Artigo publicado em 17/02/2013, última edição em 21/04/2023
Égla
– Aegla castro (complexo de espécies)
Nome
em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água
doce Nome em inglês: - Nome científico: Aegla castro Schmitt, 1942 e outros
Origem:
Brasil, SP e PR
Tamanho:
carapaça com comprimento de até 3,0
cm Temperatura: 16-22° C pH: neutro/ligeiramente ácido
Dureza: média Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce Comportamento: pacífico
Apresentação
Apesar de serem muitas vezes
referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra
infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero
atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da
América do Sul, com próximo de 60 espécies
brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécies neste link). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma
única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.
Não são muito populares no
Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são
criados há algum tempo com sucesso.
Trabalhos recentes demonstraram tratar-se de um complexo de espécies crípticas, composto pelas seguintes espécies:
Aegla
abrupta Costa Marçal & Monteiro Teixeira, 2021
Aegla
buenoi Costa Marçal & Monteiro Teixeira, 2021
Aegla
santosi Costa Marçal & Monteiro Teixeira, 2021
Etimologia:Aegla vem da deusa mítica grega Aegle,
uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo
ocidental do mundo. Em relação aos nomes específicos, castro vem do latim
caedō, cortar; abrupta vem do latim abruptus, referência ao abrupto terceiro esternito torácico da espécie; buenoi é uma homenagem ao Dr. Sérgio Luiz de Siqueira Bueno, estudioso de eglídeos; jacutinga se refere ao córrego Jacutinga, localidade-tipo; lata vem do latim latus = largo, relativa à forma
muito larga da carapaça; nanopedis tem origem no latim nano = pequeno e pedis = pé, em alusão aos pleópodos rudimentares; santosi é uma homenagem ao Dr Sandro Santos, estudioso de eglídeos.
Origem
Églas são crustáceos com
distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes
dulcícolas das regiões temperadas do continente, o que
explica sua baixa tolerância ao calor. Vivem em riachos límpidos de leito
rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas.
O complexo de espécies Aegla castro são encontradas somente no Brasil, com
distribuição bem restrita, na Bacia do Rio Paraná, abrangendo tributárias das duas margens da bacia do Rio Paranapanema, Rios Tibagi e Ivaí. Compreende o sul do Estado de São Paulo (município
de Itatinga, somente o A. castro) até o norte/nordeste do Estado do Paraná, no Segundo Planalto (município
de Ponta Grossa). Aegla castro ocorre em SP, com extensão somente ao limite norte do PR, com distribuição relativamente ampla. As demais espécies do complexo são encontradas na região centro-norte do PR, cada uma delas com áreas bastante restritas de ocorrência.
Distribuição geográfica das espécies do complexo Aegla castro. Imagem
original Google Maps; dados de Trevisan A. 2010.
Aparência
Lembra
bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente
e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa
análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen
relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O
próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa
visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos
quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob
o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor
marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.
Rostrotriangular e de base estreita, carenado em todo seu comprimento (longo e acuminado em A. castro e A. lata)
Espinho ântero-lateral da carapaça ultrapassando a base da córnea (alcançando em A. abrupta, A. lata e A. santosi, não atingindo em A. buenoi, A. jacutinga e A.nanopedis)
Lobos protogástricos elevados (por vezes obsoletos em A. lata)
Aréola retangular, longa e estreita (trapezoidal em A. nanopedis e A. santosi)
Margens laterais da área branquial anterior da carapaça expandidas
Ângulo látero-dorsal da segunda pleura com espinho (quase reto em A. abtrupta, escama córnea apical em A. buenoi, desarmado em A. nanopedis)
Crista palmar disciforme e escavada
Dedo móvel do quelípodo com lobo rudimentar ou ausente (destacado em A. castro, modesto em A. lata)
Margem interna da face ventral do ísquio com somente 4 a 5 tubérculos (um espinho robusto distal, um tubérculo proximal, e entre eles, até dois tubérculos escamiformes em A. castro)
Margem ventral do mero com um ou dois espinhos, seguido de tubérculos escamiformes (somente A. castro)
Pleópodos rudimentares em machos adultos de A. nanopedis
Aegla castro, na segunda foto, variações de cor. Fotos de Sérgio L. S. Bueno.
Parâmetros
de Água
Habitam ambientes
bastante estáveis, são bem sensíveis a variações e condições inadequadas de
água. Um aspecto bastante importante é sua sensibilidade a altas temperaturas,
uma causa comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. Baseados
nos locais de coleta, a temperatura ideal é em torno de 16~22º C.
Por viverem
em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se
superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. O pH nos seus
habitats varia de 6.1 a
7.2. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a compostos nitrogenados,
assim como a metais.
Aegla castro, juvenil fotografado no Córrego da Borga (tributário da Represa Jurumirim), próximo a Pilar do Sul, SP. Fotos gentilmente cedidas por Marco Endruweit.
Dimorfismo Sexual
Bem demarcado, machos são maiores
e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais
desenvolvidos.
Machos adultos apresentam dois morfotipos distintos, Morfotipo II demonstrando quelas maiores e mais robustas do que I, o primeiro sendo o grupo sexualmente funcional.
Reprodução
Poucos dados existem sobre sua
reprodução, sabe-se que possuem ciclos anuais de reprodução, descontínuo, com
período reprodutivo nos meses mais frios (entre Abril e Outubro), duração variável com a latitude, de dois a seis meses.
Produzem poucos ovos de grandes
dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases
larvais completam-se ainda dentro do ovo. A coloração dos ovos varia de laranja
a marrom, cores mais escuras em estágios mais adiantados de maturação.
Na eclosão são liberados indivíduos
já com características semelhantes ao adulto. Esta espécie apresenta cuidado
parental, os juvenis permanecem cerca de 15 dias fixos nos pleópodes da mãe.
Dois exemplares de Aegla castro no aquário, coletados em Ponta Grossa, PR. Fotos de Rodrigo Wansovicz.
Comportamento
São animais totalmente aquáticos, devem
ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.
Apesar das grandes garras, não são
animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas,
independente do sexo. Comportamento gregário, em especial animais juvenis. Hábitos
noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar.
Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros
animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação
completa da carapaça.
A longevidade
desta espécie é estimada em cerca de 2 anos.
Aegla castro no aquário, vídeo cortesia de Rodrigo Wansovicz.
Alimentação
Não é exigente quanto à alimentação,
na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em
decomposição, vegetal e animal.
Bibliografia:
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Agradecimentos especiais aos aquaristas Rodrigo Wansoviz, ao zoólogo Marco Endruweit (Alemanha, veja seu portal sobre Ictiologia, Aquariophil), e também ao Prof. Dr. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP – Laboratório de Estudo dos Eglídeos da USP), pela cessão das fotos para o artigo.