Maekistocera longipennis, fotografado em Miguel Pereira, RJ. Foto cortesia de Rafael de Oliveira Bolelli Magalhães.
Chave
de identificação de Típulas brasileiras
A proposta deste artigo é de oferecer uma chave de identificação simplificada para os gêneros de Típulas que ocorrem no Brasil. Trata-se de uma chave informal, sem o uso de análise de órgãos genitais, e com algumas liberdades que não poderiam ser tomadas em chaves acadêmicas. Portanto, deve ser encarada como uma chave menos precisa e incompleta, que deve ser complementada com chaves de identificação formais sempre que possível. Muitos não poderão ser identificados, mesmo com fotos de boa qualidade. Veja o artigo principal sobre as Típulas no website aqui.
Há alguma controvérsia na taxonomia e classificação destes dípteros, desde a separação entre duas famílias ou subfamílias, e diferenças entre as escolas taxonômicas européia e norte-americana. Seguimos a tendência mais atual de considerar duas famílias distintas, Tipulidae e Limoniidae. A principal fonte bibliográfica foi o Manual of Central American Diptera (B. V. Brown e colaboradores), veja a bibliografia ao final do artigo. A listagem oficial das espécies foi do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil.
Venação
alar
É necessária a compreensão da sistemática e nomenclatura da venação alar, para a correta aplicação destas chaves. O texto seguinte foi traduzido e adaptado do artigo de Mike Hackston, presente na sua página. Mike´s Insect Keys (licença Creative Commons, veja o link aqui).
Um dos sistemas mais
usados para nomear as veias das asas foi proposto pela primeira vez por John
Comstock e George Needham em 1898. Eles dividiram as veias em grupos que são
codificados por cores no exemplo acima.
Na margem principal da
asa está a costa (C) que se estende como uma veia espessa na margem anterior e
continua ao redor da ponta da asa e margem posterior como uma veia mais fina.
Abaixo dela está a subcosta (Sc). Isso às vezes é conectado à próxima veia por
uma veia cruzada (sc2) que pode estar
próxima ou na ponta da subcosta, ou muito mais próxima da base da asa.
O próximo grupo de
veias forma o radius (R). A veia R se estende
desde a base da asa e depois se ramifica. O ramo frontal se estende até a costa
e é denominado R1. O ramo inferior é Rs (setor radial). Daí então se
ramifica em R2+3 e R4+5. Podem ou não se ramificar para
formar R2, R3, R4 e R5. As veias R1
e R2+3 podem ser ligadas pela veia cruzada r.
As veias em verde
formam a média (M). Este se ramifica para
formar um ramo superior e um inferior, e estes podem ou não ser ramificados
novamente. Os ramos são frequentemente conectados por uma veia transversal para
formar uma área fechada (a célula discal D).
Este é um marco importante na nomeação das veias. Se estiver presente, sabe-se
que as veias mediais formam suas bordas superior e inferior. Os ramos da veia
medial são denominados M1, M2, M3 e M4
se todos os ramos estiverem presentes. Caso contrário, eles são denominados M1+2
ou M3+4. A média e o radius são conectados por uma veia
transversal r-m. Essas veias podem ser
unidas perto da base da asa pela veia cruzada arcular, a.
As próximas veias são
as veias cubitais (Cu). Geralmente há uma veia
espessa presente, correndo para a costa. Uma veia muito fina de Cu2
pode ser encontrada paralela e próxima a Cu1. As veias Cu e M são
conectadas por uma veia cruzada m-cu.
Finalmente, duas veias anais A1 e A2 correm
da base da asa até a costa na parte basal posterior da asa.
A chave, portanto, é:
- encontrar a célula
discal
- as veias que formam as
margens superior e inferior da célula discal são a primeira e a última parte da
área medial
- as veias na frente
disso são as veias radiais - conectadas por r-m
- as veias por trás são
as veias cubital (conectadas por m-cu) e veias anais
Se a asa não tiver uma célula discal:
- conte a partir da borda
posterior da asa - as duas primeiras veias são as veias anais e a próxima é a
cubital
- identifique a próxima
veia correndo pelo centro da asa - esta é a veia M. Onde ela se bifurca é onde
a base da célula discal estaria
Diferenciando as duas famílias, Tipulidae e Limoniidae
As típulas brasileiras pertencem a duas famílias, Tipulidae e Limoniidae. As características que permitem diferenciá-las são:
Tipulidae: costumam
ser maiores, e pousarem com as asas abertas, perpendiculares ao eixo do corpo (muitas exceções nas espécies brasileiras).
Rostro geralmente bem desenvolvido,
geralmente com uma projeção anterior (nasus). Antenas
geralmente com 11 flagelômeros (14 em alguns Eumicrotipula, 6 em Maekistocera).
Segmento terminal do palpo longo, geralmente mais longo do que os três
segmentos precedentes somados. CuA dobrado na ramificação CuA1/CuA2.
Sc1 rudimentar ou ausente.
Comparação entre a anatomia da região da cabeça entre as famílias Tipulidae e Limoniidae. Fotos cortesia de Vinícius Rodrigues de Souza.
Limoniidae: costumam
ser menores, e pousarem com as asas fechadas, paralelas ao eixo do corpo (muitas exceções nas espécies brasileiras).
Geralmente possuem o rostro curto, sem nasus (três exceções, descritas
adiante). Antenas geralmente com 12 ou 14 flagelômeros (2 a 6 em alguns
Limnophilini, 1 em alguns Helius). Segmento
terminal do palpo curto, mais curto do que os dois segmentos precedentes
somados. CuA reto na ramificação CuA1/CuA2. Sc1
completo.
Comparação entre a venação alar entre as famílias Tipulidae e Limoniidae. Fotos cortesia de Douglas Eduardo Rocha e Rony Ristow.
Família Tipulidae:
Tipulidae
Brachypremna 17
Ischnotoma 8
Leptotarsus 40
Maekistocera longipennis
Nephrotoma 4
Ozodicera 33
Ptilogyna flabellifera
Tipula 47
Zelandotipula 9
Típulas da família Tipulidae podem ser identificadas de forma bem mais simples do que Limoniidae. Trata-se somente de 9 gêneros (incluímos os dois subgêneros de Tipula na chave). Sugerimos seguir a identificação na ordem listada abaixo, excluindo-se o gênero descrito, passando para o gênero seguinte.
Único Tipulidae com veia cruzada bm-cu (M para CuA1). Antena
lisa com 6 flagelômeros. Grandes e pernas longas e delgadas, pousam com asas quase
fechadas – Maekistocera longipennis (este gênero é mais comumente escrito como Megistocera, um antigo erro que acabou se perpetuando)
Maekistocera longipennis, fotografado no Jardim
Pernambuco, Nova Iguaçu, RJ. Foto cortesia de Evelyn F. Santiago.
Maekistocera longipennis, detalhes úteis na identificação. Fotos cortesia de Miguel Macedo Luz Vieira e Ana Carolina da Fonte.
Típulas grandes e com pernas longas e delgadas, tarsos esbranquiçados, pousam com asas
fechadas, postura das pernas bastante típica e inconfundível (foto abaixo). Antenas curtas e filiformes. Detalhes únicos da venação alar são R1+2 dobrado em 90º, perpendicular à costa. Muitas têm Rs dobradas em ângulo reto na extremidade medial. Célula r3 com constrição. Veias M2, M3 e CuA1 afiladas e evanescendo junto à margem da asa – Brachypremna (17 espécies)
Tipulidae do gênero Brachypremna, mostrando sua típica postura. Mede cerca de 12 cm, incluindo as pernas. Fotografado em Xerém, Duque de Caxias, RJ. Foto de Diogo Luiz.
Brachypremna, mostrando detalhes da venação alar úteis na sua identificação. Foto de João Vitor Oliveira de Souza.
Típulas robustas com o corpo
brilhante, preto e amarelo (todas as 4 espécies brasileiras), inconfundíveis. Pousam com asas fechadas ou entreabertas. A identificação é simples baseada somente na cor, sinais auxiliares são a sua antena longa, verticilada e de aspecto espiralado, e abdômen curto – Nephrotoma (4 sp.).
É a única típula com veia bm-cu (Maekistocera também, mas em outra posição). Chaves mencionam a veia Sc terminando oposto à origem de Rs, mas parece não funcionar nas espécies brasileiras. Rs curta, célula m1 pode ter curto pecíolo, lembrando um pouco Ozodicera. Célula dm é um paralelogramo.
Alguns Tipula (Microtipula) podem ter cores que lembram Nephrotoma, veja adiante.
Gênero Nephrotoma, fotografada em Laguna, SC. Foto cortesia de André Menegotto.
Nephrotoma, detalhes na venação alar úteis na identificação, veja mais detalhes no texto. Foto cortesia de José Valério.
Dois gêneros de Típulas têm antena pectinada (machos e quase todas as fêmeas) o gênero Ozodicera e Ptilogyna flabellifera, bastante útil na identificação.
Ozodicera (33 sp.) é um gênero bastante comum, além da típica antena, quase todas as espécies têm a célula m1 séssil, outra característica quase exclusiva deste gênero. Alguns têm m1 peciolada, podendo ser confundidas com alguns Nephrotoma, Leptotarsus e o próprio Ptilogyna. Pousam com asas abertas. Os dois subgêneros podem ser diferenciados pelo aspecto das antenas, embora muitas vezes seja difícil em fotos, e torne-se mais evidente no período reprodutivo. Ozodicera (Ozodicera) (18 sp.) tem as antenas uni-pectinadas, enquanto Ozodicera (Dihexaclonus) (15 sp.) tem as antenas bi-pectinadas.
Gênero Ozodicera, fotografada em Tinguá, Nova Iguaçu, RJ. Foto cortesia de Diogo Luiz.
Ozodicera (Ozodicera), detalhes na venação alar úteis na identificação, como a célula m1 séssil. Destacam-se também as antenas pectinadas. Fotos cortesia de Roger Rio Dias.
Ozodicera (Dihexaclonus), destacando as antenas bi-pectinadas. Fotografada em Feijó, AC, cortesia de Railson Lima.
Ozodicera (Dihexaclonus), destacando as antenas bi-pectinadas. Fotografada na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ. Foto cortesia de Leonardo de Oliveira.
Leptotarsus (Kocia) gesneri e Leptotarsus (Xenotipula) cisatlanticus - este gênero será mais bem descrito na próxima página do artigo, mas estes dois subgêneros possuem uma venação particular, e achamos melhor serem incluídos nesta sessão. São típulas bastante incomuns, com informação escassa, somente uma espécie de cada subgênero ocorre no Brasil. Kocia possui uma venação que pode ser confundida com Ozodicera, é a única outra típula brasileira com célula m1 séssil. As veias R são bem parecidas com Tanypremna. Xenotipula tem uma venação inconfundível, é a única espécie brasileira com somente duas células m. As veias R lembram Longurio.
Leptotarsus (Xenotipula) cisatlanticus, fotografado em Quatro Barras, PR. Foto de Bernardo Vailati.
Ptilogyna flabellifera é o único representante do gênero na região neotropical, trata-se de um grupo quase exclusivo da Austrália. Os registros em literatura são todos do RJ, e os poucos registros do iNaturalist são da região Sudeste. São grandes, possuem antenas bastante pectinadas, especialmente nos machos, e rica pigmentação nas asas. Célula m1 com curto pecíolo, não sessil. Pousam com asas abertas.
Ptilogyna flabellifera macho, fotografada em Itatiaia, RJ. Note a antena bastante pectinada, e também a m1 peciolada (não séssil). Fotos cortesia de Edvandro Abreu Ribeiro.
Ptilogyna flabellifera fêmea, também fotografada em Itatiaia, RJ. Foto cortesia de Maria Vitória.
Típulas com padronagens bem características nas asas. Célula r3 com constrição média. Mancha sobre
origem de Rs, marcação na base e/ou porção média de célula bm. Rs longo. Antena
filiforme. Pousam com as asas abertas – Zelandotipula (9 sp.)
Gênero Zelandotipula, fotografada em Eco, Santa Tereza, ES. Foto cortesia de Danilo Pacheco Cordeiro.
Zelandotipula, detalhes na venação alar úteis na identificação. Destaca-se também as antenas filiformes (seta). Foto cortesia de André Menegotto.
Zelandotipula, fotografado em Ouro Branco, MG. Foto de Tamara Miranda.
Veja a segunda parte do artigo aqui