Cruzamentos seletivos
de Pomacea diffusa
Neste artigo
serão descritos dois exemplos de criações seletivas da Ampulária Pomacea diffusa, com cruzamento de
variedades distintas de cor. São dois
exemplos bastante didáticos e ricamente ilustrados, mostrando como funciona na
prática a genética das diversas variedades de cor deste caramujo.
As imagens
foram gentilmente cedidas por duas colegas aquaristas, Mírian Pacheco Nunes dos Santos (Rio de Janeiro, Brasil) e Ambriel Dawn (Montana, EUA), assim como
ricas informações acerca de detalhes do processo reprodutivo. Agradecemos a
ambas pela disposição, paciência e generosidade.
De certa
forma, este artigo é uma continuação de dois textos abordando variedades de cor
e genética da Pomacea diffusa, a segunda parte pode ser acessada aqui .
Para as
notações sobre o genótipo dos animais, seguiremos a mesma nomenclatura do segundo
artigo, usando a letra “P” (de “pé”) para a
presença de pigmento escuro no corpo, e “A” (de “amarelo”)
para a presença de pigmento amarelo na concha. Usaremos também a letra “E” (de “escuro”) para a presença de pigmento escuro (púrpura)
na concha. Como mencionamos anteriormente, estas escolhas são totalmente
arbitrárias, e só tem fins didáticos.
Exemplo 1 – variedade Púrpura Listrado X Selvagem
Neste
exemplo, foi realizado um cruzamento de uma fêmea Selvagem com um macho Púrpura
Listrado:
Não há
dúvida que este macho tem pés claros (ausência de pigmento no corpo), e possui
o pigmento púrpura na concha, com faixas. Porém, atentando à região junto à
borda da abertura da concha, notem que sua concha tem um leve tom amarelado,
mostrando que o ostraco é pigmentado de amarelo, embora em um tom bem discreto.
Desta forma, seu genótipo pode ser inicialmente caracterizado como ppA_E_.
Analisando o resultado do cruzamento, mais adiante descobriremos que ele é um
ppA*Ee.
Macho Púrpura
Listrado. Note a borda da concha em um tom creme-amarelado, indicando que este
espécime possui pigmento amarelo na concha, mas de baixa expressão. Por este
motivo, o tom de púrpura é discretamente puxado para rosa-salmão.
Quanto à
fêmea, ela tem pés escuros (pigmentados), e possui o pigmento púrpura na
concha, com faixas. Também tem um tom amarelado junto à borda da abertura da
concha, mostrando que o ostraco é discretamente pigmentado de amarelo. Desta forma,
seu genótipo pode ser inicialmente caracterizado como P_A_E_. Analisando o
resultado do cruzamento, mais adiante descobriremos que ela é um PpA*Ee.
Fêmea Selvagem.
Note que nesta fêmea também há um tom creme-amarelado, indicando que possui
pigmento amarelo na concha, mas de baixa expressão. Compare, por exemplo, com o
Selvagem do segundo exemplo de cruzamento, que mostra um tom amarelado mais
intenso. A fêmea foi comprada na mesma loja do macho, possivelmente ambos animais
são aparentados, o que explicaria a expressão semelhante do pigmento amarelo na
concha. Na terceira foto, junto a um exemplar Dourado, e a última imagem mostra
a oviposição.
O cruzamento
resultou em filhotes de quatro variedades, vejam a imagem abaixo, com 1 dia de vida. A coloração
dos filhotes não é bem definida desde o nascimento, mas já é possível
discriminar quatro padrões de cor. Alguns detalhes são bem interessantes: Note
que metade dos filhotes têm olhos negros e manchas no corpo, e metade não os
tem (independente de terem tons rosados ou não). Isto confirma que o pai é um
Pp, e não um PP. Na segunda possibilidade, todos os filhotes teriam pigmentação
no corpo (todos os filhotes Pp).
Uma ressalva
em relação ao pigmento amarelo da concha. Ambos os pais mostram tons amarelados
bem tênues na concha, indicando que expressam este pigmento, mas numa
intensidade bem menor do que, por exemplo, alguma variedade Dourada. E veremos
adiante que todos os filhotes desenvolvem um tom discretamente amarelado com o
passar do tempo. Este fato confirma o genótipo de pelo menos um dos pais, como
sendo AA. Se ambos fossem Aa, teríamos 25% da prole sem este pigmento
amarelado. No esquema abaixo, consideramos a mãe como sendo AA, mas poderia ter
sido o pai, ou ambos.
Por outro
lado, pela pequena intensidade do pigmento amarelo, ele se manifesta muito
pouco, em termos de fenótipo. Por este motivo, os filhotes do terceiro grupo
foram denominados como sendo da variedade Azul. A rigor, seriam Jade, mas a
pequena intensidade de amarelo os faz lembrarem muito mais os Azuis. Idem com o
quarto grupo. Foram denominados Marfim, mas se formos rigorosos, seriam da
forma Dourada, mas com pouca expressão de amarelo. Veja neste artigo o aspecto de bebês Dourados recém-nascidos, como já nascem com um intenso tom amarelado.
Bebês com 1
dia de vida. Note como alguns possuem olhos pigmentados, outros não.
5
dias de vida, conchas com coloração púrpura mais intensa.
9 dias de vida, a pigmentação mais intensa.
Bebês com 12 dias de vida.
22 dias de vida, imagens das quatro variedades. Note as faixas mais intensas.
37 dias de vida, finalmente exibindo um tênue tom amarelado na concha. As faixas também estão mais bem definidas.
44 dias de vida
51 dias de vida
Na contagem
final dos filhotes, as proporções obtidas foram estas:
- Púrpura Listrado (ppA_E_): 37,1%
- Selvagem (P_A_E_): 38,7%
- Marfim (ppA_ee): 11,2%
- Jade/Azul (P_A_ee): 13,2%
Muito
semelhante à esperada pela tabela de cruzamento.
Vamos agora tentar compreender como adivinhamos o genótipo dos pais. Baseado somente no seu fenótipo, caracterizamos a mãe como sendo P_A_E_, e o pai como sendo ppA_E_.
Vamos começar com o pigmento do corpo. Sabemos que metade dos filhotes nasceu pigmentado, e metade não pigmentado. Desta forma, a mãe tem que ser um Pp. Se fosse um PP, todos nasceriam pigmetados (filhotes Pp).
O mesmo raciocínio para o pigmento escuro (púrpura) da concha. Por ora, vamos deixar o amarelo de lado. Veja que temos filhotes sem o pigmento púrpura (variedades Marfim e Jade), ou seja, ee. Desta forma, ambos pais precisam necessariamente ser Ee. Vejam também que a proporção entre todos os filhotes com o pigmento (Púrpura Listrado e Selvagem) e os sem pigmento (Marfim e Jade) é de 3:1, o que também é esperado.
Finalmente, o pigmento amarelo. Aqui a coisa é um pouco mais complicada, não é possível definir exatamente qual o genótipo dos pais. Lembrando que todos os filhotes são amarelados, ou seja, nenhum é aa. Assim, a única combinação que pode ser descartada é Aa x Aa. Restam as outras três, Aa x AA, AA x Aa e AA x AA. Não é possível definir qual das três é verdadeira.
Terminamos então com o seguinte resultado:
Fêmea Selvagem PpA*Ee x Macho Púrpura Listrado ppA*Ee, pelo menos um dos * = A
Exemplo 2 – variedade Azul X Selvagem / Dourada
Neste
exemplo, foi realizado um cruzamento de uma fêmea Azul com um macho Selvagem e
outros dois Dourados. Os quatro caramujos conviveram juntos no mesmo aquário, e foram vistas copulando. Diferente do caso anterior, não é possível, em princípio, saber qual dos machos foi o pai. Na realidade, mais de um macho foi o pai da prole, com um resultado bastante interessante no cruzamento. Estes são os quatro animais:
As quatro Ampulárias envolvidas na reprodução, acima vemos a fêmea Azul e o macho Selvagem, e abaixo os dois machos Dourados.
A fêmea tem
pés escuros (pigmentados), e não possui nenhum pigmento na concha, nem o
amarelo, nem o púrpura. Obviamente também não tem faixas. Desta forma,
seu genótipo pode ser inicialmente caracterizado como P_aaee. Analisando o
resultado do cruzamento, mais adiante descobriremos que ela é um PPaaee.
A fêmea Azul, a única fêmea neste cruzamento.
Quanto ao primeiro
macho, ele tem pés escuros (pigmentados), e possui ambos pigmentos na concha, o
amarelo e o púrpura, além de ter faixas. Desta forma, seu genótipo pode ser inicialmente
caracterizado como P_A_E_. Analisando o resultado do cruzamento, mais adiante
descobriremos que ele é um P_AAE_.
O macho Selvagem.
Os outros dois machos
têm pés claros (sem pigmentação), possuem o pigmentos amarelo na concha, mas não
possuem o púrpura, não tendo também faixas. Desta forma, seu genótipo pode ser inicialmente
caracterizado como ppA_ee. Analisando o resultado do cruzamento, mais adiante
descobriremos que ambos são ppAAee.
Os três machos, o Selvagem e os dois Dourados. Note como o Dourado menor sobe sobre a concha do maior. Somente machos tês esse comportamento, seja para reprodução, seja em disputas entre machos.
Momentos antes da cópula de um dos Dourados com a fêmea Azul. Note o complexo peniano bem exposto.
Oviposição da fêmea Azul, e o nascimento dos filhotes. Note como todos mostram manchas pigmentadas no corpo.
O cruzamento
resultou somente em filhotes de duas variedades, o que é bem interessante. Houve uma grande proporção de Jades, e alguns Selvagens. Na contagem
final dos filhotes, as proporções obtidas foram estas:
- Jade (P_A_ee): 87,9%
- Selvagem (P_A_E_): 12,1%
Filhotes recém-nascidos.
Filhote com 20 dias de vida. Infelizmente a mãe morreu em um acidente, a concha da foto é sua. Note como a concha é totalmente incolor (e não Azul), o que é esperado nesta variedade.
Filhote com 22 dias de vida.
Comparação de filhotes com 1 mês e 4 meses de vida.
Filhotes Jade já bem desenvolvidos, com 3 meses de vida.
Vamos analisar os dois cruzamentos separadamente, primeiro com o macho Selvagem, e depois com algum dos dois Dourados. Temos o seguinte resultado Azul x Selvagem:
E temos o seguinte resultado Azul x Dourado:
O primeiro ponto que chama a atenção é a presença de filhotes da variedade Selvagem. Isto indica que certamente hove a participação do pai Selvagem no cruzamento, nunca se esperaria este resultado somente com o cruzamento de Azul x Dourado, mesmo considerando todas as possibilidades de heterozigose. Por outro lado, num cruzamento Azul x Selvagem, a proporção de filhotes Jade seria muito menor do que o observado na prática, no máximo de 50% (a proporção obtida foi de 87,9%).
Este fato sugere fortemente que os dois (ou três) machos participaram da reprodução! Lembrando que estes caramujos estocam sêmen após a cópula por um
período longo, e quando há nova cópula, existe mistura de material seminal com renovação gradual
do estoque do receptáculo, com a possibilidade de múltipla paternidade
nos filhotes.
Vamos
agora, assim como no primeiro exemplo, tentar compreender como adivinhamos o genótipo dos pais. Baseado
somente no seu fenótipo, caracterizamos a mãe Azul como sendo P_aaee, o pai Selvagem como sendo P_A_E_, e os machos Dourados como ppA_ee.
Vamos
começar com o pigmento amarelo da concha. Sabemos que todos os filhotes têm o pigmento, apesar da mãe ser homozigota recessiva, sem o pigmento. Desta forma, ambos pais precisam ser AA, porque se qualquer um deles fosse Aa, parte da prole não teria o pigmento amarelo.
Agora, o pigmento escuro do corpo. Todos os filhotes nasceram
pigmentados, e, como vimos, parte da prole é do pai Dourado, um homozigoto recessivo. Desta forma, a mãe é PP, porque se fosse Pp, parte dos filhotes sairia sem o pigmento. Por outro lado, não é possível determinar o genótipo do pai selvagem, já que a mãe é PP, o pai Selvagem poderia ser tanto PP quanto Pp, todos os seus filhotes teriam o pigmento.
Finalmente, o pigmento escuro (púrpura) da concha. Aqui também não é possível definir o genótipo do pai Selvagem. Pode ser EE ou Ee.
Terminamos então com o seguinte resultado:
Fêmea Azul PPaaee x Macho Selvagem P_AAE_ / Macho Dourado ppAAee
A aquarista Ambriel Dawn, que nos cedeu as imagens do segundo cruzameto, tem um blog bastante interessante onde ela oferece imagens e informações gerais sobre a sua experiência na manutenção e reprodução de Ampulárias. Sua página pode ser vista aqui .