Sexagem
das Ampulárias
Existem algumas formas de verificar o sexo das nossas ampulárias, a melhor forma
é analisando a anatomia dos órgãos reprodutores.
1.
Retire a ampulária da água, e vire-a de costas, ou
seja, com a abertura da concha para cima. Você pode coloca-lo sobre algum
substrato, ou segurá-lo com sua mão nesta posição. Segurando o animal, é mais
fácil ver os detalhes anatômicos, como explicaremos adiante. Mas você não pode ter
“nojo” da ampulária encostando nos seus dedos.
2.
Espere o animal sair da concha, ela irá esticar seu
corpo para apoiar o pé no substrato (ou na sua mão), a fim de virar seu corpo
para uma posição mais confortável. Pode demorar um pouco para o animal fazer
isto (até 10 minutos), assoprar gentilmente o corpo da ampulária costuma estimulá-los
a sair.
3.
Quando o animal esticar seu corpo, veja o interior da abertura
concha. Girar a concha um pouquinho, mantendo o lado direito do animal um pouco
mais alto do que o esquerdo costuma ajudar. Atente à região superior do lado
direito do animal, dentro da cavidade do manto. Nos machos, pode ser vista a
bainha do pênis, uma estrutura muscular alongada e clara, com uma das
extremidades inserida próxima à borda da concha. Nas fêmeas, esta região é
vazia, só dá pra ver a cavidade com a brânquia.
4.
Outra forma de fazer esta inspeção é retirar a
ampulária da água, e deixar ela caminhar na sua mão. Mantendo a mão molhada,
deixe o animal com a abertura da concha virada para baixo, para a palma da sua
mão. Quando ela estiver tranquila e caminhando na sua mão, faça ela caminhar
para seus dedos. No momento que ela está caminhando nas bordas ou extremidade
do seu dedo, a cavidade do manto costuma ficar bem exposta, e de fácil análise.
Atenção! Fique com sua outra mão bem alerta, para o caso de ela se soltar e
cair! Em alguns animais que demoram pra sair da concha, esta forma costuma ser
mais rápida.
5. No
início não é muito fácil, mas depois de alguma experiência, vai ser muito fácil
sexar suas ampulárias no futuro usando estas dicas.
Algumas fotos com exemplos (todas as imagens foram gentilmente cedidas por Terri Bryant):
Machos:
Fêmeas:
Pomacea scalaris
A Pomacea scalaris é outra espécie de Ampulária encontrada no Brasil, parente próxima da P. diffusa. Assim como esta espécie, não ataca plantas ornamentais, e tem sido criada em cativeiro por alguns aquaristas amadores, especialmente em SP e também na Argentina. A sexagem da P. scalaris é mais difícil, porque esta espécie mostra uma membrana recobrindo a entrada da concha, inclusive à direita do animal, no local onde está o complexo peniano.
Veja as fotos abaixo (todas as imagens gentilmente cedidas por Andressa Malgueiro):
Outra opção é esperar os caramujos copularem. Neste momento, o macho sobe em
cima da concha da fêmea, e introduz o pênis na parceira. Assim, você pode saber
que o animal de cima é o macho, e o de baixo, a fêmea. Neste momento, o próprio
complexo peniano pode ser visível, como uma estrutura alongada e muscular. Ele
envolve o pênis propriamente dito, que é fino e longo, e não é visível durante
a cópula.
Cópula de Pomacea
diffusa, o macho à esquerda insere seu pênis na fêmea. Foto de Stijn
Ghesquiere.
Close da primeira foto, com a bainha do pênis
inserida na fêmea. Normalmente a bainha do pênis permanece dobrada dentro
da cavidade do manto, mas eventualmente ela se desdobra para fora, ficando
exposto (na segunda foto, Pomacea flagellata).
Ambas fotos de Stijn Ghesquiere.
Uma dúvida comum nos iniciantes é confundir o sifão respiratório com o
complexo peniano. Além das diferenças na sua forma, o sifão se situa do lado
esquerdo do animal, o pênis do lado direito.
Outro alerta importante: muitas vezes machos brigam com outros machos, disputando
uma fêmea. Neste processo, um macho pode subir em cima da concha de outro
macho, simulando uma cópula. Pode acontecer também de um macho tentar copular com outro macho, já que frequentemente ele não consegue identificar claramente o gênero do outro animal. Porém, fêmeas não sobem em cima da concha de outras
ampulárias, sejam machos ou fêmeas. Isto significa que se você avistar duas
ampulárias uma em cima da outra, certamente a de cima é um macho, mas a de
baixo não é necessariamente uma fêmea.
Em algumas espécies, a forma da abertura da concha é diferente entre os
sexos, o macho tendo a abertura mais arredondada (um exemplo é a Pomacea canaliculata), ou na forma da borda
da abertura (como na Pomacea flagellata). Ou ainda, na morfologia do opérculo, convexo nos machos (P. canaliculata). Infelizmente este método não funciona na Pomacea
diffusa, a espécie utilizada em aquariofilia. Porém, nas variedades
de ampulária de concha e corpo claro (como a dourada, a mais encontrada em lojas de
aquarismo), há uma mudança na coloração das espiras mais apicais das conchas,
durante o período reprodutivo. Na realidade se trata do ovário maduro da fêmea,
de cor escura, que pode ser vista através da concha translúcida. Note que este
método nem sempre é confiável, só funciona em animais adultos, e somente no período
reprodutivo. E também não funciona em variedades de coloração mais escura.
Quando ampulárias com conchas translúcidas (Pomacea diffusa albina, neste caso)
estão prestes a se reproduzirem, o ovário das fêmeas (seta) pode se
tornar visível através da concha. Fotos de Ricardo Nunes.
Pomacea diffusa botando ovos. Note a coloração escura junto ao ápice da concha. Foto de Cinthia Emerich.
Mudança de sexo???
Ampulárias podem mudar de sexo? Hoje sabemos que não. Há um artigo antigo bastante citado de 1990 mencionando a mudança de sexo em Pomacea canaliculata na Tailândia, mas tratava-se somente de uma especulação, baseado somente nas maiores dimensões das fêmeas nesta população (sugerindo que machos poderiam se tornar fêmeas - protandria). Muitos trabalhos posteriores praticamnete descartaram esta possibilidade.
Na natureza, a proporção de machos e fêmeas é semelhante, mas nas proles a proporção varia muito, desde cachos de ovos somente com machos até somente com fêmeas. Hoje sabe-se que o sexo é determinado geneticamente nas Ampulárias, através de poucos genes (oligogenético), provavelmente nucleares. Diversos trabalhos testaram fatores ambientais que possam influenciar esta proporção, como temperatura, posição dos ovos, nutrição, presença de adultos de determinado sexo, etc. Parece não haver nenhuma influência, embora alguns trabalhos chineses tenham mostrado uma quantidade maior de fêmeas adultas em locais de maior temperatura e precipitação (um achado não necessariamente relacionado à determinação de sexo).
Um fato que pode ser confundido com a mudança de sexo é a masculinização de algumas fêmeas, passando a exibir um complexo peniano e a comportar-se como machos, inclusive com cópulas. Todas as fêmeas permanecem com um complexo copulatório rudimentar, que pode se desenvolver. Chamado de Imposexo, este fenômeno é bastante estudado como sendo consequência de gatilhos ambientais como intoxicação por agentes químicos, os mais conhecidos são Trifenilestanho (TPT) e Tributil-estanho (TBT), usados como pesticidas e em tintas anti-incrustantes de embarcações. Há poucos casos registrados em aquariofilia, como os abaixo, onde não foi identificado nenhum claro gatilho causador desta mudança. Existe um trabalho de campo em Taiwan, mostrando uma altíssima incidência de imposexo em P. canaliculata (95%) e P. scalaris (90%), devido ao uso ilegal de TPT.
Fêmea de Pomacea diffusa com masculinização. Três fotos do mesmo caramujo, o primeiro botando ovos, e o último numa tentativa de cópula, exibindo seu complexo peniano. A diferença de tempo entre a primeira e terceira foto é de pouco mais de um mês. Fotos cortesia de Lauren Hermann.
Outro exemplo de fêmea de Pomacea diffusa com masculinização (imposex). Cachos de ovos depositados pela fêmea, e a mesma fêmea mostrando o complexo peniano. Fotos cortesia de Megan Lombardi.
Bibliografia:
- Keawjam RS, Upatham ES. 1990. Shell morphology, reproductive anatomy and
genetic patterns of three species of apple snail of the genus Pomacea in
Thailand. Med. & Appl. Malacol., 2: 45-57.
- Yusa Y, Kumagai N. Evidence of oligogenic sex determination in the apple
snail Pomacea canaliculata. Genetica. 2018 Jun;146(3):265-275.
- Xu M, Fang M, Yang Y, Dick J, Song H, Luo D, Mu X, Gu D, Luo J, Hu Y.
(2016). Spatial variation in adult sex ratio across multiple scales in the
invasive golden apple snail, Pomacea canaliculata . Ecol Evol, 6 (8).
- Yusa Y. 2004 Brood sex ratio in the apple snail Pomacea
canaliculata (Gastropoda: Ampullariidae) is determined genetically and
not by environmental factors. J. Moll. Stud. 70: 269–275.
- Gamarra-Luques C, Giraud-Billoud M, Castro-Vazquez A. 2013. Reproductive
organogenesis in the apple snail Pomacea canaliculata (Lamarck, 1822), with
reference to the effects of xenobiotics. Journal of Molluscan Studies 79:
147e162.
- Giraud-Billoud M, Campoy-Diaz AD, Muñoz EM, Vega IA. Evaluation of
female masculinization in Pomacea canaliculata (Caenogastropoda, Ampullariidae)
induced by tributyltin, heavy metals, and uranium in culture water. Environ
Anal Health Toxicol. 2022 Sep;37(3):e2022023-0.
- Wu JY, Meng PJ, Liu M, Chiu Y, Liu LL. (2010). A high incidence of
imposex in Pomacea apple snails in Taiwan: A decade after triphenyltin was
banned. Zoological Studies, 49, 85-93.
Este artigo foi adaptado do portal
applesnail.net
, possivelmente o melhor banco de dados de
Ampulárias que existe na internet. Agradecimentos a
Stijn Ghesquiere,
responsável pelo portal, por permitir o uso do material e fotos. Agradecemos
também às colegas aquaristas
Andressa Malgueiro,
Terri Bryant (EUA),
Lauren Hermann (EUA),
Megan Lombardi (EUA) e
Ricardo Nunes (Portugal) pela cessão das fotos para o artigo.
As fotografias
de Cinthia Emerich e Stijn Ghesquiere estão licenciadas sob
uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos
respectivos autores.
Artigo
publicado em 27/05/2013, última atualização em 18/08/2023