Nova espécie de esponja continental descoberta por colaborador do Planeta Invertebrados!
Nova espécie de esponja descoberta por colaborador do Planeta Invertebrados!
Por Fernando Barletta - 28/02/2016
Creio que todo
hobbysta Pet um dia foi uma criança que queria virar bióloga quando adulta.
Particularmente fui uma delas, e sempre fui curioso com tudo que acontecia
dentro do micro-ecossistema chamado aquário.
O Aquarismo é um
hobby mais complicado do que ter um cachorro ou gato, mas ao mesmo tempo, não
há afetuosas interações como temos com esses mamíferos. É um hobby puramente
contemplativo e, portanto, há uma surpreendente parcela íntima. E é maravilhoso
notar que pode haver uma infinidade de outros seres vivos nesta pequena porção
de água, se prestarmos bastante atenção. Quando houver qualquer desequilíbrio
no ambiente do aquário, antes de inserir qualquer composto químico milagroso
que resolveria o problema, sempre quis saber o porque ele ocorreu e se isto é
realmente um problema.
Outras esponjas do mesmo aquário, na foto no início do artigo, aderidas a folhas de Microsorum, e nesta imagem, envolvendo também raízes de uma alface d´água. Fotos de Fernando Barletta.
E foi assim que no
começo de 2014, um belo dia achei no meu aquário comunitário de 200 litros,
grudado num tronco de madeira uma "coisa". Era uma estrutura plana,
translúcida e esbranquiçada medindo aproximadamente 25 mm em sua maior
extensão, algo minúsculo e curioso. Na época o tanque era um low-tech, com Acará-bandeira,
Neons e outros tetras, cuja flora tratava-se de Microssorium, Musgo de Java, Anubia
e outras plantas rústicas, estava montado há 3 anos e havia recém adquirido um
filtro canister. Antes de pensar em erradicar fiquei entretido, sabia que não
se tratava de fungo ou alga. Fiz algumas observações e fotos e vi que aquilo
era realmente algo novo para mim, e que estava vivo!
GIF animado mostrando a sutil movimentação da região do ósculo. Fotos de Fernando Barletta.
Heteromeyenia barlettai no aquário, note o discreto fluxo de água sendo exalado
pelo ósculo (a estrutura em forma de sifão). Vídeo de Fernando Barletta.
Foi por meio de um
fórum online que conheci Walther Ishikawa, do Planeta Invertebrados, que
confirmou minhas suspeitas de que se tratava de uma esponja de água doce, um
organismo bem raro em aquários. Fiquei imaginando o caminho percorrido pela
gêmula até o meu tanque e eclodir. Foi através da água de um peixe novo? Estava
em uma planta? Alguns meses atrás havia adquirido uma muda de Najas indica trazida do Japão, será que
a gêmula percorreu metade do planeta até meu tanque? E assim, a pergunta final:
qual é a probabilidade de descobrir algo novo dentro de um ambiente artificial
dentro de um apartamento situado no centro da capital de São Paulo?
Interessado pelo mistério, Walther Ishikawa fez a
ponte para um biólogo especialista no assunto, o prof. Ulisses Pinheiro, da
Universidade Federal de Pernambuco. Trocamos e-mails, com muito entusiasmo da
minha parte, fazendo perguntas básicas para uma unanimidade em poríferas no Brasil, Ulisses sempre se
mostrou informal, espontâneo e disponível a responder tudo. Ele até me convidou
para visitar seu departamento na UFPE, em Recife. Aceitei e fui 3 meses depois!
Lá conheci todas as dependências do laboratório, a sua equipe que faz milagre,
diante da difícil realidade que é trabalhar com pesquisa científica no Brasil.
Contribui minimamente através de umas aulas de Fotografia, além de registrar
algumas amostras de seu acervo. Participei de uma coleta de poríferas marinhas como também assisti à
defesa de mestrado da sua aluna, Ludimila Calheira – para entender melhor como é
a vida de um biólogo.
Mas antes dessa
viagem, foram meses de envio de amostras e e-mails com o prof. Ulisses, até que
um dia veio a resposta de que se tratava de uma nova espécie de esponja de água
doce! Heteromeyenia barlettai! “Nome
proposto em honra a Fernando Barletta, o dono do aquário cuja curiosidade
permitiu a descoberta da nova espécie” – segundo Ulisses Pinheiro em seu
artigo, citado na bibliografia. É a oitava espécie descrita deste gênero no
mundo.
Minhas pernas
cambalearam! Eu como amante da natureza, aspirante a biólogo, autodidata e
observador ansioso, fui eternizado com meu nome na Ciência. Tenho 36 anos mas
ainda pulo como uma criança quando lembro disto.
Heteromeyenia barlettai no aquário, aderidas a uma folha de Vallisneria. Fotos de Fernando Barletta.
Em seu
artigo Ulisses Pinheiro
discute outro aspecto interessante, a descoberta de novas espécies animais em
aquários ornamentais. Em aquários marinhos há
registros de descobertas de diversas espécies novas de esponjas, copépodes, e
até uma espécie de cnidário no Espírito Santo. Outras duas espécies de esponjas
continentais já haviam sido descritas a partir de habitats artificiais pela
equipe do próprio prof. Ulisses, mas a partir de espécimes encontrados em
tanques de piscicultura em Pernambuco e Bahia, possivelmente suas gêmulas
tenham sido carregadas para estes tanques pelos cursos d´água que os alimentam,
pelo vento ou por aves. A descoberta de esponjas em aquários ornamentais de
água doce é inédita, ainda mais em um apartamento, um local bastante isolado do
ambiente natural. Um comentário triste feito pelo prof. Ulisses no artigo é a
de que talvez nunca saibamos a origem exata do H. barlettai, dada a intensa degradação ambiental dos habitats de
água doce na região de São Paulo, talvez a espécie possa já estar extinta na
natureza antes da sua atual descoberta formal.
As poucas
informações disponíveis na internet falam que são animais difíceis de serem
mantidos em aquários, pode ser que um indivíduo não dure mais que 6 meses em
ambiente artificial, mas em ambiente natural durem bem mais. A H. barlettai se mostrou relativamente
fácil de se manter em meu tanque, estão sempre gemulando e eclodindo em
diferentes lugares do aquário. O indivíduo mais antigo tem aproximadamente um
ano, e está justamente fora do aquário, isto é, dentro do filtro canister.
O aquário comunitário onde surgiram as esponjas. Foto de Fernando Barletta.
Faço de tudo para
mantê-las vivas. Afinal tenho que cuidar bem de minha filha. Não planejo
nenhuma mudança drástica para não prejudica-las.
Retirei qualquer
possível predador para dar-lhes todas as chances de sobrevivência. É sabido que
caramujos como Pomaceas são
predadores ávidos. Também descobri que os peixes do tipo “algueiro” são bons
apreciadores, como Otocinclus
(Limpa-Vidro) e os Cascudos.
Heteromeyenia barlettai, na prmeira foto, observada pela primeira vez se desenvolvendo em rocha (basalto). No detalhe, seu tamanho em milímetros. Na segunda imagem, uma esponja esférica sobre um pequeno musgo. Fotos de Fernando Barletta.
Estou sempre adquirindo e remodelando novos
substratos com a introdução de troncos esburacados e plantas rusticas, pois elas
se estabelecem principalmente em locais de baixa correnteza e não se fixam em
nenhuma rocha.
Outro fator importante, senão, essencial, é a qualidade da água. Como trocas
parciais frequentes e não necessariamente volumosas, assim como a retirada de
matéria orgânica em decomposição. A manutenção dos parâmetros da água, para que
o pH não caia muito, mantendo sempre entre 6,8-7,4. Sem picos de nitratos e
amônia. Um fator que ando observando atualmente é o aumento gradativo da dureza
(kH) e o crescimento da porífera.
Parece que desenvolvem mais volume em suas estruturas espiculares, aumentando
seu relevo e projetando mais seus ósculos.
Evitar também a inserção de produtos
medicamentosos industriais e também naturais. Como quando coloquei folhas de
Amendoeiras (Terminalia catappa),
para melhorar a saúde de alguns peixes, tratamento muito apreciado por
aquaristas, mas observei o decréscimo no número de esponjas.
Vídeo em "time lapse", filmagens com duração de uma hora, mostrando a movimentação da Heteromeyenia barlettai. Vídeo cortesia de Fernando Barletta.
Como sua alimentação se dá pela filtragem de
partículas medindo micrômetros (a milésima parte do milímetro) presente na
água, ou seja, bactérias, é inviável jogar qualquer ração ou coisa do tipo.
Então o que fiz foi aumentar a qualidade das mídias nitrificantes na filtragem.
Optei pela Siporax Mini da Sera, por não ter um canister de primeira linha, preferi
colocar quantas mídias fossem necessárias para ocupar o espaço das bandejas.
Para finalizar, creio
que um dos objetivos deste site é também trazer ao aquarista um pouco mais
curioso, o vasto universo dos invertebrados, muitas vezes negligenciado e
combatido. É gratificante fazer esta contribuição e convido-lhes a olharem mais
de perto o seu aquário!
Adendo (16/12/2023): Após a publicação deste artigo em 2016, espículas desta esponja foram descobertas em grande quantidade em antigos estratos sedimentares de lagoas do Oeste do Pantanal, datados do Holoceno médio, indicando a origem desta espécie nesta região, até então identificada somente no aquário ornamental de São Paulo.
Bibliografia:
Pinheiro U, Calheira L, Hajdu E. A new species
of freshwater sponge, Heteromeyenia
barlettai sp. nov. from an aquarium in São Paulo, Brazil (Spongillida:
Spongillidae). Zootaxa.
2015 Oct 29; 4034(2):351-63.
Rasbold GG. Paleoecology of Pantanal lakes via multiproxy analysis. 2020.
109 f. Tese (doutorado em Ecologia de Ambientes Aquáticos
Continentais)--Universidade Estadual de Maringá, Dep. de Biologia, Maringá, PR.
Agradecimentos aos amigo aquarista Fernando Barletta, frequente colaborador do nosso website, e autor da descoberta, que escreveu este relato especialmente para nós. Agradecemos também a colaboração do Prof. Ulisses dos Santos Pinheiro, chefe do Departamento de Zoologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), autor do manuscrito e descritor formal da nova espécie, por todo o apoio, valiosas informações e colaboração.
Prof.
Ulisses também compila um banco de dados sobre esponjas de água doce no Brasil,
no caso de identificação destes organismos na natureza, solicitamos, por favor,
que entrem em contato com ele através do e-mail uspinheiro@hotmail.com
Veja nosso artigo principal de Esponjas Continentais na seção de "Espécies", aqui.