Sinelobus sp., exemplar neozelandês. Imagem cortesia de
Mannaki Whenua Landcare Research (Licença Creative Commons, veja o link ao final do artigo).
Sinelobus
A ordem Tanaidacea é composta por diminutos crustáceos bentônicos essencialmente
marinhos, com cerca de 900 espécies descritas. Só há quatro espécies
encontradas em água doce, uma delas no Brasil. Trata-se da espécie eurihalina Sinelobus
cf. stanfordi Richardson
1901.
Exemplares identificados
como Sinelobus stanfordi são reportados em uma distribuição
bastante ampla no globo, encontrados em habitats bastante diversos, regiões
temperadas, subtropicais e tropicais, em ambientes de água doce até hipersalinos.
Sua extensão abrange três oceanos, e regiões costais de todos os continentes
exceto a Antártida. Hoje se sabe que se trata de um complexo de espécies crípticas,
ao invés de uma única espécie cosmopolita.
É um pequeno
crustáceo alongado que constrói abrigos tubulares em substratos barrentos. No
Brasil, há reportes em diversos ambientes de água doce e salobra, próximos ao
litoral, nos estados do sudeste e sul. São muito abundantes, por exemplo, na
região do sistema lagunar do Tramandaí (RS), onde há registros de até 66.000
indivíduos/m2.
Há outras espécies
de tanaidáceos encontrados em água salobra no Brasil, como Teleotanais gerlachii e Monokalliapseudes
schubarti, mas em salinidades mais altas.
Sinelobus sp., exemplar brasileiro coletado no Paraná. Imagem gentilmente cedida por Andrea Desiderato.
Identidade
O gênero Tanaidáceo (família Tanaididae)
Sinelobus Sieg, 1980 foi por muito
tempo considerado monotípico, compreendendo a espécie cosmopolita Sinelobus
stanfordi. A localidade-tipo é a Ilha de Clipperton, um atol no Pacífico Norte,
a oeste da Costa Rica. A ampla distribuição presumida desta espécie se estendia
do Pacífico oeste do Peru à Califórnia, o Sudoeste Atlântico (Brasil, Uruguai e
Argentina), Caribe, Ilhas Kurile, Australásia, o cabo Sul-africano e o Oceano
Índico (Índia, Sri Lanka e o Golfo Árabe).
Em 2008 foi
questionado a monotipia do gênero, com a descrição de Sinelobus barretti, da Tasmânia. Espécimes previamente
identificadas como S. stanfordi começaram a ser revistas no mundo, com a
identificação de diversas novas espécies, Sinelobus
pinkenba (também da Austrália, 2008), Sinelobus
vanhaareni (2014, espécie introduzida no Europa, já identificada nos Países Baixos, Bélgica,
Polônia e Alemanha), Sinelobus
bathykolpos (Hong Kong, 2014) e Sinelobus
stromatoliticus (África do Sul, 2019).
Exemplares
brasileiros do Paraná estão sendo analisados pelo biólogo Andrea Desiderato,
baseado em análises moleculares (COI) sabe-se que também se trata de uma espécie distinta, ainda não identificada.
Sinelobus vanhaareni, exemplares dos Países Baixos, esta espécie era previamente identificada como S. stanfordi. As fotos mostram um casal, com detalhes do seu dimorfismo sexual. Fotos gentilmente cedidas por Ton van Haaren.
Morfologia
Tanaidáceos da família Tanaididae possuem o corpo alongado
e cilíndrico, que é dividido em três seções: um pequeno cefalotórax com uma
carapaça formada pela fusão dos dois primeiros segmentos torácicos, um pereaon com os demais seis segmentos torácicos, e um abdômen (pleon)
consistindo de 5 segmentos, e um pequeno pleotelson. Ambas antenas são
uniramos, mas a primeira é bem mais longa e grossa. Olhos conspícuos e escuros.
Um par de grandes quelípedos em forma de robustas garras,
maiores nos machos. Cada segmento de pereaonite possui um par de pernas
ambulatórias (pereiópodes). Os três primeiros pleonites mostram pares de
pleópodes, e dois primeiros têm tufos de setas plumosas látero-dorsais. Um par
de urópodes se projetam do pleotelson.
Há dimorfismo sexual na carapaça, estreitada anteriormente
nos machos, além do tamanho das quelas. A fêmea desenvolve uma câmara de incubação
que se protrui posteriormente da coxa do 5º pereiópode.
As dimensões dos espécimes brasileiros são de até 5,2 mm,
tanto para machos quanto fêmeas. Possui coloração branca a acinzentada, com
manchas de cor marrom escura.
Sinelobus cf. stanfordi, exemplar de Cuba fotografado em uma carcaça de Manati. Trata-se de uma fêmea, a imagem mostra a cápsula com embriões. Foto gentilmente cedida por Manuel Ortiz.
Sinelobus cf. stanfordi,
também exemplares cubanos fotografados ainda nas tuas tocas tubulares, em uma
carcaça de Manati. A primeira foto mostra um macho adulto e uma pequena Manca. A segunda mostra um macho em visão ventral. Fotos gentilmente cedidas por Manuel Ortiz.
Habitat
e distribuição
No Brasil, os Sinelobus são encontrados em água doce e
salobra de baixa salinidade, mais comuns em lagoas costais de águas rasas,
frequentemente associadas a vegetação, registros de ocorrência nos estados do
RJ, SP, PR e RS. Na América do Sul são mais numerosos ao Sul, sugerindo uma
preferência por temperaturas mais baixas. Suportam grandes variações de
salinidade, no Brasil, sendo encontrados desde água doce até ambientes
marinhos. O limite inferior de pH registrado é 5,0, e a faixa superior de temperatura
de 30ºC.
É uma espécie
bentônica, encontrado em meio a detritos em manguezais, e fazendo parte da epifauna de
corais e algas. Constrói tocas tubulares de areia ou lodo sobre substratos
sólidos e não consolidados, e sobre plantas aquáticas como Chara, Baccopa, Websteria, raízes de Aguapé e Totora. O
substrato é bastante versátil, desde troncos de mangue, conchas, substratos
artificiais até pele de mamíferos aquáticos.
A espécie possui
distribuição fortemente agregada, raramente deixa seus tubos, fazendo com que
os jovens construam os seus próximos aos dos seus progenitores, ocasionando
altas densidades em áreas restritas.
Casal de Sinelobus vanhaareni, exemplares dos Países Baixos. A fêmea mostra a grande cavidade marsupial com os filhotes em desenvolvimento. Fotos gentilmente cedidas por Ton van Haaren.
Ciclo
de vida e reprodução
Machos visitam
galerias de outros indivíduos à procura de fêmeas. A cópula sempre ocorre no
tubo da fêmea, após uma breve corte nupcial com as antenas. A cópula é com o
casal ventre-a-ventre, com fertilização interna. Os ovos (até 66) são
incubados, nascendo em cerca de dez dias. Filhotes são incubados em grandes
câmaras pareadas fixas às coxas do quinto pereiópode da mãe. Na fase
pós-marsupial, machos passam por quatro estágios não-reprodutivos (três Manca e
juvenil), e quatro estágios copulatórios. Fêmeas passam por cinco estágios
não-reprodutivos (três Manca e dois juvenis), dois estágios preparatórios e dois
estágios copulatórios. Antes da emergência da câmara materna, os filhotes se
alimentam de um “vitelo” amarelado produzido pela mãe. Há cuidado maternal, os
filhotes permanecem no tubo da mãe por um período variável. O tempo de
desenvolvimento até as formas reprodutoras também varia, especialmente com a
temperatura, duração de um a dois meses.
Alguns artigos
antigos mencionam hermafroditismo e reversão sexual, que parece não se
confirmar nos estudos mais recentes. Há um predomínio de fêmeas sobre machos, proporção
de pelo menos 2:1 (pode chegar a 12:1). Reproduz-se continuamente ao longo do ano,
com picos nos meses mais quentes.
Alimenta-se de
detritos e microalgas. Há registros de espécies brasileiras alimentando-se de
hidróides marinhos Eudendrium sp.
Tanaidáceo eurihalino Monokalliapseudes schubarti, fotografados no estuário do Rio Indaiá, em Ubatuba, SP. As primeiras fotos mostram os animais no habitat, as demais, em um pequeno aquário. Fotos de Walther Ishikawa.
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Agradecimentos aos zoólogos Dr. Ton van Haaren (Países Baixos) e Dr. Manuel Ortiz (Cuba) pela cessão do material fotográfico. Agradecimentos especiais ao zoólogo Andrea Desiderato pela foto do exemplar brasileiro, e por compartilhar suas informações sobre a espécie brasileira de Sinelobus.
As fotografias de Walther Ishikawa e do Manaaki Whenua Landcare Research estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons . O arquivo original do último pode ser visto aqui . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
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