Misídeo de água doce, Hemimysis anomala, encontrado como espécie invasora em rios alemães. Fotos de Werner Klotz.
Visão global
Os misídeos são pequenos crustáceos muito parecidos com camarões, mas que
na realidade possuem um parentesco bastante distante. Também pertencem à classe
Malacostraca, mas a outra superordem, Peracarida (significa “próximo a camarões”),
ordem Mysida. A principal característica que os distingue da superordem Eucarida
é a ausência de larvas de vida livre. São chamados popularmente de Opossum
Shrimp (“camarão-gambá”), uma alusão à presença de uma bolsa incubadora ou
marsúpio embaixo do tórax onde os ovos se desenvolvem.
Cosmopolita, a ordem Mysida atualmente inclui cerca de 180 gêneros,
com mais de 1000 espécies. Ocupam uma ampla variedade de habitats, como águas
subterrâneas, água doce, salobra, marinhas costal, superficial e abissal. Somente
cerca de 80 espécies são encontradas em água doce. No Brasil, há nove espécies
de água doce (todas na Bacia Amazônica) e uma de água salobra, além de
diversas espécies marinhas. As espécies de água doce e salobra pertencem a dois
gêneros, Parvimysis e Surinamysis:
- Surinamysis robertsonae – água doce, do Lago do Calado e rios amazônicos.
- Surinamysis rionegrensis - água doce, Rio Negro
- Surinamysis aestuaria – água salobra, Rio Cavalo (estuário do Rio Quatipuru, PA).
- Parvimysis pisciscibus – água doce em rios amazônicos.
- Parvimysis amazonica – água doce, tributários dos Rios Negro e Solimões
- Parvimysis fittkaui – água doce, tributários do Rio Negro
- Parvimysis fluviatilis – água doce, Rio Urucú, tributário do Rio Solimões
- Parvimysis lacustris – água doce, tributários dos Rios Negro e Solimões
- Parvimysis macrops – água doce, Rio Urucú, tributário do Rio Solimões
- Parvimysis tridens – água doce, Igarapé da Cachoeirinha, tributário do Rio
Negro
Muitas destas espécies amazônicas foram descobertas
recentemente, quase todas em uma área de distribuição relativamente pequena. Provavelmente
a diversidade e distribuição destes misídeos amazônicos deve ser bem maior.
Inclusive, um fragmento de Parvimysis
já foi coletado no limite Sul do Rio Culuene (MT), um tributário do Rio Xingú.
Há também uma espécie venezuelana do Orinoco (S. merista) conectada com a bacia amazônica.
Misídeo de água doce, Limnomysis sp., fotografado no Lago de Constança, Suíça. Fotos de Tino Dietsche.
Aspecto
São parecidos com diminutos camarões, corpo alongado e transparente,
abdômen bem desenvolvido. Olhos proeminentes e pedunculados, dois pares de
longas antenas. Espécies marinhas podem atingir 25 mm. As espécies brasileiras
são diminutas, medindo entre 3,3 e 5,8 mm.
Algumas características que os distinguem dos camarões (Caridea),
possuem um marsúpio na porção inferior do tórax, envolvido por grandes e
flexíveis oostegitos, estruturas membranosas e ciliadas que se estendem dos
segmentos basais dos pereiópodes. Formam o assoalho e paredes da cavidade, e
seu teto é formado pelo esterno do animal.
Outras características são seus pereiópodes biramificados, usados
para natação e para orientar o fluxo de água em direção aos maxilópodes para
alimentação. Os pleópodes são reduzidos ou ausentes. Possuem um estatocisto na
extremidade dos endópodos do urópodo, claramente vistos como vesículas circulares.
São órgãos do equilíbrio, e auxiliam os animais a se orientar na água, permitindo
manter a posição do corpo e evitar que sejam carregados passivamente quando
expostos à ação de correntes de água. Estes órgãos possuem um cristal mineral,
chamado de estatolito. Curiosamente, a maioria dos misídeos de água doce
possuem um estatolito de vaterita, em contraste com as espécies marinhas, que
produzem fluorita.
Grande agrupamento de Hemimysis anomala, fotografado no Lago de Léman, Suíça. Fotos de Patrick Steinmann.
Comportamento
e Alimentação
Quanto à distribuição espacial algumas espécies podem ocupar toda a
coluna d'água, viver próximo ao fundo ou caminhar sobre o mesmo, abrindo
caminho pelo sedimento ou se enterrando, sendo definidos como hipoplanctônicos
ou epibênticos por alguns autores. A maioria das espécies marinhas são bentônicas
durante o dia, mas realizam migrações verticais à noite tornando-se
planctônicas, com o intuito de se alimentar, acasalar ou liberar a prole
evitando assim possíveis predadores visuais.
A principal forma de locomoção é a natação. Muitos são gregários,
formando grandes aglomerações. Existem espécies marinhas comensais, associadas
a anêmonas e ermitões. São filtradores onívoros, alimentam-se de algas,
detritos em suspensão na água e zooplâncton.
Misídeo de água doce, Hemimysis anomala, fotografado no Lago de Constança, Suíça. Foto de Tino Dietsche.
Reprodução
A reprodução nos misídeos é sexuada, são dióicos, com fertilização
externa. A cópula é noturna, e dura poucos minutos. O macho insere seu pênis no
marsúpio e libera o esperma. Isto estimula a fêmea, que libera os óvulos nesta
cavidade na próxima hora, e são fertilizados. Os ovos medem entre 0.20-0.25 mm.
Os embriões se desenvolvem na cavidade marsupial, o desenvolvimento sendo
direto na maioria dos casos, os juvenis nascendo dos ovos como miniatura dos
pais. Estes são liberados pouco após o nascimento. O número de filhotes é
pequeno, mas é compensado pelo curto ciclo reprodutivo, uma nova ninhada pode
ser produzida a cada quatro a sete dias.
Têm grande importância ecológica, muitas vezes representando a forma de
vida dominante em alguns habitats, como na zona de arrebentação, onde podem
corresponder a 90% da biomassa total desses ambientes.
Algumas espécies são criadas em larga escala em laboratório, como
alimentos para outros animais marinhos, em aquários ou criações comerciais. São
bastante sensíveis à poluição, sendo usados também como bioindicadores de
qualidade d´água, e bioensaios de teste de pesticidas e outras substâncias
tóxicas.
Observação: Não existem fotos de exemplares vivos das espécies brasileiras de Misídeos, mesmo em literatura científica (Wittmann KJ com. pers.). Foram usadas imagens de outras espécies continentais destes crustáceos, como ilustração para o artigo, pois têm morfologia bastante semelhante.
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Bibliografia adicional:
- Felipe
FP. Variação nictemeral de misídeos (Crustacea, Peracarida) na zona de
arrebentação da Praia de Pontal do Sul – PR. 2010. 52f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em Oceanografia) – Instituto de Ciência e
Tecnologia, Universidade Federal do Paraná, Paraná. 2010.
- Wittmann
KJ. 2018. Six new freshwater species of Parvimysis, with notes
on breeding biology, statolith composition, and a key to the Mysidae
(Mysida) of Amazonia. Crustaceana 91(5): 537-576.
- Wittmann
KJ. 2017. The genus Surinamysis (Mysida, Mysidae, Diamysini) from
Amazonia and the coast of Brazil, with descriptions of two new
species, Crustaceana, 90 (3): 359-380.
- Bamber
RN, Henderson PA. A new freshwater mysid from the Amazon, with a
reassessment of Surinamysis Bowman (Crustacea: Mysidacea). Zoological
Journal of the Linnean Society, 1990; 100: 393-401.
- Meland
K, Mees J, Porter M, Wittmann KJ. Taxonomic Review of the Orders Mysida
and Stygiomysida (Crustacea, Peracarida). PLoS One. 2015; 10(4): e0124656.
- Porter ML, Meland K, Price W.
Global diversity of mysids (Crustacea-Mysida) in freshwater. Developments
in Hydrobiology. 2008;
198: 213–218.
Agradecimentos a Werner Klotz (Alemanha), Tino Dietsche (Suíça) e Patrick Steinmann (Suíça) pelo uso das suas fotos no artigo. Agradecimentos também ao Dr. Karl J. Wittmann (Universidade de Viena, Áustria) por nos ceder gentilmente seus artigos, e valiosas informações.