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Complexo "A. uruguayana"  
Artigo publicado em 21/02/2012, última edição em 21/04/2023  



Égla – Aegla uruguayana (complexo de espécies)

 

Nome em português: Égla, Pancora, Caranguejo de Rio, Tatuí de água doce, Scrabei
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla uruguayana Schmitt, 1942

Origem: Brasil (RS), Uruguai e Argentina

Tamanho: carapaça com comprimento de até 3,6 cm
Temperatura: 16-20° C
pH: neutro/alcalino

Dureza: média
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico
Dificuldade: média

 

 

Apresentação

 

Apesar de serem muitas vezes referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da América do Sul, com próximo de 60 espécies brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécie neste link ). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.

Não são muito populares no Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são criados há algum tempo com sucesso. Em especial, o A. uruguayana é uma das espécies mais comumente encontradas na Argentina, e consequentemente uma das mais criadas em aquários.

Alguns trabalhos moleculares recentes têm indicado que na realidade o Aegla uruguayana é um complexo de espécies crípticas, das populações brasileiras, somente aquelas do sudoeste (Uruguaiana e Alegrete) e pequenos focos próximos da capital (Mariana Pimentel, Barão do Triunfo e Sertão Santana) correspondem ao A. uruguayana sensu strictu. As demais (inclusive várias outras populações próximas de Porto Alegre) correspondem a outras seis espécies crípticas ainda não batizadas.  

            Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle, uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo ocidental do mundo. E uruguayana significa nativo do Uruguai.

 





Aegla cf. uruguayana, fotografada no Complexo Florestal do Chasqueiro, Arroio Grande, RS. Trata-se de uma das espécies crípticas ainda não identificadas. Fotos gentilmente cedidas por José Milton Schlee Jr.



Origem

            Églas são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente, o que explica sua baixa tolerância ao calor. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas.

            Dentre os Aeglas, o complexo de espécies A. uruguayana é uma das com distribuição mais ampla, sendo encontrado no Brasil, Argentina (central e noroeste), e Uruguai. No nosso país, ocorre somente na região sul do Rio Grande do Sul, mas é a única espécie gaúcha de Égla que ocorre nas três bacias hidrográficas do estado (Guaíba, Uruguai e Litoral), sistemas da bacia do Rio Uruguay (Rios Ibicuí, Quaraí, Santa Maria) e Atlântico Sul (Rios Guaíba, baixo Jacuí, Negro, Mirim, São Gonçalo, Icamaquã).

 


Distribuição geográfica de Aegla uruguayana. Imagem original Google Maps; dados de Bond-Buckup G. In: Melo GAS. 2003.







Aegla cf. uruguayana, fotografada em Eldorado do Sul, RS. Trata-se de uma das espécies crípticas ainda não identificadas. Fotos gentilmente cedidas por Amanda Perin Marcon.




Aparência

 

Lembra bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.


  • Rostro longo, tendendo a estiliforme, carenado em todo seu comprimento
  • Espinho ântero-lateral da carapaça ultrapassando a metade da córnea
  • Quarto esternito torácico elevado com um espinho
  • Ângulo látero-dorsal da segunda pleura projetado por um espinho 
  • Crista palmar ausente
  • Dedo móvel do quelípodo sem lobo
  • Dedos do quelípodo com dente lobular 
  • Margem interna da face ventral do ísquio possui um espinho robusto distal e até três elevações ao longo do segmento
  • Margem ventral do mero com escamas. Margem dorsal do mero do segundo pereiópodo com um espinho distal e tubérculos escamiformes. Poucos Aeglas possuem espinhos nas pernas ambulatórias, o que auxilia a sua identificação 



 


Imagem dorsal de Aegla uruguayana. Nesta imagem é bem visível a ausência de crista palmar na quela, e o espinho distal na face interna do ísquio do quelípodo, duas características que permitem a diferenciação do Aegla platensis. Imagem cedida por Hernán Chinellato.



Close na carapaça de Aegla uruguayana. O rostro estiliforme, sem processo subrostral pode ser visto. Imagem cedida por Hernán Chinellato.



Close de um Aegla uruguayana. A quela sem crista palmar pode ser vista nesta foto. Imagem cedida por Hernán Chinellato.



Parâmetros de Água

 

Habitam ambientes bastante estáveis, estes animais são bem sensíveis a variações e condições inadequadas de água. Por este motivo, muitas vezes são usadas por pesquisadores como bioindicadores.

Um aspecto bastante importante é sua sensibilidade a altas temperaturas, uma causa comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. A temperatura ideal é de 16~20º C. Alguns criadores argentinos sugerem baixar mais a temperatura no inverno (até 18º C) para estimular sua reprodução.

Por viverem em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. É mais comum em águas neutras para alcalinas, dureza média. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a compostos nitrogenados, assim como a metais.





Aegla uruguayana no aquário, na última foto, alimentando-se de um pepino. Imagens cedidas por Valeria Castagnino.



Dimorfismo Sexual

 

Bem demarcado, machos são maiores e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais desenvolvidos.





Aegla uruguayana em visão ventral, imagem cedida por Gabriel López.



Reprodução


Podem ser reproduzidos em aquário, com certa facilidade. Sabe-se que o período reprodutivo dos Églas varia de acordo com a distribuição geográfica, sendo mais ampla quanto mais austral for a distribuição. O A. uruguayana é um exemplo extremo, uma das poucas espécies de Égla que tem uma reprodução contínua ao longo do ano. Em cativeiro, se bem alimentados, podem ter até três posturas anuais. A reprodução desta espécie já foi bem estudada em laboratório.

Machos usam suas grandes quelas para combates e disputas de fêmeas, assim como para a manipulação das fêmeas durante o acasalamento. Acasalam se posicionando ventre-a-ventre, produzem cerca de 150 ovos esféricos que eclodem em 45 a 50 dias, passando de uma coloração laranja para marrom pouco antes da eclosão. Nesta fase final os caranguejos juvenis já são visíveis dentro do ovo, com seus grandes olhos escuros.

Em cativeiro, se observou que fêmeas ovígeras em estágios iniciais se aglomeram em locais de maior correnteza, como a saída do filtro. Fêmeas ovígeras em estágios mais avançados e portando filhotes não têm este hábito, tendendo a ficar longe da correnteza, entocadas ou enterradas. Elas não se alimentam neste período.

Produzem poucos ovos de grandes dimensões (1 a 1,4 mm), apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. Églas apresentam o que se chama de Eclosão Assincrônica, ou seja, ovos de uma mesma ninhada eclodem de forma não-sincronizada. Por este motivo, as fêmeas carregam ovos em diferentes estágios de desenvolvimento, juntamente com juvenis.

Por um período de 3 a 4 dias, os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome, caracterizando cuidado parental. No primeiro dia, os filhotes ficam abrigados sob o abdômen da fêmea. Nos dias subseqüentes, eles caminham sobre o corpo da mãe, mas retornam rapidamente à região ventral a qualquer sinal de perigo. Os filhotes não realizam ecdises durante este período. Diferente dos lagostins com cuidado parental, estes filhotes não têm nenhuma estrutura anatômica especializada para se fixarem no corpo da mãe. Porém, fêmeas carreando filhotes tendem a evitar locais com correnteza. Atingem a maturidade sexual aos 6 meses.

Mesmo depois que abandonam o cuidado materno, Églas juvenis continuam tendo um comportamento gregário, formando aglomerações e escalando o corpo um do outro. Adultos também o fazem, mas em menor grau. Em especial na época da reprodução, formam grandes aglomerações junto às margens dos rios. Após a cópula, machos e fêmeas mostram uma distribuição diferencial nos rios, fêmeas permanecem próximo às margens, enquanto os machos retornam para as regiões mais profundas no centro dos rios.

 


Aegla uruguayana em um aquário, imagem cedida por Gabriel López.



Comportamento

 

São animais totalmente aquáticos, devem ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.

Apesar das grandes garras, não são animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Églas, independente do sexo. Como já mencionado, estes animais apresentam um forte comportamento gregário. Também não predam seus filhotes. Alguns aquaristas relatam sucesso inclusive na manutenção junto a Neocaridinas. Há descrições somente de se alimentarem de pequenos caramujos.

Por serem pequenos e pacíficos, podem ser mantidos em tanques pequenos, lembrando somente da requisição de alta taxa de oxigenação. A partir de 25 litros podem ser mantidos de 3 a 4 exemplares.

Hábitos noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar. Escavam o substrato, podendo desenterrar plantas e expor a camada fértil. Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça. Sua longevidade é de cerca de 2,5~3,0 anos na natureza.

 



Aegla uruguayana, uma das quelas em regeneração. Imagens cedidas por Nicolas N. Acosta.



Alimentação

 

Não é exigente quanto à alimentação. Nos seus habitats são onívoros, se alimentando principalmente de detritos, micro-organismos, algas diátomas e material orgânico vegetal em decomposição. Em cativeiro aceitam bem ração em flocos, assim como vegetais e proteína animal. Estes animais são importantes como predadores de larvas de mosquito-borrachudo na natureza.


 


Bibliografia:

  • Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Martin, J.W. & Abele, L.G. 1988. External morphology of the genus Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae). Smithsonian Contributions to Zoology 453: 1-46.
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  • Tudge CC. Endemic and enigmatic: the reproductive biology of Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae) with observations on sperm structure. Memoirs of Museum Victoria 60(1): 63–70 (2003).
  • Bitencourt JVT. Influência de barreiras geográficas na estrutura genética de Aegla uruguayana (Crustacea, Anomura, Aeglidae). Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas, área de concentração Biologia Evolutiva de Crustáceos. Curso de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal) - Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, 2007.
  • Teodósio EAFMO. Biologia de Aegla schmitti Hobbs III, 1979 (Crustácea, Anomura, Aeglidae) em reservatórios dos Mananciais da Serra, Piraquara, Estado do Paraná. Dissertação (Mestre em Ciências Biológicas, área de concentração Zoologia. Curso de Pós-Graduação em Ciências Biológicas, Zoologia) - Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007.
  • Greco LSL, Viau V, Lavolpe M, Bond-Buckup G, Rodriguez EM. Juvenile Hatching and Maternal Care in Aegla uruguayana (Anomura, Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 24, No. 2 (May, 2004), pp. 309-313.
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  • Santos S, Bond-Buckup G, Gonçalves AS, Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.
  • Zimmermann BL, Buzatto I, Santos S, Giri F, Mello FT, Crandall KA, Pérez-Losada M, Bartholomei-Santos ML. Entangled Aeglidae (Decapoda, Anomura): Additional evidence for cryptic species. Zool Scr. 2021; 50: 473– 484.


Muitas imagens deste artigo foram cedidas por colegas aquaristas argentinos, Valeria Castagnino, Gabriel López, Nicolas N. Acosta e Hernán Chinellato, que contribuíram também com valiosas informações, aos quais sou muito grato. Agradecemos também aos biólogos Juliana e José Milton Sclee Jr. (responsáveis pelo grupo de estudos  Florestas Pampeanas ), e Amanda Perin Marcon por permitir usar suas fotos.
 
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