase 600 espécies), Alterosa (somente Sul e Sudeste) e Wormaldia (uma espécie amazônica). Vivem sobre rochas ou folhiço, constroem longos abrigos tubulares fixos de seda. Todo o abrigo em forma de dedo-de-luva funciona como uma fina rede, em geral fixo a um substrato sólido somente na sua extremidade anterior. O restante fica livre, movendo-se lentamente ao sabor da corrente. Cabeça e pronoto esclerotizados e de cor alaranjada, restante do corpo branco. Sua boca possui finas dobras labiais que permitem a produção de cerca de 70 delgados fios de seda simultâneos, com isso produzem a rede com a menor malha conhecida (0,5 a 5,5 microns), que capturam diminutas partículas orgânicas, até bactérias e esporos de fungos. Constroem abrigos com areia e pedregulhos na pupação.








Larva de Philopotamidae fotografada em uma gruta granítica em Itu, SP. Em um pequeno córrego de baixa correnteza. Fotos de Walther Ishikawa, agradecimentos a Jaqueline Samilla.

 







Philopotamidae fotografado na Cachoeira do Prumirim, Ubatuba, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Polycentropodidae tem ampla distribuição geográfica com mais de 600 espécies, no Brasil há cinco gêneros registrados. Constroem abrigos fixos em forma de funil, longos e estreitos, abertos nas duas extremidades, cobertas de debris, mas podem ser tanto filtradoras como predadoras. Algumas espécies predadoras constroem teias irregulares e amplas, semelhante a teias de aranhas terrestres. Possuem linhas radiais que se dirigem ao local onde fica a larva, de forma análoga às aranhas. Geralmente são encontrados em locais com menor correnteza. Frequentemente as larvas são coletadas fora da sua toca.




Larva da família Polycentropodidae, fotografada em Divino de São Lourenço, ES. Foto de Caropita.




Abrigo de larva da família Polycentropodidae, com sua teia para capturar alimentos. Fotografado no Parque do Jaraguá, SP. Foto de Walther Ishikawa.



 


Xiphocentronidae é uma pequena família com distribuição mundial, cerca de 140 espécies. Dois gêneros ocorrem no Brasil, Xiphocentron (doze espécies) e Machairocentron (uma, amazônica). Larvas são encontradas em pequenos riachos de leito rochoso, frequentemente acima do nível d´água ou ambientes semiterrestres, em elaboradas tocas alongadas de seda cobertas com fragmentos minerais e debris. Adultos pequenos e alongados, com asas longas e estreitas e coloração escura.














Xiphocentron
sp. (família Xiphocentronidae), fotografada em Vila Velha, ES. Espécie madícola, fotografada numa parede de pedra encharcada, mas longe de corpos d´água.
Fotos e vídeo de Flávio Mendes.




Xiphocentron sp. (família Xiphocentronidae), fotografada em Petrópolis, RJ. Foto de Anderson Rabello Pereira.

 




Toca de tricóptero Xiphocentron (família Xiphocentronidae). Esta família é semi-aquática, constrói tocas sobre rochas pouco acima do nível da água (zona higropétrica), suas tocas são bem longas e flexíveis, construídas com seda e grãos finos de areia ou matéria orgânica. Fotografado junto à cachoeira Ponte de Pedra, em Águas da Prata, SP. Eram muito numerosas no local, tanto submersas quanto em locais encharcados emersos. 
Foto de Walther Ishikawa.





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