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Aranhas Aquáticas  
Artigo publicado em 11/02/2012, última edição em 24/02/2024  

Licosídeo semi-aquático Allocosa paraguayensis. Foto de Walther Ishikawa.


Aranhas Aquáticas


            Aranhas são fascinantes artrópodes, animais essencialmente terrestres, com uma estrutura corporal única, dois tagmas compostos por um prossoma/cefalotórax (a cabeça fundida ao tórax) e opistossoma/abdômen. Não possuem asas nem antenas, têm oito pernas e um par de quelíceras que injetam veneno. Produzem teias com grande diversidade de forma, dimensão e tipo de uso. Muitas aranhas se adaptaram a um modo de vida anfíbio ou aquático, uma revisão recente mostra que em pelo menos 21 famílias a associação com habitats aquáticos evoluiu de forma convergente. Dentre elas, existem algumas aranhas altamente adaptadas à vida junto a corpos d´água, capazes de caminhar sobre a superfície d´água, submergir, e caçar animais aquáticos, chamadas de aranhas pescadoras ou aranhas d'água. São quatro famílias principais, Pisauridae, Trechaleidae, Lycosidae e Ctenidae. Todas têm um aspecto parecido, são aranhas robustas que não constroem teias permanentes, caçam presas diretamente, sendo chamadas por alguns de aranhas-errantes (clado Lycosoidea). 

O aspecto dos olhos ajuda bastante na distinção entre as quatro famílias, tanto os Pisauridae como os Trechaleidae têm oito olhos de dimensões iguais em duas fileiras, os olhos posteriores foram um trapézio quando vistos de cima. Lycosidae tem oito olhos em três fileiras, com um par de olhos mais proeminentes, os olhos posteriores formando um quadrado quando vistos de cima. Nos Ctenidae também há duas fileiras, destaca-se somente dois olhos na fileira inferior. Outro aspecto útil na distinção das famílias é o formato da ooteca, e a forma como é carregada pela fêmea, assim como o padrão de cuidado maternal.


Comparação de olhos de aranhas-pescadoras. Respectivamente, Lycosidae, Pisauridae, Trechaleidae e Ctenidae. As duas primeiras fotos de Walther Ishikawa, a terceira de Troy Bartlett, e a última de Markus Oulehla.




Família Pisauridae - Aranhas-pescadoras


            Os pisaurídeos são as aranhas aquáticas mais comuns, e os mais hábeis em caminhar agilmente sobre a água usando sua tensão superficial, sendo por isto os mais comumente chamados de "aranhas-pescadoras". São mais de 300 espécies cosmopolitas, no Brasil há registro de dois gêneros, Architis (14 espécies terrestres, algumas associadas a locais alagados, como A. capricorna) e Thaumasia (6 espécies, todas aquáticas). Um trabalho filogenético recente baseado em análises genéticas mitocondriais e nucleares revelou que Pisauridae não é monofilético, com Dolomedes situando-se como um grupo separado. Lycosidae mostrou-se uma família irmã a Trechaleidae, e Pisauridae (excluído Dolomedes) irmã deste grupo.

Vivem em águas paradas ou com pouca correnteza, em meio à vegetação da margem. Estas aranhas utilizam a tensão superficial da água para andar agilmente sobre sua superfície, seu padrão de locomoção no filme d'água é diferente das outras aranhas aquáticas ocasionais, mostrando-se mais especializadas. Aranhas terrestres como a Lycosa se movem como que caminhando sobre a água. Aranhas aquáticas (pisaurídeos e demais grupos) andam como se patinassem, lembrando um barco-a-remo, com movimentos síncronos, e com contínua e ampla área de contato das pernas com a água (um modo equivalente a gerrídeos). Quando precisam de velocidade, os pisaurídeos podem assumir também um movimento em galope (exclusivo desta família), com impulso verticalizado, a perna mantendo contato com a água somente no momento do impulso. Neste modo, podem atingir velocidades de até 0,4 m/s (não há correspondência em insetos, mas é um modo semelhante ao que o lagarto basílico caminha sobre a água).

Alimentam-se de invertebrados que vivem ou caem na superfície da água, eventualmente pode mergulhar para caçar presas aquáticas, inclusive peixes muito maiores que elas, ou para escapar de predadores. Possuem excelente visão, e detectam também suas presas através de vibrações na superfície da água. Habitualmente, repousam com as pernas traseiras nas margens, e as pernas dianteiras na superfície da água, como se a superfície da água fosse uma grande teia. Respiram ar, quando submergem levam consigo uma reserva de ar junto aos pelos abdominais. Esta reserva troca oxigênio com a água por difusão, permitindo que fique submersa por mais de 30 minutos.

Constroem teias irregulares próximos ao solo, com uma toca tubular feita de seda, semelhante a alguns licosídeos. Durante o acasalamento, muitas vezes o macho oferece à fêmea um "presente nupcial", que pode ser um inseto, ou até um falso presente envolto em seda. A cópula termina enquanto a fêmea ainda não descobre que foi enganada. A ooteca (saco-de-ovos) dos pisaurídeos é esférica como os licosídeos, mas, ao contrário destes, a fêmea a carrega usando tanto as quelíceras quanto as fiandeiras abdominais. Mostram cuidado parental, próximo à eclosão, estas aranhas constroem uma teia em forma de tenda (“nursery web”), colocam sua ooteca no seu interior e montam guarda nas proximidades.




Aranha pescadora, Thaumasia velox, cerca de 8 cm, fotografada em Monte Verde, MG. Fotos de Walther Ishikawa




Thaumasia sp., outro pisaurídeo, habitava um pequeno lago em Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Pisaurídeo Thaumasia velox no filme d´água, fotografado em Morungava, Gravataí, RS. Foto de Éden Timotheus Federolf.



Thaumasia velox fotografado em uma lagoa de Foz do Iguaçu, PR. Foto de Walther Ishikawa.


Thaumasia sp. predando um anuro, fotografado em Conceição, PB. Foto de Frederico Acaz Sonntag.



Aranha aquática Thaumasia macho, fotografada no Parque Juquery, Franco da Rocha (SP), foto de Walther Ishikawa.







Pisaurídeo Thaumasia senilis fotografado em Vinhedo, SP. A última imagem mostra a aranha submersa, levando um plastrão de ar. Fotos de Walther Ishikawa.


Thaumasia sp. em submersão, fotografado em um bebedouro para bois, em Ribeira do Pombal, BA. Fotos e vídeo cortesia de Miguel Macedo Luz Vieira.


Thaumasia sp. carregando sua ooteca esférica, fotografada em Iranduba, AM. Foto de Roberto E. Llanos-Romero.







Pisaurídeo Dolomedes tenebrosus, fotografado no Parc régional de la rivière Gentilly, Quebec, Canadá. Na primeira imagem, uma fêmea 
carregando uma ooteca, note seu aspecto esférico e o fato de ser carregado usando também as quelíceras. Na segunda imagem, a mãe protegendo os filhotes na teia-berçário. Fotos de Steve Troletti.



Família Trechaleidae - Aranhas-aquáticas-de-pernas-longas


Os trecaleídeos estão restritos à América Central e do Sul, exceto algumas com extensão até o México e sul dos EUA, e uma única espécie oriental. A família está em revisão, é provável que as aranhas terrestres da subfamília Rhoicininae ganhem status de família (incluindo a única espécie japonesa), Neoctenus (também terrestre) seja transferida para Zoridae. Segundo estas modificações, Trechaleidae no Brasil passa a ter 49 espécies distribuídas em 10 gêneros, todas semi-aquáticas. 

Como já mencionado, sabe-se que é um grupo muito próximo filogeneticamente dos Lycosidae, embora o arranjo dos olhos lembre mais Pisauridae. São chamadas em inglês de "long-legged water spiders", devido às suas longas pernas. Além da ooteca, os tarsos flexíveis auxiliam a distinção dos Pisauridae.

Estas aranhas mostram preferência por habitats de água corrente, sendo comuns em margens de rios e próximo a cachoeiras. Geralmente repousam nas paredes verticais rochosas destas margens, ou em fendas rochosas, com a extremidade das primeiras pernas em contato com o filme d´água. Eventualmente, apoiam-se somente no último par de pernas, as demais mantendo contato com a superfície da água. Espécies amazônicas são arbóreas, vivendo em troncos de árvores em áreas alagáveis. Possuem habilidade de caminhar sobre a água, mas mais limitada. Por outro lado, mergulham, permanecendo submersos por até cerca de 20 minutos.    

É uma das poucas aranhas que praticamente não usa a seda que produz, não construindo teias ou ninhos (a única exceção parece ser Paradossenus). A seda é usada somente para envolver os ovos na época da reprodução. Carrega a ooteca à moda dos licosídeos, usando as fiandeiras. Mas o aspecto da ooteca é distinto, achatado e discoide, e com uma abertura em forma de saia. Diferente dos pisaurídeos (mas semelhante aos licosídeos), quando os filhotes nascem, a mão continua a carregá-los. Porém, os carrega na ooteca vazia, ao contrário dos licosídeos, que carregam os filhotes sobre o seu abdômen. Recentemente foi descrito o comportamento de machos oferecendo "presentes nupciais" à fêmea, semelhante aos Pisauridae.






Dois trecaleídeos em rochas nas margens de um rio, em Amparo, SP. Provavelmente Trechalea sp. Fotos de Walther Ishikawa.




Trecaleídeo submerso em uma rocha no Córrego Preguiça, na Vila de São Jorge, Chapada dos Veadeiros, GO. Foto de Felipe Andrade.




Fenda entre rochas às margens do Rio Jaguari, em Areia Branca, SP. Dois Tetragnatha nas suas teias em primeiro plano, e ao fundo um grande Trechalea. Na segunda foto, o Trecaleídeo em destaque. A última foto mostra um juvenil nas margens da água, em uma rocha vertical. Note como se posiciona com as pernas dianteiras na superfície da água. Fotos de Walther Ishikawa.





Trechalea sp. também do Rio Jaguari, em Areia Branca, SP, fotografados em um pequeno aquário. Fotos de Walther Ishikawa.




Um grande Trecaleídeo fotografado na face inferior de um tronco sobre a água, na cachoeira do Prumirim, em Ubatuba, SP. Foto de Walther Ishikawa.





Trechalea sp. fotografado no Igarapé do Acará, em Manaus, AM. Curiosamente, alguns habitavam teias construídas em concavidades de folhas, algo não descrito para este gênero. Fotos de James Bessa.




Trecaleídeo fêmea carregando uma ooteca, fotografado próximo a uma cachoeira em Guapé, MG. Note o aspecto achatado da ooteca, e o fato dela ser carregada sob o abdômen. Fotos de Erik Fernando Finoti.





Um grande Trecaleídeo fêmea carregando uma ooteca, provável Paratrechalea, fotografado em Joinvile, SC. Foto de Fábio Longen.






Trecaleídeo fêmea Paratrechalea sp., carregando filhotes sobre a ooteca vazia, fotografado no Parque Natural do Caraça, MG. Na segunda imagem, os filhotes sobre o corpo da mãe. Fotos de Troy Bertlett.



Trechalea sp. predando um bagre pimelodideo, fotografado no Parque Estadual Cristalino, em Alta Floresta (MT). Foto de Richard C. Hoyer.




Trecaleídeo Neoctenus sp., um gênero que provavelmente será retirado desta família. Fotografado no Rio Grande, divisa MG/SP, em Guaraci, SP. Fotos de Walther Ishikawa.





Família Lycosidae - Aranhas-lobo


Aranhas da família Lycosidae são conhecidas popularmente como aranhas-lobo, são aranhas bastante comuns, em especial a espécie sinantrópica Lycosa erythrognatha, chamada também de aranha-de-jardim. As verdadeiras tarântulas européias também pertencem a esta família, embora atualmente este nome seja mais usado para as grandes caranguejeiras, por influência da mídia. São aranhas robustas e ágeis, que não constroem teias, caçando diretamente suas presas. Possuem picada dolorosa, mas sem importância médica. São mais de 2400 espécies no mundo, no Brasil ocorrem 51 espécies em 17 gêneros. São aranhas essencialmente terrestres, mas algumas espécies são bem adaptadas a um modo de vida anfíbio, no Brasil temos representantes dos gêneros AgalenocosaAglaoctenus (mais bem descrita adiante), AllocosaArctosaDiapontia e Pardosa.

Há descrição de diversas espécies com capacidade de caminhar sobre a água, ou submergir levando consigo uma reserva de ar nos pelos hidrofóbicos. Algumas espécies aquáticas constroem teias irregulares em meio à vegetação ribeirinha, com uma toca central onde se abrigam. As fêmeas carregam suas ootecas usando somente suas fiandeiras. Quando os filhotes nascem, abandonam a ooteca, mas carregam seus filhotes sobre o corpo, principalmente sobre a região abdominal. As ootecas têm um aspecto quase esférico, descrito em alguns locais como "biconvexo". 




Licosídeo semi-aquático Allocosa paraguayensis, fotografados em Vinhedo, SP. Note a disposição dos olhos. Fotos de Walther Ishikawa.


Um belo licosídeo semi-aquático (Allocosa? Pardosa?), fotografado no Igarapé Santa Izabel, Belém (PA). Foto de Cinthia Emerich.













Licosídeo semi-aquático Trochosa humicola 
fotografado em Vinhedo, SP. Últimas imagens em um pequeno aquário. Fotos de Walther Ishikawa.




Licosídeo Arctosa sapiranga, fotografado às margens do Rio Tamanduá, Foz do Iguaçu, PR. Foto de Walther Ishikawa.







Close nos olhos de um licosídeo Allocosa paraguayensis, e abaixo, tocas às margens de uma lagoa, fotografados em Itapeva, MG. Fotos de Walther Ishikawa.





Licosídeo semi-aquático (provável
Diapontia uruguayensis) em sua teia, fotografado numa área alagada às margens de um lago no Parque Juquery, Franco da Rocha, SP. Foto de Walther Ishikawa.






Licosídeo semi-aquático Diapontia uruguayensis, uma espécie comum nos estados do Sul. Exemplares da Argentina,
fotografados em Buenos Aires, imagens gentilmente cedidas por Lucas Rubio.







Licosídeo semi-aquático Trochosa humicola subbmerso em um pequeno aquário. Note o aspecto metálico devido ao plastrão de ar. Fotos de Walther Ishikawa.







Trochosa humicola criado em um paludário. Na segunda foto, predando uma mosca. Fotos de Walther Ishikawa.















Sequência de fotos mostrando o Licosídeo semi-aquático Agalenocosa bryantae construindo sua ooteca. Trata-se de uma espécie centro-americana, fotografada na República Dominicana. A última imagem mostra a típica forma que os Licosídeos carregam sua ooteca, com as fiandeiras. Fotos de Antonio Tosto.





Licosídeo Allocosa paraguayensis carregando filhotes sobre o abdômen, fotografado na APP Lagoa Encantada, em Vila Velha, ES. Foto de Flávio Mendes.







Licosídeo semi-aquático Allocosa paraguayensis, fêmea carregando seus filhotes. Fotografado na represa de Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.




Veja a segunda parte do artigo, abordando as Ctenidae e alguns outros interessantes grupos (além de créditos fotográficos e bibliografia)  aqui .

 
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