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Meu Lagostim ficou Azul!!
 
Cores e Mudanças de Cores nos Lagostins

Artigo publicado em 28/09/2015, última atualização em 08/06/2018.



"Meu Lagostim ficou Azul!!" - Cores e Mudança de Cores nos Lagostins


Os lagostins de água doce podem se apresentar com uma grande variedade de cores, como amarelo, verde, marrom, vermelho, laranja, preto, branco e azul (chamada por alguns de “fase azul”). Muitas destas variantes são vendidas como animais ornamentais, mas curiosamente esta variação ocorre tanto em animais criados em cativeiro quanto aqueles encontrados na natureza, e parece ser muito mais comum do que em outros crustáceos decápodes. É documentado em dezenas de espécies de lagostins norte-americanos, e também em alguns australianos, de Madagascar e uma espécie européia. Em algumas espécies, colorações aberrantes são tão comuns quanto a selvagem, como a forma azul do Procambarus alleni. Veja a nossa galeria de lagostins exóticos aqui.




Procambarus alleni, forma marrom selvagem e forma azul. Fotos de Chris Lukhaup.



Estas variedades de cores diferentes são bastante populares como animais de aquário, especialmente a azul-cobalto, frequentemente chamada de “Electric Blue”. Recentemente surgiu no Japão uma nova variedade de cor do Procambarus clarkii, chamada de “Ghost” (Fantasma). Cada indivíduo apresenta cores e padronagens distintas, com um aspecto global translúcido, e cores vivas distribuídas de forma desigual pelo seu corpo.




Procambarus clarkii, forma Vermelha selvagem. Foto de Chris Lukhaup.



Procambarus clarkii, forma Azul. Foto de Chris Lukhaup.



Procambarus clarkii, forma Laranja. Foto de Chris Lukhaup.



Procambarus clarkii, formas "Blue Pearl" e Branca. Fotos de Chris Lukhaup.





Procambarus clarkii "Ghost". Fotos de Chris Lukhaup.



É interessante lembrar também que estas variações de cor ocorrem em outros crustáceos também, embora sejam menos comuns. Por exemplo, em Lagostas Marinhas, Caranguejos e Aeglas. Até mesmo em camarões anões, mas são bastante raros. Veja abaixo fotos de Tatuzinhos terrestres, e também um Aegla de cor azul, filmado em um riacho argentino:




Tatuzinhos (Isopoda, Oniscida) azuis, fotografados em São Paulo, SP. Fotos gentilmente cedidas por Lincoln Seiji Teshima.





Aegla
neuquensis azul, filmado no Rio Pichi Leufu, Argentina. Vídeo cortesia de Christopher S. Teren.



 

Também existem diversos relatos de lagostins sendo criados em cativeiro e mudando de cor. O relato mais comum é de animais de cor selvagem tornando-se azuis após a ecdise. Ou o oposto, animais comprados como de variantes azuis regredindo à coloração selvagem após a ecdise. Ainda não se sabe como isto acontece, mas (no caso de lagostins tornando-se azuis), parece ser mais comum em fêmeas criadas em águas alcalinas. Veja o exemplo abaixo:



Este Lagostim mudou de cor para Azul, veja fotos adiante. Estas três primeiras imagens mostram o animal sub-adulto, com quelas pequenas e cor clara. Fotos de Gustavo H. Gomes.


 

O pigmento responsável pelas cores dos lagostins e outros crustáceos é um carotenóide chamado astaxantina. Este pigmento é vermelho quando não está conjugado com uma proteína, e azul, roxo, verde ou de outras cores se conjugado com uma proteína. Alguns autores sugerem o nome crustacianina para o pigmento azul de lagostins. Qualquer processo de desnaturação da proteína libera a astaxantina, tornando-a vermelha, este é o motivo dos crustáceos se tornarem vermelhos com o cozimento. Exposição excessiva à luz solar torna os lagostins vivos vermelhos pelo mesmo motivo. Porém, há alguns registros de Orconectes virilis de cor azul que permaneceram azuis mesmo depois de mortos, sugerindo que deva haver outro pigmento envolvido em algumas situações. Vale destacar que neste mesmo experimento, O. virilis de todas as outras cores se tornaram vermelho-vivo depois de mortos.




Exúvia da primeira Ecdise. Fotos de Gustavo H. Gomes.


 

Parece haver um mecanismo misto para a determinação destas cores, com uma predisposição genética influenciada por fatores ambientais.

 

Alguns trabalhos indicam heranças genéticas de variações de cores, um interessante experimento estudou formas azul-clara, azul-escura e olhos-brancos de P. clarkii coletadas na natureza, com cruzamentos controlados através de seis a oito gerações. O alelo para a cor azul-clara (cor azul-desbotada, e número reduzido de cromatóforos) tem herança mendeliana recessiva simples. O alelo para a cor azul-escura (cor azul-França) também tem herança recessiva, mas só se expressa em fêmeas. A homozigose para este alelo em machos tem coloração normal. O alelo para olhos-brancos (ausência de pigmentos distais e retinulares nos olhos) também tem herança mendeliana recessiva simples. Outro estudo descreve a herança da forma albina do P. clarkii, novamente com herança mendeliana recessiva simples. Em outras espécies, sabe-se que Cherax destructor e Procambarus acutus acutus também mostram heranças para a cor azul autossômicas recessivas, e não ligadas ao sexo.









O Lagostim após a primeira Ecdise, com cor mais intensa e escura, e quelas mais desenvolvidas. Na primeira foto, o animal se alimentando da exúvia. Fotos de Gustavo H. Gomes.


 

Uma situação muito interessante indicando que há um componente genético determinando as cores são os lagostins com duas colorações, do lado direito e esquerdo. São mais bem conhecidas em lagostas marinhas, com registros esporádicos em animais pescados, mas existem alguns relatos também em lagostins de água doce, como Orconectes immunis. Sabe-se que estes animais são ginandromorfos bilaterais, com um dos lados macho e o outro lado fêmea. Possivelmente são quimeras genéticas, ou seja, dois embriões que se fundiram no início do seu desenvolvimento – essencialmente o oposto do mecanismo de formação de gêmeos idênticos. Existem outras hipóteses, como a não-divisão dos cromossomos sexuais na primeira divisão celular, ou um defeito na formação do óvulo. De qualquer forma, o genótipo de um dos lados é distinto do outro, explicando as cores separadas (já que algumas mutações azuis só se expressam em fêmeas). Voltando aos lagostins, existe um registro de criação em cativeiro de um O. immunis de duas cores (azul e selvagem) por nove meses, e este animal manteve suas cores, mesmo após mudas, confirmando um fator não-ambiental para estas cores.








O mesmo Lagostim após a segunda Ecdise, tornando-se azul. Note a exúvia, de cor vermelha por fora, mas azul por dentro. Nas últimas fotos, o mesmo animal após algumas semanas, com sutis mudanças na cor. Fotos de Gustavo H. Gomes.


 

Outros trabalhos atribuem as variações de cor nos lagostins a alterações ambientais, como coloração do substrato, parâmetros químicos da água, luminosidade ou alimentação. Por exemplo, experimentos com P. clarkii mostraram que animais criados em tanques pretos se tornaram mais vermelhos, e aqueles criados em tanques brancos se tornavam mais brancos. Curiosamente, estes mesmos animais não recuperavam suas cores quando colocados em tanques inversos. Em outro experimento, O. virilis mostraram mudanças de azul para marrom e vice-versa quando expostos à água de habitats diferentes, muitas vezes com mudanças rápidas de cor, em questão de semanas. E P. clarkii alimentados com dietas sem carotenóides se tornaram progressivamente azuis. Mesmo no artigo descrito no parágrafo acima, demonstrando a herança genética da cor azul em P. clarkii, fatores ambientais como a elevação no pH intensificaram estas cores.



Lagosta Americana (Homarus americanus, espécie marinha) coletada em Bangor, Maine, EUA. Ginandromorfo bilateral, com anomalia de cor somente na metade do corpo, à esquerda, provavelmente o lado com características femininas. Este tipo de anomalia também é descrita em Lagostins de água doce. Foto cortesia de Abigail Curtis (Bangor Daily News).

 

O motivo de toda esta variação de cores também é incerto. Não parece haver vantagens em termos de seleção sexual. Não há clara relação entre cores de substrato e a cor do animal, o que poderia sugerir uma adaptação mimética. Ao contrário do que se esperaria, experimentos mostraram que não há desvantagem seletiva, por exemplo, as variantes azuis não são mais predadas do que as de cor selvagem.



Observação importante:

 

Lembramos que a criação do Lagostim-Vermelho (Procambarus clarkii) está proibida no Brasil, por se tratar de uma espécie invasora e de alto poder de proliferação, com potencial de causar graves prejuízos ambientais. Existe uma Portaria específica do IBAMA de 28 de Janeiro de 2008, proibindo a introdução, reintrodução, importação, comercialização, cultivo e transporte de animais vivos em todo o território nacional. A proibição é válida também para aquaristas amadores. Veja o artigo desta espécie aqui.


As fotos do Lagostim brasileiro acima são antigas, antes da informação da proibição ser adequadamente divulgada entre aquaristas.

 


 

Bibliografia adicional:

  • Thacker RW, Hazlett BA, Esman LA, Stafford CP, Keller T. Color Morphs of the Crayfish Orconectes virilis. American Midland Naturalist, Vol. 129, No. 1 (Jan., 1993), pp. 182-199.
  • Secker HL. (2013) Evidence of blue coloration in a population of Prairie crayfish (Procambarus gracilis (Bundy, 1876) (Decapoda, Cambaridae)) in northeastern Illinois, USA. Crustaceana, 86, 313–321.
  • Fitzpatrick Jr. JF. Notes on the So-Called "Blue Color Phase" in North American Cambarid Crawfishes (Decapoda, Astacoidea). Crustaceana, Vol. 52, No. 3 (May, 1987), pp. 316-319.
  • Momot WT, Gall JE. Some Ecological Notes on the Blue Color Phase of the Crayfish, Orconectes virilis, in Two Lakes. The Ohio Journal of Science. v71 n6 (November, 1971), 363-370.
  • Black JB, Huner JV. 1980. Genetics of the red swamp crawfish, Procambarus clarkii (Girard): state-of-the-art. Proceedings of the World Mariculture Society 11(1-4): 535-543.
  • Nakatani I. An Albino of the Crayfish Procambarus clarkii (Decapoda: Cambaridae) and Its Offspring. Journal of Crustacean Biology Vol. 19, No. 2 (May, 1999), pp. 380-383.
  • Caprioli R, Garozzo P, Giansante C, Ferri N. Blue‑colour variants of the crayfish Austropotamobius pallipes in 2 rivers of the Abruzzo region, Italy. Vet Ital. 2015 Apr-Jun;51(2):155-8.

 


Agradecimentos especiais ao aquarista Gustavo H. Gomes por permitir o uso das suas imagens no nosso artigo. Agradecemos também a Abigail Curtis (Bangor Daily News) pela permissão do uso da foto da Lagosta ginandromorfa, a Lincoln Seiji Teshima pelas imagens dos Tatuzinhos, e também ao fotógrafo norte-americano Christopher S. Teren por permitir o uso do seu vídeo do Aegla (conheça seu website aqui).
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