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"Rheodreissena"  
Artigo publicado em 22/06/2020, última atualização em 28/06/2020  



Rheodreissena

 

Dreissenidae é uma das famílias de moluscos continentais e estuarinos mais importantes sob o aspecto econômico e ecológico. Eram conhecidas cerca de catorze espécies extantes em três gêneros, Congeria, Mytilopsis e Dreissena, esta última bastante conhecida pelas espécies D. polymorpha e D. rostriformis, os Mexilhões Zebra e Quagga, espécies russas que são encontradas como invasoras nos EUA, com impactos comparáveis ao Mexilhão-dourado. Duas espécies estuarinas de Mytilopsis (M. leucophaeata e M. sallei) também são importantes invasores em vários países, a primeira já foi detectada em áreas costais do Brasil (PE e RJ).

Três espécies neotropicais de Dreissenidae eram conhecidas, uma Congeria do Rio Orinoco (Venezuela), e duas Mytilopsis, uma estuarina do Noroeste sul-americano, a outra brasileira do Rio Tocantins. Em 2018, baseado em estudos moleculares (mitocondriais COI e 16S, além de nucleares 18S e 28S) e filogenéticos, as duas espécies de água doce sul-americanas foram agrupadas num novo gênero, Rheodreissena. Este mesmo trabalho identificou duas novas espécies no Rio Xingu, que foram formalmente descritas em 2019.

Etimologia: Rheo tem origem grega (ῥέω, rhéō) e significa rio, correnteza, uma menção ao tipo de habitat onde são encontrados estes moluscos. Dreissena é o nome do gênero bivalve previamente existente, é uma homenagem a M. Driessens, um farmacêutico alemão de Mazeyk, de quem Van Beneden recebeu o lote de moluscos que permitiu a descrição do gênero.

 

As espécies conhecidas de Rheodreissena Geda et al. 2018 são:

 

  • Rheodreissena hoeblichi (Schütt 1991a) – bacia do Orinoco, Venezuela, Colômbia e Guiana
  • Rheodreissena lopesi (Alvarenga & Ricci, 1989) – bacias do Tocantins e Xingu, PA e TO, Brasil
  • Rheodreissena cordilineata Mansur, Pereira, Pimpão & Sabaj, 2019 – bacias do Madeira, Trombetas e Xingu, PA e RO, Brasil
  • Rheodreissena xinguana Mansur, Pereira, Pimpão & Sabaj, 2019 – bacias do Tapajós e Xingu, PA, Brasil

 

Parece haver uma quinta espécie do Orinoco, os espécimes coletados no Rio Ventuari parecem ser de uma espécie distinta do R. hoeblichi.

 

 

Morfologia

 

São moluscos bivalves de pequenas dimensões, sésseis, que vivem fixos a substratos rochosos através de um bisso, formando grandes aglomerados. Forma alongada e mitiliforme (forma de mexilhão) em visão lateral, cordiforme (forma de coração) em visão dorsal, bico/umbo localizado bem anteriormente, mais agudo do que outros gêneros da família. Geralmente as conchas são assimétricas, inequivalves. Superfície ventral achatada e dorsal inflada. Superfície interna da concha sem marcações dos adutores ou dentes, nacarada clara ou azulada.

Alguns detalhes que auxiliam na sua diferenciação do Mexilhão-dourado invasor são os umbos terminais (subterminais no Limnoperna), septo e apófise na superfície interna da concha (charneira simples no Limnoperna).


 

Entre as diferentes espécies, há variação nas dimensões e forma das conchas, assim como na sua cor e aspecto:


R. hoeblichi é a maior espécie, mede até 19 mm. Tem a superfície externa da concha com aspecto malhado, com faixas de cor marrom e preto:

Concha de Rheodreissena hoeblichi, coletado entre os rios Ventuari e Orinoco, estado do Amazonas, Venezuela. Imagem extraída de Geda SR et al. Mol. Phylogenet. Evol. 2018. Fotos de Nathan K. Lujan.



R. lopesi mede até 13 mm, tem o periostraco bastante expandido e lameloso, redundante e com muitas dobras. Superfície externa fosca, cor variando entre creme a marrom escuro, frequentemente com um par bilateral de faixas radiais claras. Pode haver uma mancha escura elíptica na região dorsal apical:

Conchas de Rheodreissena lopesi, coletadas no baixo Rio Xingú, PA. Imagem extraída de Mansur MCD et al. Proc. Acad. Nat. Sci. Philadelphia. 2019. Fotos de Mark Henry Sabaj Perez.



R. cordilineata mede até 6 mm, tem a superfície externa da concha esculturada por ondulações sinuosas paralelas oblíquas à linha dorsal. Periostraco discretamente lamelado, liso, fosco a discretamente brilhante, com grande variação na coloração, geralmente com um padrão contrastante de faixas curtas e regulares, brancas e marrons ou pretas em vários tons. As faixas eventualmente formam um desenho ao longo da carina. Muitos adultos têm um desenho escuro em forma de olho, na região dorsal da concha. Seu nome específico vem do formato da concha e dos padrões:

Conchas de Rheodreissena cordilineata, coletadas no baixo Rio Xingú, PA. Imagem extraída de Mansur MCD et al. Proc. Acad. Nat. Sci. Philadelphia. 2019. Fotos de Mark Henry Sabaj Perez.

 


R. xinguana mede até 13 mm. Sua concha é mais achatada e menos globosa do que as outras espécies, em forma de leque. Periostraco fino e liso. Superfície externa da concha com ondulações comarginais regulares e justapostas, lisa, coloração clara (especialmente juvenis) a marrom escuro ou cinza, uniforme ou bicolor (claro anteriormente e tornando-se gradualmente escura em direção às margens dorsal e posterior):

Conchas de Rheodreissena xinguana, coletadas no baixo Rio Xingú, PA. Imagem extraída de Mansur MCD et al. Proc. Acad. Nat. Sci. Philadelphia. 2019. Fotos de Mark Henry Sabaj Perez. 


 

As partes moles têm cor acastanhada. Há extensa fusão das margens do manto, as aberturas restritas aos dois sifões, e pequeno forame ventral para a saída das fibras do bisso. O sifão inalante é distensível, adquirindo uma forma de guarda-chuva invertida, com margens lisas. No seu interior, longe da margem, há uma faixa de tentáculos.

 

 




Rheodreissena hoeblichi, animais vivos aderidos a uma rocha, em meio a esponjas. Fotografados entre os rios Ventuari e Orinoco, estado do Amazonas, Venezuela. Fotos de Nathan K. Lujan. A imagem que abre o artigo também é da mesma localidade.

 


Habitat e distribuição

 

Sua distribuição é restrita aos canais principais de grandes rios continentais de correnteza rápida e águas claras e límpidas (modo de vida reofílico), de substrato rochoso granítico, drenando altiplanos dos escudos Brasileiro e das Guianas, norte da América do Sul. Formam agregados de 10 a 40 indivíduos, mais frequente na face inferior de rochas, geralmente alinhados onde estas rochas encontram o substrato.

 

Muito frequentemente são encontrados em associação com esponjas de água doce, com esponjas crescendo sobre suas conchas, muitas vezes recobrindo praticamente todo o molusco. Exemplares de Rheodreissena foram encontrados até vivendo no interior dos esqueletos reticulados dessas esponjas. Nestes habitats, associações do tipo também são frequentes com outros bivalves que vivem enterrados no substrato, e gastrópodes como Doryssa. Trata-se de um fato curioso, já que há registros de Dreissena e Limnoperna invasores sendo sufocados por um crescimento de esponjas sobre suas conchas. Talvez, por serem espécies nativas, sejam já bem adaptadas a esta coexistência, podendo representar até algum tipo de “mutualismo de filtradores” como ocorre com espécies marinhas.

 

  • R. hoeblichi ocorre no Rio Caroní, um tributário do baixo Orinoco no Estado Bolivar, leste da Venezuela, e Rio Ventuari, um tributário do alto Orinoco no Estado de Amazonas, sul da Venezuela, drenando o escudo das Guianas. Provavelmente é encontrado também nos Rios Cuchivero, Ocamo e Padamo, que possuem habitats similares. Há registros de coletas também na Colômbia e Guiana. São encontrados na face inferior de rochas, em agregados de dezenas a centenas de indivíduos, em meio a esponjas de água doce. Habitavam locais rasos durante a temporada de seca, mas que possuíam alta correnteza na estação chuvosa. Neste local, a temperatura média era de 31,1 °C, pH 5.9, condutividade específica de 12.1 µS/cm, e saturação de oxigênio dissolvido de 78,2% (5,8 mg/L).

 

  • R. xinguana ocorre nas bacias dos Rios Tapajós e Xingu, próximos à sua saída do escudo brasileiro, somente no estado do PA, Brasil. São mais abundantes nos rios do baixo Volta Grande. Mais comuns aderidos a grandes rochas submersas em maiores profundidades, entre 15 e 30 metros, na região central dos rios, mas também encontrados em locais mais rasos, onde são simpátricos com R. cordilineata. Frequentemente estão associados a esponjas de água doce.

 

  • R. cordilineata ocorre nas três bacias tributárias do baixo Amazonas, dos Rios Madeira (Rio Jamari), Trombetas e Xingu (incluindo seu tributário, Rio Iriri), nos estados do PA e RO, Brasil. São abundantes em locais rasos de até um metro de profundidade, com lenta correnteza, principalmente em pequenas pedras perto da margem, também frequentemente associadas a esponjas. Podem ser encontradas crescendo sobre conchas de R. xinguana.

 

  • R. lopesi ocorre no Rio Tocantins e seu maior tributário, Rio Araguaia, assim como no médio Xingu, nos estados do PA e TO, Brasil. Tipicamente ocorre em aglomerados aderidos a rochas e afloramentos em locais rasos e com pouca correnteza. São coletados também a maiores profundidades, acima de 12 metros. O artigo original de descrição da espécie menciona algumas características físico-químicas do local, temperatura de 31 °C, pH 7.5 e condutividade específica de 53 µS/cm.

 

Vale menção de que os locais onde são encontrados nas corredeiras de Volta Grande são impactados pela construção da Estação Hidrelétrica de Belo Monte, com inundação de áreas a montantes e redução do fluxo de água a jusante, com grandes consequências na fauna nativa.

 



Rheodreissena sp., animais vivos aderidos a uma rocha, em meio a esponjas. A ponta de uma caneta está na foto, para referência de tamanho. Fotografado no Rio Xingú, PA. Foto de Nathan K. Lujan.

 


Ciclo de vida e reprodução

 

Importante papel ecológico, assim como outros dreissenídeos. Faz parte da dieta de diversos peixes, como os das famílias Anostomidae, Doradidae e Loricariidae. Por exemplo, faz parte da dieta regular do Cascudo Zebra (Hypancistrus zebra).

 

São moluscos ovovivíparos com cuidado parental, onde as larvas são armazenadas na cavidade palial até se tornarem dissoconchas juvenis. Baseado na localização das larvas incubadas, a fertilização é interna, a fase de larva trocofore é provavelmente intracapsular, e a incubação é bifásica, iniciando-se nas demibrânquias internas (ctenídea) e terminando na cavidade do manto (palial). Na cavidade palial, a larva se desenvolve até a fase de dissoconcha até ser liberada na forma de larvas ou juvenis rastejantes bentônicos, já com grandes dimensões (>800 µm). Este padrão reprodutivo foi observado nas três espécies amazônicas. A reprodução do R. hoeblichi permanece indeterminada.

 

Sua longevidade é desconhecida. Sabe-se que há grande variação dentro de Dreissenidae, Congeria kusceri (uma espécie de cavernas) é extremamente longeva, vivendo mais de 53 anos, enquanto as espécies mais comuns de Dreissena e Mytilopsis vivem entre 2 e 5 anos.

 

 

 

Bibliografia:

  • Simone LRL. 2006. Land and Freshwater Molluscs of Brazil. EGB, Fapesp. São Paulo, Brazil. 390 pp.
  • Geda SR, Lujan NK, Perkins M, Abernethye E, Sabaj MH, Gangloff M. 2018. Multilocus phylogeny of the zebra mussel family Dreissenidae (Mollusca: Bivalvia) reveals a fourth Neotropical genus sister to all other genera. Molecular Phylogenetics and Evolution 127: 1020–1033.
  • Mansur MCD, Pereira D, Bergonci PEA, Pimpão DM, Barradas JRS, Sabaj MH. 2019. Morphological assessment of Rheodreissena (Bivalvia: Veneroida: Dreissenidae) with an updated diagnosis of the genus, descriptions of two new species, redescription of R. lopesi, and the first account of larval brooding in New World dreissenids, Proceedings of the Academy of Natural Sciences of Philadelphia 166(1), 1-45.
  • Alvarenga LCF, Ricci CN. Espécie nova de Mytilopsis Conrad, 1857, do rio Tocantins, Tucuruí, Pará, Brasil: (Mollusca, Bivalvia, Dreissenidae). Mem. Inst. Oswaldo Cruz. 1989; 84 (Suppl 4): 27-33.
  • Volkmer-Ribeiro C, Mansur MC, Pereira D, Tiemann JS, Cummings KS, Sabaj MH. 2019. Sponge and mollusk associations in a benthic filter-feeding assemblage in the middle and lower Xingu River, Brazil. Proceedings of the Academy of Natural Sciences of Philadelphia, 166, 1 - 24.
  • Pereira D, Mansur MCD, Duarte LDS, Oliveira ASD, Pimpão DM, Calil CT, Ituarte C, Parada E, Peredo S, Darrigran G, Scarabino F, Clavijo C, Lara G, Miyahara IC, Rodriguez MTR, Lasso C. Bivalve distribution in hydrographic regions in South America: historical overview and conservation. Hydrobiologia, v.735(1), p. 15-44, 2014.
  • Pereira D, Mansur MCD, Pimpão DM. 2012. Identificação e diferenciação dos bivalves límnicos invasores dos demais bivalves nativos do Brasil. Cap. 5, pp. 75-94. In: Mansur MCD. et al. (Org.). Moluscos límnicos invasores no Brasil: biologia, prevenção e controle. Porto Alegre/ RS: Redes Editora, 412 p.


Somos muito gratos aos zoólogos Dr. Nathan K. Lujan (American Museum of Natural History) e Dr. Mark Henry Sabaj Perez (Universidade Drexel, EUA), por permitir o uso do material fotográfico, e valiosas informações.

 
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