Anticorbula fluviatilis
O Anticorbula fluviatilis (H. Adams, 1860)
é um misterioso bivalve séssil de água doce amazônico, sem clara relação com os
principais grupos de bivalves continentais. É classificado provisoriamente dentro
da família Lyonsiidae (Pandoroidea), mas vários autores sugerem um
prosseguimento da investigação sobre sua posição sistemática. Outros defendem
que faça parte da família Corbulidae (Myoida). É um assunto fascinante, já que
representa provavelmente uma invasão independente de ambientes de água doce por
um grupo incomum de moluscos bivalves.
Foi descrita
inicialmente como Himella fluviatilis,
a partir de exemplares coletados no Rio Marañon, Peru, em 1860. O nome do
gênero passou para Anticorbula,
monotípico, já que Himella já era ocupada.
Em 1943 foi descrita Guianadesma sinuosum,
de um estuário oligoalino nas Guianas, que hoje se acredita ser a mesma
espécie. No Brasil, em 1997 e 1999 foram coletadas nos estados do AM e PA. Há
registros também no Rio Cuyuni (Guiana), Rio Kourou (Guaina Francesa) e Rios
Marowijne e Suriname (Suriname).
Etimologia: Anti tem origem grega, depois
incorporada no latim, com um sentido de ser contrário ou oposto. Corbula é
o nome do gênero bivalve marinho, inicialmente Anticorbula foi proposto como um subgênero deste gênero. Corbula tem origem no latim, significa
“pequeno cesto”.
Anticorbula fluviatilis, fotografado no Rio Amazonas próximo a Santarém, PA. O bisso é bem visível nesta imagem. Foto de Laurie C. Anderson.
Conchas de Anticorbula fluviatilis (identificada como Guianadesma sinuosum), coletadas no Rio Cuyuni, Distrito de Essequibo, Guiana. Holotipo do Museu Nacional Smithsoniano de História Natural. Licença Creative Commons.
Morfologia
São moluscos bivalves de tamanho médio, sésseis, que vivem
fixos a substratos submersos. Concha de
tamanho médio (25 mm), elíptica algo retangular, inequivalve e irregular. A
concha é dividida por uma angulação arredondada estendendo-se do umbo à margem
póstero-ventral, numa porção posterior reta, e uma região anterior convexa. Periostraco
fino e translúcido, marrom amarelado a verde-oliva. Cor da concha bege claro,
com áreas marrons na inclinação posterior. O interior da concha é branco opaco,
não nacarado.
Manto e demais
partes moles de cor creme, alguns exemplares com manchas de cor marrom escuro
na região umbonal. Lobos do manto com margens quase totalmente fundidas,
somente com abertura pedal e palial. Ausência de sifão, a abertura de influxo é
rodeada de duas fileiras de papilas curtas, abertura de efluxo estreita, com
margens espessas e lisas. Possui um pé pequeno, e provável litodesma vestigial.
Anticorbula fluviatilis, fixo a um tronco submerso, fotografado no Rio Amazonas próximo a Santarém, PA. Fotos de Laurie C. Anderson.
Habitat
e distribuição
Encontrada em água
doce e salobra de baixa salinidade, sua distribuição estende-se dos
estuários oligoalinos da região das Guianas (provavelmente também Amazônica),
aos grandes rios continentais do norte da América do Sul, principalmente a bacia
do médio Rio Amazonas. No Brasil, há registros de coletas nos rios Amazonas
(AM), Trombetas, Xingú e Alenquer (PA).
Encontrado em rios
com pouca correnteza, até cerca de 5 metros de profundidade, fixos a substratos
através de um espesso bisso. Mais comumente fixos a sulcos de troncos e galhos
submersos, mas também rochas e cascalho. Podem crescer afixados a conchas de
moluscos maiores. Muitas vezes são associados a esponjas de água doce, com
registros de bivalves vivendo dentro dos esqueletos reticulados dessas
esponjas.
Há algumas
informações físico-químicas sobre o Rio Trombetas, a temperatura média
era de 31 °C, pH 6.3, condutividade específica de 30 µS/cm, e oxigênio
dissolvido 5,6 mg/L.
Anticorbula fluviatilis, fixo a uma concha de Prisodon corrugatus, em meio a esponjas de água doce. Fotografado no Rio Amazonas próximo a Santarém, PA. Fotos de Laurie C. Anderson.
Ciclo
de vida e reprodução
Há pouquíssimas
informações disponíveis em literatura científica, embora seja uma espécie
bastante comum em algumas localidades, como a várzea do Rio Trombetas onde
representa a espécie molusca dominante.
Não há
nenhum dado sobre seu ciclo de vida ou reprodução.
Anticorbula fluviatilis, foto de Vincent Prié (Association Caracol, França). Imagem disponibilizada pelo portal INPN (link ao final do artigo).
Bibliografia:
- Simone LRL. 2006. Land and Freshwater Molluscs of Brazil. EGB, Fapesp. São Paulo, Brazil. 390 pp.
- Simone LRL. 1999. Anatomy and systematics of Anticorbula fluviatilis (H. Adams, 1860) (Bivalvia: Lyonsiidae)
from the Amazon Basin, Brazil and Peru. Nautilus
113: 48-55.
- Leistikow A, Janssen R. 1997. A record of the
bivalve Guianadesma sinuosum Morrison from the central Amazon
basin (Bivalvia: Corbulidae). Basteria 61:17–22.
- Macedo RPS, Alcantara TP,
Beasley CR. 2016. Características biológicas e físico químicas de bancos
de bivalves de água doce do rio Xingu, Pará. 5o Simpósio de Estudos e Pesquisas
em Ciências Ambientais na Amazônia, Resumo.
- Pereira D, Mansur MCD, Duarte
LDS, Oliveira ASD, Pimpão DM, Calil CT, Ituarte C, Parada E, Peredo S,
Darrigran G, Scarabino F, Clavijo C, Lara G, Miyahara IC, Rodriguez MTR, Lasso
C. Bivalve distribution in hydrographic regions in South America: historical
overview and conservation. Hydrobiologia,
v.735(1), p. 15-44, 2014.
- Volkmer-Ribeiro C, Mansur MC,
Pereira D, Tiemann JS, Cummings KS, Sabaj MH. 2019. Sponge and mollusk
associations in a benthic filter-feeding assemblage in the middle and lower
Xingu River, Brazil. Proceedings of
the Academy of Natural Sciences of Philadelphia, 166, 1-24.
- Prié V. 2020. Bivalves d’eau
douce de Guyane française : espèces présentes et attendues d’après la
bibliographie et l’examen des collections muséologiques. Naturae 2020 (3): 55-69.
- Beasley CR, Fernandes CM, Gomes CP, Brito BA, Santos SML, Tagliaro CH.
2005. Molluscan diversity and abundance among coastal habitats of northern
Brazil. Ecotropica, 11: 9-20.
Somos muito gratos à Profa. Laurie C. Anderson, Professora de Geologia e Engenharia Geológica, e Diretora do Museu de Geologia, South Dakota School of Mines and Technology, Dakota do Sul, EUA, pela cessão das fotos, e valiosas informações. Gratos também a Vincent Prié (Assocition Caracol, França), pelo uso da sua foto.
As fotografias
do Smithsonian National Museum of Natural History e a foto de Vincent Prié (disponibilizado pelo portal INPN - Inventaire National du Patrimoine Naturel (veja link aqui ) estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
|