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Ampulárias Xifópagas e Quimeras Genéticas
 
Duas anomalias congênitas relacionada a fusão de embriões

Artigo publicado em 15/11/2021, última atualização em 19/01/2024





Ampulárias Xifópagas e Quimeras Genéticas 

 

As ampulárias Pomacea diffusa são populares animais de aquário, criadas há décadas com bastante sucesso. Malformações congênitas mais simples são relativamente comuns nestes caramujos, com múltiplos registros de animais com antenas e olhos supranumerários, bifidez em antenas, e etc. Porém, recentemente surgiram também alguns interessantes reportes de caramujos com duas outras malformações, com mecanismos relacionados. Trata-se de ampulárias xifópagas e quimeras, o tema deste artigo.

 

 


Ampulária xifópaga, fotos de Christina Louie Garzone Linsalata.



Ampulária xifópaga, fotos de Jasmine Marie.



Ampulária xifópaga, fotos de Stevie Bloodworth.


Ampulária bebê com a porção posterior do pé bífida, talvez uma forma branda de xifópaga. Foto cortesia de Jonathan Thomas.





Caramujos Xifópagos, “gêmeos siameses”

 

Gêmeos xifópagos, também chamados gêmeos conjugados, são gêmeos unidos por alguma região do seu corpo. São chamados popularmente de “gêmeos siameses” por causa de um caso notório de gêmeos humanos da Tailândia do final do século 19. O grau e extensão da fusão dos dois indivíduos é bastante variável, muitos casos graves não são compatíveis com a vida.

É um defeito que ocorre durante o desenvolvimento embrionário, mas o mecanismo exato ainda é incerto. De forma mais global, há duas teorias principais e opostas, envolvendo uma divisão incompleta (teoria da fissão) ou uma fusão entre dois embriões (teoria da fusão). Divisão incompleta de gêmeos univitelínicos têm mais chance de ocorrer em animais onde o desenvolvimento celular é simétrico na fase de blastômero, como vertebrados e equinodermas. Por outro lado, uma fusão parcial de dois embriões pode ocorrer em qualquer animal. No caso das ampulárias e a maioria dos gastrópodes continentais, vale lembrar que cada ovo deve contém um único embrião. Ou seja, não é esperado que haja gêmeos univitelinos. O mecanismo de formação de xifópagos mais provavelmente envolve fusão parcial de dois embriões compartilhando de forma anormal um único ovo (polivitelismo). A existência de quimeras genéticas reforça esta hipótese.   

Os três únicos casos conhecidos em Pomacea são os das fotos deste artigo, todos de colegas aquaristas amadores dos EUA. Mesmo em literatura científica, não há nenhuma menção. A raridade é também explicada pela gravidade desta condição, diferente das quimeras, muitas vezes há um comprometimento grave da saúde do animal. Curiosamente, todos eles têm um padrão semelhante, com uma só cabeça, uma concha, dois pés e dois opérculos, talvez por se tratar de um padrão menos grave. 

Há alguns relatos entre aquaristas de xifópagos em outros caramujos, como Physa (fotos adiante), aqui sim mais bem estudados em artigos científicos. Estima-se uma incidência de 0,02% em Physa acuta, todos surgindo a partir da presença anormal de dois embriões em uma única cápsula. Esta incidência é vista em ovos, sem nenhum relato de animais viáveis após o nascimento em literatura científica, somente algumas observações por aquaristas.

Um caso curioso é o da lesma terrestre Ambigolimax valentianus, que mostra uma incidência alta de xifópagos viáveis, podendo ultrapassar 1%. Nestas lesmas, o mecanismo já foi mais bem estudado, e não envolve divisão incompleta. Todos os xifópagos foram produzidos a partir de cápsulas anômalas contendo mais de um embrião.

Embora seja um defeito congênito, não se trata de uma alteração genética. Desta forma, não é uma característica que será herdada diretamente nos descendentes. Porém, alguns trabalhos mostram que a presença de cápsulas de ovos polivitelínicas é uma característica que pode ser transmitida. Desta forma, filhotes de animais xifópagos, ou aparentados com estes indivíduos, teriam uma chance maior de gerar descendentes com esta condição.

Existem alguns relatos também em outros invertebrados, como crustáceos, mas parecem ser ainda mais raros.    

 

 

Ampulária xifópaga, note o aspecto normal da sua concha. Fotos de Christina Louie Garzone Linsalata (EUA).







Ampulária com algumas anomalias congênitas, note que há quatro olhos (ao invés de dois) e quatro tentáculos cefálicos (ao invés de dois), um deles bifurcado. Apesar das anomalias, o caramujo vive normalmente. Possivelmente o mecanismo da malformação é semelhante ao xifópago. Imagens cedidas por Natália Aratanha.



Physa sp. xifópaga, imagens cedidas pela aquarista norte-americana ScoutIvy (Reddit).




Desenvolvimento dos ovos de Physa acuta, note o ovo destacado na seta. No início do desenvolvimento haviam três embriões, e no final somente um. Fotos de Walther Ishikawa.





Um camarão marinho xifópago, encontrado pela equipe do Reef HQ Great Barrier Reef Aquarium (Austrália, que nos permitiu gentilmente publicar a imagem) em meio aos camarões usados para a alimentação dos animais do aquário.






Quimerismo Genético

 

O quimerismo genético também é um achado bastante raro, onde o indivíduo possui duas (ou mais) populações de células geneticamente diferentes compondo seu corpo, com origem em zigotos diferentes (é chamado de mosaicismo se for a partir de um único zigoto). O mais comum é que haja fusão de dois ovos fertilizados no início do desenvolvimento embrionário, gerando essa mistura de materiais genéticos. Se a fusão ocorrer mais adiante, o resultado será a formação de gêmeos xifópagos.

Muitas vezes a alteração é imperceptível, quando o fenótipo das duas populações é muito semelhante. Mesmo no caso anterior da ampulária xifópaga, pode se tratar de uma quimera, mas com fenótipos parecidos. Mas, quando o fenótipo é diferente, pode ser visível como um indivíduo com partes do seu corpo com cores diferentes, até mesmo de sexos diferentes (ginandromorfismo). Muitas vezes a separação das duas populações se dá nos dois hemi-corpos, que é o que foi relatado nos casos das Ampulárias. Interessante lembrar da origem do nome “quimera”, um ser mitológico grego de aparência híbrida, com partes do corpo de diferentes animais.

Provavelmente não há prejuízos na saúde do indivíduo, podendo haver infertilidade se as duas populações celulares forem de sexos diferentes. Assim como os gêmeos xifópagos, não há alteração genética nos gametas. Desta forma, também não é uma característica hereditária que será passada para os descendentes.

Parece ser uma condição mais comum do que os xifópagos, com múltiplos relatos entre criadores. Há alguns registros também em planorbídeos, como na foto mais abaixo. 

 

 







Dois exemplos de Pomacea diffusa quimeras, note a separação de cores no meio do corpo, primeira foto e vídeo cortesia de Kaylen Kokolus (Canadá), demais de Erin Blumberg (EUA).



Outro exemplo de Pomacea diffusa quimera, note que a divisão é desigual, a região da face é toda clara. Fotos cortesia de Nikki Marcheterre (EUA).




Planorbella duryi, dois exemplares quimeras. Imagens cedidas pelos aquaristas Giancarlo Freitas e Felix Gathercoal. 



Um camarão Caridina quimera, fotos de Chris Lukhaup.





Bibliografia:

  • Crabb ED. The origin of independent and of conjoined twins in fresh-water snails. Wilhelm Roux Arch Entwickl Mech Org. 1931 Jun;124(2):332-356.
  • Eyster LS. Conjoined Twins, Triplets, and Quadruplets in the Gastropod Crepidula fornicata. Invertebrate Biology, 1995. 114(4), 307–323.
  • Mason J, Copeland J. The incidence and variety of Lehmannia valentiana conjoined twins: related breeding experiments (Gastropoda, Pulmonata). Malacologia. 1988, Vol 28, N 1-2, pp 17-27.
  • Mason J, Copeland J. A mechanism for the creation of conjoined twinning in Lehmannia valentiana present in the primary oocyte (Gastropoda, Pulmonata). Malacologia. 1989, Vol 30, N 1-2, pp 325-339.
  • Scholtz G, Ng PKL, Moore S. A crab with three eyes, two rostra, and a dorsal antenna-like structure. Arthropod Structure & Development, Volume 43, Issue 2, 2014, Pages 163-173.


Agradecimentos aos colegas aquaristas Natália Aratanha, Giancarlo Freitas, Christina Louie Garzone Linsalata (EUA), Nikki Marcheterre (EUA), ScoutIvy (EUA), Jasmine Marie (EUA), Stevie Bloodworth (EUA), Kaylen Kokolus (Canadá), Erin Blumberg (EUA), Felix Gathercoal (EUA), Jonathan Thomas (EUA) e também ao Reef HQ Great Barrier Reef Aquarium (Austrália) por permitirem o uso das suas fotos no artigo.

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