Comentários sobre alguns interessantes artigos, descrevendo os bivalves como filtros biomecânicos em aquários, e experiências de sucesso na manutenção.
artigo publicado em 01/05/2016, última edição em 30/04/2021
A borda
posterior de um Diplodon
delodontus, com as aberturas inalante e exalante. Foto de Walther
Ishikawa.
Bivalves em Aquários - Alguns Interessantes Artigos
Dois grandes grupos de moluscos podem ser
encontrados em ambientes de água doce, os gastrópodes (caramujos) e bivalves
(berbigões, ostras e mexilhões). Embora os aquaristas estejam bastante
familiarizados com os gastrópodes, seja como animais ornamentais quanto como
invasores indesejados, pouco se fala dos moluscos bivalves. Apesar de não serem
incomuns na natureza, raramente são introduzidos em aquários. E sua manutenção
é bastante problemática, por serem animais filtradores, que se alimentam de
grande quantidade de fitoplâncton.
Porém, muitas fontes na internet propagam a idéia
de que são animais que podem ser criados facilmente em aquários, não
necessitando parâmetros ou alimentação especial, já que são animais que “filtram
seu alimento da própria água do aquário”, por isso “não precisam ser
alimentados”. Nada disso é verdade. Mais ainda, alguns aquaristas defendem que são animais benéficos,
substituem filtros mecânicos e limpam a água do tanque de uma “forma natural”. Talvez possam contribuir neste aspecto, mas a um alto preço, como veremos adiante.
Náiade Gigante Anodontites trapesialis, introduzido em um aquário somente para fotos. Foto de Walther
Ishikawa.
Uso de Bivalves como Filtros Naturais?
Recentemente (2015) foi publicado um interessante
artigo na Revista Turkish Journal of
Fisheries and Aquatic Sciences, cujo título traduzido é “O uso do Berbigão
Asiático (Corbicula fluminea Müller,
1774) como um Filtro Biomecânico em Cultura de Peixes Ornamentais”, dos autores
Fatime Erdoğan e Mete Erdoğan. São dois autores turcos, e o trabalho foi
realizado em parceria com entidades japonesas.
Várias densidades populacionais de Corbicula fluminea foram mantidas em
tanques de criação de Peixe-dourado (Carassius auratus L., 1758) por 75
dias, e foram testadas a sua eficácia como filtro, tolerância a condições
ambientais e viabilidade. Os crescimentos dos Berbigões e Kinguios foram
controlados ao longo do experimento. Já existem diversos outros trabalhos similares,
sobre o uso de bivalves em lagos externos, estações de tratamento de água e tanques
externos de piscicultura, onde se mostraram uma alternativa interessante e mais
barata para remover sólidos suspensos e nutrientes dissolvidos, e controlar o
crescimento de algas, tanto em sistemas e água doce quanto marinhos (mais adiante comentaremos um destes artigos). Porém,
este é o primeiro trabalho que estuda esta aplicação em criações indoor de peixes ornamentais, em
aquários sem exposição solar direta. Ou seja, uma situação próxima ao que
ocorre em aquários domésticos.
225 Peixes-dourados juvenis (cerca de 2,85 cm de
comprimento) foram separados em 15 aquários de 128 litros, numa densidade de 15
peixes por aquário (8,5 litros por peixe). Cada aquário possui um filtro
interno de esponja com aerador, e um termostato mantendo uma temperatura
constante de 23º C. Os aquários foram divididos em cinco grupos, cada um com
uma densidade diferente de bivalves (0, 8, 16, 24 e 32 berbigões por aquário).
O experimento foi conduzido por 75 dias, em uma sala iluminada por lâmpadas fluorescentes
que mantinha um fotoperíodo de 12 horas. Os peixes eram alimentados com rações comerciais.
A TPA era automatizada, 20% do volume diariamente. Diversos outros parâmetros
foram controlados, como Oxigênio dissolvido e pH (diariamente), Amônia,
Nitrito, Nitrato, Fosfato e TSS (quinzenal).
Corbicula sp., espécie invasora asiática usada no trabalho referido, encontrado também em grande quantidade no território brasileiro. Foto de Walther Ishikawa.
Os moluscos removeram grandes quantidades de
partículas sólidas em suspensão na água, melhorando a qualidade da água. A
concentração de nitrito variou entre 0,10 a 0,63 mg/L, e foram mais altas nos
tanques sem bivalves. Foi observado uma grande diferença no TSS (sólidos totais
em suspensão) entre os tanques, chegando a 9,55 mg/L ao final do experimento
nos tanques sem bivalves, enquanto os valores eram mais baixos nos aquários com
berbigões, 1,74 mg/L no tanque com 24 moluscos. Foi estimada uma redução de
73,35% de TSS e 80,95% de Nitrito entre os tanques de controle e tratamento. Tudo
isso levou a um crescimento mais acelerado dos peixes nos aquários com bivalves,
especialmente no grupo com mais moluscos (32). A porcentagem de ganho de peso
neste grupo foi de 257,06% (227,46% no controle).
Desta forma, os autores concluem que a adição dos
Bivalves em aquários ornamentais podem melhorar a qualidade da água e
contribuir para um maior crescimento dos peixes. O artigo destaca também que a
policultura dos peixes e moluscos não tiveram nenhum efeito negativo na
viabilidade de ambas as espécies. Porém, analisando o artigo com mais cuidado,
percebe-se que isto não é verdade em relação aos bivalves. No experimento, a taxa
de crescimento linear dos Berbigões variou entre 0,052 ~ 0,069 mm/semana, à temperatura
de 23º C. Nesta temperatura, sabe-se por coletas de campo que a taxa de
crescimento destes animais é em torno de 0,80 mm/semana. Ou seja, nos 75 dias
do experimento, os bivalves simplesmente pararem de crescer, possivelmente por
escassez de alimentos! É quase certo que se o experimento prosseguisse por mais
tempo, os bivalves iriam todos morrer.
Foi o que ocorreu em um trabalho brasileiro, envolvendo a náiade Diplodon rhuacoicus (2009). Estes bivalves foram usados como filtros em tanques-rede de piscicultura juntamente com Tilápias, acompanhados por 12 meses. Houve uma melhora na turbidez e qualidade da água onde os peixes eram criados. Porém, a mortalidade dos moluscos foi de 100%, num período variando de 44 a 72 dias.
Corbícula,
na primeira foto, a borda anterior com a concha semi-aberta, seu grande pé muscular visível, assim
como o manto. Na segunda imagem, a borda
posterior com os sifões. Fotos de Walther Ishikawa.
Então não é possível criar Bivalves em
Aquários?
O grande obstáculo é fornecer uma alimentação
adequada, e em volume suficiente, aquários domésticos não costumam ter uma
carga suficiente de plâncton para estes seres se alimentarem, sendo a sua
principal causa de morte. Requer um aporte constante especialmente de fitoplâncton,
o que pode ser obtido em tanques externos estabilizados, que recebam luz solar
direta. Quando mantidos em laboratório, é fornecida uma suspensão de infusórios
e micro-algas (“água verde”) em grande volume, diariamente, ou ainda
diretamente sobre os animais, com uma pipeta. Alimentos comerciais para corais
e esponjas marinhas também pode ser usada. E existem algumas receitas caseiras
bem interessantes na internet. Desligar temporariamente a filtragem é outra
dica.
Segue três exemplos de sucesso na manutenção em cativeiro destes animais, dois aquaristas e um biólogo. O primeiro é do nosso colega aquarista Rogério Monteiro, com bastante experiência na montagem e manutenção de paludários (veja sua página do FaceBook, Paludários do Brasil ). Ele manteve três espécies de bivalves em uma das suas montagens de paludários por um período superior a um ano, Corbículas (Corbicula sp.), Náiades (provavelmente Diplodon sp.) e Mexilhão dourado (Limnoperna fortunei). Os moluscos foram coletados em Socorro, SP, e criados em um paludário de 121,5 litros, com substrato fértil de húmus de minhoca 4k sem nenhum tratamento, coberto por areia de filtro de piscina. Sistema de filtragem Canister Sunsun HW-5000, e cascatas que mantinham elevada oxigenação. O maior cuidado em relação aos parâmetros de água era com o GH, controlado com Seachen Replenish, pela presença de camarões Neocaridina. Não era oferecido alimentação especial, provavelmente a montgem era rica em microvida o que mantinha os bivalves saudáveis por tanto tempo. Infelizmente os animais morreram num acidente envolvendo o difusor de CO2.
Bivalves criados em um paludário, fotos e vídeos cortesia de Rogério Monteiro.
O segundo exemplo é do nosso colega aquarista Lucas Riegler da Silva, que mantém duas náiades no seu aquário há quase um ano. O setup é um aquário auto-ciclante de 20 litros brutos, sem filtragem, oxigenação ou termostato, manutenção mínima, exposto a luz natural. Plantas naturais, um galho de goabeira, rochas e areia coletadas, fauna de um grupo de Tanictis, se reproduzindo. Os parâmetros são um pH de 7.2-7.5, amônia zero, TPAs irregulares de cerca de 10% quinzenais. Dureza elevada, por volta de 5 (o projeto inicil era um aquário de Neocaridinas). Sem alimentação específica, porém, periodicamente era acrescido fermento biológico ao aquário (veja o parágrafo abaixo) o que levava a uma explosão de micro-vida, talvez este tenha sido um dos segredos do sucesso.
Náiade em aquário, fotos e vídeos cortesia de Lucas Riegler da Silva.
Uma experiência muito interessante é do nosso
colega biólogo Alexandre Takio Kitagawa, que estudou uma forma alternativa
simples de manter estes animais em cativeiro. Somos gratos ao autor, que nos
permitiu reproduzir parte dos dados, publicados na revista Aquarista Júnior em 2011. Quatro bivalves Diplodon multistriatus
(Lea, 1834) foram mantidos isolados em pequenos copos plásticos em um aquário
de 6 litros (30 x 15 x 15 cm), sem substrato e com aeração constante promovida
com auxílio de compressor de ar e pedra porosa, iluminação artificial (uma
lâmpada fluorescente de 9W), temperatura em torno de 26°C e pH em torno de 6.8.
Náiade, Diplodon
delodontus,
do mesmo gênero do bivalve usado no experimento da alimentação. Fotos de Walther Ishikawa.
Como alternativa de alimento, foi oferecido
diariamente no período noturno 2 gramas de fermento biológico utilizado no
preparo de pães. Este era diluído em uma pequena parte de água filtrada e
misturada à água do aquário. Quinzenalmente era realizada a troca parcial de
água (30%) por sifonamento, retirando-se o máximo de matéria orgânica acumulada
no fundo do aquário. Os espécimes viveram em cativeiro de fevereiro de 2009 a
fevereiro de 2010, totalizando um período de doze meses, ao contrário dos
outros 4 exemplares controle que ficaram sem alimentação alternativa, o que
acarretou na morte em poucas semanas.
O autor conclui que este alimento alternativo pode
ser uma opção para laboratórios, aquaristas, professores, entre outros
profissionais que necessitem manter esses moluscos em cativeiro. Fica a dica
para aqueles que quiserem criar estes interessantes animais de forma
responsável em seus aquários!
Bibliografia:
Erdoğan
F, Erdoğan M (2015) Use of the Asian Clam (Corbicula fluminea Müller, 1774) as a Biomechanical Filter in
Ornamental Fish Culture. Turk. J.
Fish. Aquat. Sci. 15: 861-867.
French
JRP III, Schloesser DW (1991) Growth and overwinter survival of the Asiatic
clam, Corbicula fluminea in the
St. Clair River, Michigan. Hydrobiologia
219: 165–170.
Kitagawa AT, Salles ROL, Batalha F. Alimentação do
molusco bivalve Diplodon
multistriatus em cativeiro. Aquarista
Júnior, São Paulo, p. 20 - 20, 01 ago. 2011.
Antunes DBF, Silva TA, Antunes TBF, Aguiar KA.Utilização do Mexilhão
(Diplodon ruacoicus, Lea, 1834) como Filtro Biológico. XVI
Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca. 2009. Natal/RN/Brasil.
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