Revisão da História da Caridina cantonensis
Gostaria de começar explicando o porquê deste especial e sua relação com o Crustanews.
O Crustanews nasceu como um veículo para comunicar a
todos os aficcionados as diferentes notícias, dicas e novidades do mundo dos invertebrados
de água doce.
No entanto, o nosso trabalho também é científico, e tentamos dar o maior rigor possível às nossas publicações, assim como investigar dentro das nossas possibilidades os
produtos novos, espécies novas de
aquário, revisões de literatura, etc.
Portanto, este especial simplesmente retoma
um assunto já abordado em edições
anteriores, mas que se tornou totalmente obsoleto,
uma vez que a capacidade destas Caridinas gerarem novas variedades
é assombrosa.
Eu também quero explicar porque este especial é
lançado hoje (a edição original deste artigo em espanhol foi lançada no dia 1º
de Agosto de 2014). É em comemoração
ao DIIAD, o Dia Internacional
de Invertebrados de Água Doce. Este dia é uma forma de unir todos os amantes de invertebrados e partilhar experiências e conhecimento.
Embora eu tenha começado este artigo há muito tempo, e tenha
sido eu quem o publicou na revista, por trás dele há muitas outras
pessoas que merecem reconhecimento.
A primeira é David Megías (Cyrus),
cujo conhecimento de genética permitiu-me
escrever o texto de uma forma mais acessível (eu acho). É um assunto realmente complexo, ainda mais
para as pessoas sem uma formação em biologia, por isso sua contribuição foi fundamental.
O segundo destaque é para Marta
Grau e Isaac García, cujo material didático é sempre fascinante, além do fato de
fornecerem incontáveis esquemas e ilustrações,
um material visual que facilita bastante a compreensão do tema.
E, finalmente, não poderia deixar de mencionar
Gregory Nowinski (Novina) e os Crustahunter, cujo trabalho é uma inspiração para todos. Sua documentação fotográfica das novas variedades, assim como seu interesse em cruzar variedades e verificar
novos padrões é um incentivo para continuar pesquisando sobre a genética da
Caridida cantonensis.
Este número não seria possível sem a infinita paciência e ajuda de Ulli Bauer, que passou um bom tempo me explicando muitos conceitos e cruzamentos. Quero dar-lhe minha total gratidão, dar-lhe meus parabéns por ser por ser uma das pessoas mais engajadas na difusão de informações neste hobby, e, além disso tudo, ser uma incrível pessoa.
Espero que esta revisão seja útil para melhor compreender quem são esses camarões tão conhecidos, e
incentivá-lo a tentar seus próprios cruzamentos.
Alguns tópicos conhecidos em fóruns e blogs espanhóis tem como título "em busca do Blue Bolt", "experimento Taiwan"
ou "dúvidas com genes". Espero
também que esta atualização sirva
para esclarecer muitas destas
questões.
Provavelmente e sendo realista, após algum tempo
uma nova atualização deste texto deverá ser feita, dado que em
menos de um ano foi necessário publicar esta versão, porque
o mundo dos camarões avança
com passos de gigantes em alguns campos (em outros menos... infelizmente). (NT: a versão em Português incorpora a atualização publicada em 2015).
Portanto, espero que você aprecie o que sabemos desses camarões até agora, no verão de 2015.
José María Requena
CRS. Foto de Guela
O grupo do Caridina cantonensis contém duas variedades principais de camarões. O primeiro é conhecido como Crystal e o segundo como Tiger. O Tiger é da espécie Caridina mariae, recentemente descrita. A espécie dos Crystal é provavelmente Caridina logemanni, ou híbrido, e será mais bem discutida em outro artigo.
Todos os camarões Crystal provêm de exemplares com listras pretas (Black Crystal, CBS ou Black
Bee), em conjunto com listras brancas e áreas transparentes. É uma espécie procedente do
Sul da China e Taiwan. A cor
preta é associada a um gene que
expressa uma coloração azul
intensa e vermelha
misturada, resultando numa cor negra (pigmentos omocromos).
Há outra variedade selvagem que é
o Orange Crystal (Orange Bee), que geralmente não é comercializado. Este
camarão tem uma cor transparente-alaranjada
com algumas áreas com pequenas listras pretas e brancas. É importante não
confundi-lo com uma variedade que tem aparecido no mercado e está na moda
atualmente, chamada de Orange Tiger ou Tangerine,
que é uma espécie diferente do Caridina logemanni, e discutiremos
sobre ela no final do texto.
CRS PRL, foto de Mario Portera. CRS grau SS, cruzamento de CRS e Golden, foto de Novina.
Seu habitat natural são os remansos
de rios com pouca correnteza, e áreas
com muitos esconderijos como pedras ou vegetação depositada. A temperatura da água é de 18-28ºC, embora o
ideal situe-se entre 22-24°C.
O pH varia entre 6,2-7,2, sendo a melhor faixa de 6,5-6,8; assim como uma dureza total GH<6º e dureza de carbonatos
KH<2º, ou o que dá na mesma, cerca
de 120-170 ppm. É
uma espécie muito sensível a compostos
nitrogenados e metais (especialmente cobre e ferro) que
causam sua morte rapidamente.
Sua expectativa de vida é de 15 meses, e neste período eles vão se reproduzir várias vezes. A reprodução ocorre após a muda, e geralmente resulta em 20-40 ovos carregados nos pleópodos abdominais para serem incubadas
por 3-4 semanas. As
diferenças sexuais entre macho e
fêmea são baseadas no tamanho
(a fêmea é maior, com até 3,5 cm),
o tamanho dos pleópodos (maiores nas fêmeas, o que juntamente com a expansão dos pleons, dão uma impressão de um abdômen mais curvo), coloração (mais
intenso nas fêmeas), assim como a mancha em formato de “sela de montar” característica das Neocaridinas sp.,
mas que é difícil de se distinguir na maioria dos casos.
Marca de pré-ovação em CBS. Foto de Cyrus
Antes de prosseguir falando dos Camarões Abelha, é necessário um pequeno parênteses para falar sobre dois camarões que causam muitas confusões para o criador: Tangerine ou Orange Tiger, e o Aura ou Azura Blue. Mais adiante explicaremos porque são importantes. Inicialmente pensava-se que se tratava da espécie Caridina serrata, hoje se sabe que são Caridina cantonensis e portanto podem cruzar com Crystal / Taiwan, gerando descendentes férteis, com padrão semelhante aos Tibee / Taitibee em relação à coloração. Em muitos países são camarões muito usados para se criar novas linhagens de cor.
A respeito dos seus cuidados, sabe-se que são muito semelhantes aos Cristal / Taiwan. Águas ácidas e moles são a chave para o sucesso com esta espécie.
Aura Blue. Foto de Novina
Em 2015 conseguiu-se um Tangerine de olhos laranjas, cuja origem é desconhecida. Ainda sem nome, alguns o chamam de Ambar Tiger. E Waldemar Kolecki publicou o primeiro cruzamento entre as duas variedades, produzindo um camarão esverdeado chamada de Aura Green.
Tangerine e Tangerine Taitibee. Fotos de Novina
Aura Green, foto de Garnella
Voltando aos Bee, em 1993 surgiram as primeiras variedades ornamentais graças
à criação em cativeiro por
Hisayasu Suzuki: o
Red Crystal (CRS ou
Red Bee), onde as
cores típicas negras estavam
vermelhas.
Em 1996, a coloração vermelha é associada
a uma mutação recessiva de herança mendeliana. Isto é, cruzando-se
um Black Crystal e um Red Crystal, temos uma primeira geração
(F1) com 100% de Black Crystal,
mas heterozigótico para a cor. Cruzando-se
os F1 entre si, obtemos uma segunda
geração (F2), que
é de 25% Black Crystal homozigótica,
50% Black Crystal heterozigótica e 25% Red Crystal. Esta
mutação inibe a coloração azul
intensa, deixando apenas a vermelha (pigmento astaxantina).
Ilustração com gradação de CRS feita por Isaac García
Graças à seleção em cativeiro foi-se
aumentando a quantidade de vermelho ou preto até não
deixar áreas transparentes, e também conseguindo-se camarões
vermelhos ou pretos com listras brancas
maiores, sem áreas transparentes.
Destas, se selecionaram exemplares cada vez mais brancos, onde as
listras brancas ocupam uma área cada vez maior, chegando
a exemplares com apenas algumas marcas
vermelhas ou pretas na cabeça.
Desta seleção é de onde surgiram as gradações do
Red e Black
Crystal, chamados com a mesma
nomenclatura para ambos os camarões, variando-se
somente a cor vermelha ou preta. Os
exemplares obtidos por seleção cuidadosa
durante anos são chamados de Pure Line (PRL e PBL). É importante entender que estes exemplares foram obtidos através de um exaustivo processo de seleção, e não foram cruzadas com outras variedades que potencializam sua cor (falaremos disto mais adiante).
Os graus baseiam-se na quantidade e qualidade de cor branca, sendo de
baixo para alto grau: C (K0), B (K2), A (K4), S (K6), SS (K8) e SSS (K10).
Gradação Taiwan. Ilustração de Isaac García
Orange Bee (esquerda), foto de Novina, e Black Crystal (direita), foto de Shong Ong.
Anos mais tarde surge uma nova variedade, onde desaparece
quase todo o pigmento vermelho ou
preto, deixando apenas listras ou manchas brancas (pigmentos pterina
ou flavina) e tons
de amarelo (luteína). Através de
seleção obtiveram-se o Golden Crystal e Snow Crystal, quase inteiramente
brancas e sem áreas transparentes
(outros nomes: Golden Bee e Snow White), o que levou a uma classificação
desta variedade em baixo grau, médio e alto, de acordo com a quantidade e qualidade de
branco.
Historicamente, esta variedade havia sido associada a uma mutação recessiva
que foi chamada de
mutação Golden ou acromática (albinismo), que inibe a cor e
com duas variantes:
uma para a variante negra (chamado Snow, com
cor branca pura)
e uma para a
variante vermelha (chamada Golden, com tons
dourado-alaranjados). Porém, recentemente esta máxima foi colocada em dúvida, existe uma forte corrente que argumenta que estas variedades são produto de cruzamentos entre Crystals e Tigers (ou seja, um Tibee), com a contribuição da cor base dos Crystal e o branco das Tiger.
Snow White, foto de Novina, e Golden, foto de Ruligan.
Todos os camarões fenotipicamente brancos podem apresentar ocasionalmente
um padrão Rili, ou seja, uma faixa transparente central
e um cefalotórax e pleon brancos.
Esta variedade é chamada de Skeleton Crystal ou Rili de Nood.
Golden Skeleton. Foto de Jmlast
Agora temos que voltar um pouco aos parágrafos anteriores
e explicar o que acontece quando
se cruza uma CBS/CRS com um camarão Golden. O resultado
é uma melhora (aparente) na sua graduação, ou
seja, aumentará a sua quantidade
de branco e a expressão de seu
preto ou vermelho será reduzida, resultando no mesmo efeito que as Pure Line. É importante diferenciá-las, uma vez que podem
parecer idênticas à primeira vista
(embora geralmente o branco seja de pior qualidade e mais amarelado-alaranjado), mas geneticamente são muito diferentes, pois se perde a pureza genética, assim
como o seu preço.
No verão de 2006, Yeh Ching
Chun têm êxito na criação de uma suposta nova mutação, Taiwan, e que seria recessiva e
com efeito cumulativo (as F1 e gerações posteriores terão mais cor). Por muito tempo falou-se que este gene levaria a um
padrão hipercromático de lipocromo,
ou seja, um gene
que aumenta a coloração do camarão,
e tem herança independente dos genes recessivos preto/vermelho
e do gene Golden.
Hoje, esta teoria também está sendo colocada em xeque, evidências sugerem que a variedade Taiwan também é produto de um cruzamento, entre um CBS/CRS e Snow White. Este novo ponto de vista baseia-se nos estudos de retrocruzamento de Monika Poehler.
Uma curiosidade interessante é que a incubação dos filhotes é alguns dias mais longa do que dos Crystal normais, e a coloração dos ovos mais intensa. Esta nova variedade é a mais delicada das Caridina cantonensis, sabe-se que a
sua sobrevivência nos primeiros 15 dias de vida é inferior a 4%. Isto é devido à endogamia
constante para manter esta linhagem, e ao fato de que a sua coloração excessiva implica em um
metabolismo marcadamente aumentado.
King Kong e Panda, fotos de Novina
A primeira mutação Taiwan descrita foi uma espontânea em um Black Crystal. O
resultado é um camarão praticamente negro, muito opaco,
com reflexos azulados e pequenas linhas brancas ou azuladas na cauda, metade do dorso, e por
vezes na cabeça, enquanto seus olhos são castanhos. Este camarão, pelas suas características, finalmente
foi chamado King Kong.
Nesta variedade também são dadas diferentes gradações
que vão desde aquela denominada de King
Kong Extreme, cuja cor é
completamente preta, passando pelos Panda que possuem várias listras pretas e brancas
na mesma proporção, até as últimas
variantes obtidas onde a quantidade de
branco é maior do que o preto
(Hinomaru e Mosura).
O taiwanês Yeh Ching
Chun também obteve
outra variedade vermelha de
King Kong, não é muito clara a sua origem, pode-se consegui-la através de duas formas: a primeira é uma mutação espontânea de King Kong negros para vermelhos. Ou através de um cruzamento de um Red Crystal com um Snow White. Esta variedade
tem o mesmo sistema
de classificação que o King Kong, mas
substituindo King Kong por Red Ruby e Panda por Red Wine. Da mesma
forma, existe um grau chamado
Extreme Red Ruby.
Red Ruby e Red Wine, fotos de Novina
Link para a Segunda parte do artigo