Artigo publicado em 08/08/2016, última edição em 02/07/2017
Tarebia granifera (Lamarck, 1816)
Tarebia granifera em aquário, foto de Chris Lukhaup.
Introdução:
Além do Caramujo-Trombeta
Melanoides tuberculata, várias outras espécies de caramujos daFamília Thiaridae são encontrados em
aquários em outros países, algumas são habitantes introduzidos
não-intencionalmente, e outras criadas com fins ornamentais. Uma das espécies
mais comuns é a Tarebia granifera
(Lamarck, 1816), chamada popularmente de “Quilted Melania” ou “Spike Tail
Trumpet Snail”. Recentemente foi encontrada em alguns aquários no Brasil,
possivelmente importada junto com plantas ornamentais.
Algumas fontes mais antigas descrevem este caramujo como Melanoides granifera, mas não é mais
considerado um nome válido. São considerados sinônimos Melania granifera, Melania
obliquigranosa, Thiara granifera,
dentre outros.
Tarebia granifera, encontrada em grande quantidade no Rio El Tacal, Parque Nacional Mochima, em Sucre, Venezuela. Foto de Jesús Antonio Bello-Pulido.
Distribuição nativa e invasora:
É uma espécie com ampla distribuição nativa Indo-Malaia até
Oceania, ocorre desde Japão e China, passando pelo sudoeste asiático (Tailândia
a Filipinas e Indonésia), Oceania (Nova Guiné) até a Índia e Sri Lanka.
É uma importante espécie invasora, sendo encontrada nas
Américas do Norte e Sul, e África. Nesta última, é comum na África do Sul. Nas
Américas, há registros desde o Sul dos EUA, México, América Central, Ilhas do
Caribe, e Venezuela (único foco sul-americano, desde 1970). Recentemente foi
registrada também em Israel. A principal via de introdução exótica é o
aquarismo, embora em alguns locais tenha sido intencionalmente introduzida como
agente de controle biológico de vetores de esquistossomose.
Tarebia granifera, encontrados em um aquário no RJ. Fotos de André Kikinger.
Anatomia:
Lembra bastante o Melanoides
tuberculata, com uma concha em forma de torre, opérculo escuro, antenas
filamentares e uma “tromba” na cabeça. Há bastante sobreposição de
características com esta espécie, tanto no formato da concha, cor e partes
moles, e em alguns casos a diferenciação pode ser bastante difícil. Abaixo há a
descrição de formas típicas, mas existe grande variabilidade em todas estas
características:
Geralmente sua concha é mais curta e atarracada, medindo até
cerca de 40 mm, com abertura mais ampla. Há duas formas típicas de cor, uma com
a concha marrom clara, com espira escura, e a outra toda marrom escuro, quase
negra. E diversos padrões intermediários. Muitas vezes mostra também pequenas manchas
irregulares vermelho-acastanhadas. Os contornos laterais da concha são côncavos,
esta é esculturada com sulcos verticais e espirais, definindo nódulos enfileirados
proeminentes entre estes, de aspecto elevado e quadrado, conferindo um aspecto
quadriculado e “acolchoado”, daí seu nome popular.
Variações nas conchas de Tarebia granifera, fotos gentilmente cedidas por José Lietor Gallego.
Ecologia e habitats:
É uma espécie versátil, colonizando diversos tipos de habitas,
como rios, lagoas, canais de irrigação e lagos ornamentais, com variados tipos
de substrato. Assim como o Melanoides,
tem o hábito de se enterrar no substrato. Podem ser bastante numerosos, há
registros de até 21.000 indivíduos por metro quadrado na África do Sul.
É
menos associado a condições ambientais específicas do que outros gastrópodes
límnicos. Embora seja uma espécie tropical, podem
viver em uma ampla gama de temperaturas, trabalhos experimentais indicam uma
tolerância térmica de 0 a 47,5º C. Também é encontrado em estuários na costa
africana, em salinidades de até 10%o. Em laboratório, a LS50
(salinidade letal de 50% da população) foi de 30%o em 65–75 dias. O pH parece
ser um fator limitante na sua distribuição, na natureza é coletado numa faixa
estreita de 7,1 a 8,5. Também depende de uma
concentração mínima de Cálcio na água, por ter uma concha espessa e pesada.
Suporta 2 a 3 dias de dessecação, um período relativamente
longo, mas bem menor do que o Melanoides,
ao menos em parte devido à sua maior abertura da concha. Mostra preferência e
tolerância a rios com maior correnteza, quando comparado ao Melanoides. É resistente à poluição.
Em muitos locais onde houve invasão, esta espécie é
simpátrica com outro invasor, Melanoides
tuberculata. Curiosamente, parece ser um melhor competidor do que o Melanoides, na maioria dos locais onde
convivem, com o tempo torna-se dominante. Os mecanismos desta vantagem não são
bem elucidados, já que em todos os parâmetros estudados, são semelhantes
(padrão reprodutivo, fecundidade, etc.) ou pior adaptados (resistência à
dessecação, extremos de parâmetros químicos) do que o Melanoides. Existe um trabalho mostrando que o Tarebia tem a concha com maior resistência mecânica do que o Melanoides, o que seria vantajoso na
predação, por exemplo, por caranguejos, mas a dominância populacional ocorre
também em locais com poucos predadores.
Tarebia granifera, fotografado no Rio Manzanares, em Las Trincheras de Cumanacoa, em Sucre, Venezuela. Foto de Jesús Antonio Bello-Pulido.
Tarebia granifera, coletados no Rio Guaranache, em Edo, em Sucre, Venezuela. Fotos e vídeos de Francisco José Marval.
Alimentação e ciclo de vida:
Seus hábitos alimentares são idênticos ao do Melanoides tuberculata, a dieta é
composta de microfilme de algas, diatomáceas e detritos.
A reprodução também é muito semelhante, é um animal partenogênico
e ovovivíparo, explicando boa parte do seu sucesso como invasor. As populações
são compostas essencialmente de clones femininos, os machos são bastante raros (em
média, 5% da população) ou ausentes. Estes parecem ser não-funcionais do ponto
de vista reprodutor, com genitálias não funcionantes embora com espermatozóides
nos seus testículos.
Os embriões desenvolvem-se em uma bolsa incubadora, localizada
logo acima do esôfago, e os bebês já nascem bem formados, com pequenas
conchinhas medindo cerca de 0,7 a 2,1 mm, através de um poro do lado direito da
cabeça. Fêmeas grandes carregam em média 160 embriões, dando a luz um filhote a
cada 12 horas, conferindo uma fecundidade média de 213 filhotes por ano.
Atingem maturidade sexual em cerca de 5 meses, com a concha medindo entre 5,5 e
8,0 mm. Expectativa de vida longa, de mais de um ano.
Tarebia granifera, na primeira foto, comparação com um Melanoides tuberculata. Na segunda imagem, filhotes encontrados no aquário. Fotos de André Kikinger.
Parasitas:
É hospedeiro intermediário de diversos vermes trematóides,
muitos com importância em piscicultura, ou veterinária. Alguns destes vermes
causam infecção oportunista em seres humanos, mas o Tarebia granifera não é vetor de nenhuma doença de importância
médica em humanos. Por muitos anos acreditava-se que era vetor de Paragonimus westermani (agente da
Paragonimíase na Ásia), mas hoje sabe-se que isto não é verdade. O caramujo é
susceptível à infecção pelo verme, mas este não consegue completar seu ciclo no
Tarebia.
Desta forma, hoje se considera um invasor pouco importante
sob o aspecto médico, apesar dos seus grandes impactos ambientais. Há registros
de obstrução de canos de água para refrigeração em usinas da costa africana de KwaZulu-Natal,
pelo grande número de caramujos.
Bibliografia adicional:
Pointier JP, Incani
RN, Balzan C, Chrosciechowski P, Prypchan S.(1994) Invasion of the
rivers of the littoral central region of Venezuela by Thiara granifera and Melanoides tuberculata (Mollusca:
Prosobranchia: Thiaridae) and the absence of Biomphalaria glabrata, snail host of Schistosoma mansoni, Nautilus 107:
124-128.
Amador
AG, Puga GP, Cong MY, Lopez JRF, Noda JS. Distribución y posible
competencia entre Melanoides
tuberculata y Tarebia granifera
(Prosobranchia: Thiaridae) en el lago Hanabanilla, Cuba. Rev Cubana Med Trop. 1995 Dic; 47(2): 93-99.
Amarista M, Niquil N,
Balzan C, Pointier JP 2001. Interspecific competition between freshwater
snails of medical importance: a Venezuelan example. Life Science 324: 143-148.
Appleton CC, Nadasan DS. First report of Tarebia granifera (Lamarck, 1816)
(Gastropoda: Thiaridae) from Africa. J.
Mollus. Stud. (2002) 68 (4): 399-402.
Veja RAR, Fernández LD,
Espinosa AQ, García AMH. Modificación del coeficiente peso/área del pié en
relación con la agregación en Tarebia
granifera. Rev Saúde Pública
2003;37(3):297-302.
Facon B, Machline E, Pointier JP, David P.
2004. Variation in desiccation tolerance in freshwater snails and its
consequences for invasion ability. Biological
Invasions 6:
283–293.
Appleton CC, Forbes AT, Demetriades NT (2009)
The occurrence, bionomics and potential impacts of the invasive freshwater
snail Tarebia granifera (Lamarck, 1822) (Gastropoda:
Thiaridae) in South Africa. Zool Med Leiden 83: 525–536.
Miranda NAF, Perissinotto R,
Appleton CC (2010) Salinity and temperature tolerance of the invasive
freshwater gastropod Tarebia granifera. S Afr J Sci 106: 55–61.
Miranda NAF, Perissinotto R, Appleton CC
(2011) Feeding dynamics of the invasive gastropod Tarebia
granifera in coastal and estuarine lakes of northern KwaZulu
Natal, South Africa. Estuar Coast Shelf Sci e 91: 442–449.
Miranda NAF, Perissinotto R, Appleton CC
(2011) Population Structure of an Invasive Parthenogenetic Gastropod in
Coastal Lakes and Estuaries of Northern KwaZulu-Natal, South Africa. PLoS ONE 6(8): e24337.
Rangel Ruiz LJ, Gamboa
Aguilar J, García Morales M, Ortiz Lezama OM. 2011. Tarebia granifera (Lamarck, 1822) en la región hidrológica
Grijalva-Usumacinta en Tabasco, México. Acta Zool. Mex. (n. s.), 27(1): 103-114.
Moslemi JM, Snider SB, MacNeill K, Gilliam JF,
Flecker AS (2012) Impacts of an Invasive Snail (Tarebia granifera)
on Nutrient Cycling in Tropical Streams: The Role of Riparian
Deforestation in Trinidad, West Indies. PLoS
ONE
7(6): e38806.
Miranda NAF, Measey GJ, Peer N, Raw JL,
Perissinotto R, Appleton CC. (2016) Shell crushing resistance of alien and
native thiarid gastropods to predatory crabs in South Africa. Aquatic Invasions 11: 303-311.
Agradecimentos especiais ao amigo aquarista André Kikinger, aos colegas ecólogos venezuelanos Jesús Ricardo Bello-Pulido e Francisco José Marval, e ao malacologista espanholJose Liétor Gallego (El Rincón del Malacólogo), por nos permitir
publicar aqui suas fotos. Somos gratos também ao aquarista francês Alexandre Lomaev pelo auxílio na identificação dos animais.